Sociedade | 02-12-2020 10:00

Histórias e testemunhos de crianças prematuras que são a felicidade das famílias

“A bebé era tão pequenina que até pessoas de família diziam que não iria sobreviver”. Mães falam com orgulho de heróis que nasceram com pouco mais de um quilo

Ter um bebé é, geralmente, um momento de alegria para os pais, principalmente se ele é desejado, mesmo não tendo sido planeado. Saber a determinada altura que o nascimento vai ocorrer antes do tempo é um pesadelo. Um bebé prematuro é um bebé de risco. Alguns, poucos, não sobrevivem. E é sempre um choque vê-lo ali, numa incubadora, mais pequeno e mais frágil do que já são os bebés. A propósito do Dia Mundial da Prematuridade, que se comemorou a 17 de Novembro, O MIRANTE falou com três mães que passaram por essa situação.

“Vê-la a primeira vez custou-me muito porque não tinha unhas, sobrancelhas nem pestanas”

Joana nasceu com 30 semanas. Pesava um quilo e media trinta centímetros. Um início de vida prematuro como o de cerca de seis mil bebés que nascem todos os anos em Portugal.

“Ver a minha filha pela primeira vez custou-me imenso. Estava habituada a ver os bebés das colegas e amigas e quando a vi parecia um coelhinho. Não tinha unhas, não tinha sobrancelhas nem pestanas”, recorda a mãe, Teresa Inácio, na sua casa, em Alpiarça.

Optimista por natureza, Teresa Inácio acreditou que ia correr tudo bem. “Havia pessoas da família que quando viram a bebé chegaram a dizer que não escapava. Tal nunca me passou pela cabeça. Achei que estava tão bem tratada, recebia tanto amor e era tão lutadora que só podia dar certo”.

A gravidez corria bem a Teresa, na altura com 31 anos, quando aos quatro meses de gestação (16 semanas) foi internada na maternidade Bissaya Barreto, em Coimbra, onde estava a ser acompanhada, e ali ficou durante quase três meses, até ao parto.

Tudo aconteceu quando lhe foi diagnosticada pré-eclâmpsia, uma complicação da gravidez caracterizada por pressão arterial elevada, e uma das causas mais comuns de morte na gravidez. Teresa Inácio diz ter sido apanhada de surpresa, pois nunca antes tinha tido qualquer episódio de hipertensão.

A gravidez não tinha sido planeada. Na altura estava casada há dez anos e os planos que tinha com o marido passavam por terminar a casa que estavam a construir em Alpiarça com o dinheiro economizado durante os anos em que estiveram emigrados na Alemanha. A seguir queria arranjar trabalho na terra e tirar a carta, antes de ter um filho. “Quando descobri que estava grávida chorei muito, não queria”, conta.

Emociona-se quando recorda que, tanto ela como a filha correram risco de vida. Só depois da bebé nascer é que soube ao pormenor o que se passou. “Estive sete dias sem ver a minha filha depois do parto por cesariana. Fiquei muito debilitada”, recorda, confessando que o processo difícil a tornou numa mãe “ainda mais galinha que as outras”. Sublinha que Joana, agora com 19 anos, nem sempre entende as suas preocupações.

Após o parto, a bebé ficou cerca de três semanas em Coimbra nos cuidados neonatais. Seguiu para o Hospital Distrital de Santarém, onde chegou com um quilo e oitocentos gramas e saiu de lá, um mês depois, com dois quilos.

Até aos cinco anos as preocupações foram constantes. Só nessa altura os problemas respiratórios de Joana estabilizaram e os seus pulmões começaram a ganhar resistência. Hoje está muito longe do tamanho daquele boneco que Teresa guarda religiosamente, com as medidas da sua bebé quando nasceu.

“Quando me disseram o que se passava passou-me tudo pela cabeça”

A gravidez de Joana Diniz correu de forma normal até ao dia em que começou a perder líquido amniótico (o fluido que envolve o bebé em desenvolvimento e preenche a bolsa e cavidade uterina). No Hospital Vila Franca de Xira recomendaram-lhe uma semana de repouso absoluto para que a bebé pudesse aguentar-se no útero até às 34 semanas.

“Assusta muito porque nunca se sabe qual é a realidade que nos espera. Nesse tempo passa-nos tudo pela cabeça, desde a possibilidade de problemas respiratórios a atrasos de crescimento, etc...”, confessa a O MIRANTE a ex-concorrente de um reality show televisivo.

Valentina acabou por nascer às 34 semanas e quatro dias, com 38 centímetros e a pesar um quilo e 400 gramas, na maternidade do Hospital Vila Franca de Xira. “A cesariana estava programada para o final da tarde, mas teve de ser de urgência quando os médicos perceberam que não estava tudo bem”, conta Joana Diniz. E a bebé só pôde ser levada para casa 29 dias depois.

Após o nascimento seguiu-se um internamento na neonatologia devido ao pouco peso e dificuldade de sucção. Uma experiência diferente para uma jovem de 26 anos que acabava de ser mãe pela primeira vez, fruto de uma gravidez não planeada.

Ainda assim, Joana Diniz, considera a passagem pela neonatologia uma “experiência enriquecedora”, onde diz ter aprendido muito com os profissionais de saúde que a acompanharam. “Eu estava lá das oito da manhã às onze da noite, durante todo o horário em que me era permitida a permanência no serviço”, acrescenta.

Actualmente com 16 meses, a pequena Valentina continua a ser seguida no hospital, embora não apresente sinais ao nível do crescimento e desenvolvimento cognitivo de que foi um bebé a vir ao mundo antes de tempo.

Gémeos Margarida e João Francisco foram alimentados através de uma sonda

Lídia e Luís Santos, de Constância, sonhavam ter filhos e constituir uma família mas nunca pensaram passar por tantas dificuldades para concretizar esse sonho. A gravidez de gémeos foi de risco e Lídia, na altura com 34 anos, teve que passá-la em casa para não correr riscos.

Durante a gravidez surgiram-lhe diabetes gestacionais e hipertensão. Foi sempre acompanhada por um médico e confessa que vivia um dia de cada vez. Aos cinco meses de gestação foi detectado um problema num dos rins de um dos fetos.

Às 32 semanas, Lídia foi para o Hospital de Abrantes uma vez que lhe tinham rebentado as águas. A futura mãe levou uma injecção para ajudar na maturação dos pulmões dos bebés que eram muito prematuros e uma segunda, algumas horas mais tarde. Como não havia duas incubadoras foi transferida para o Hospital de Leiria. A mãe ficou a soro até que os médicos decidiram que os gémeos iriam nascer.

Lídia lamenta ter levado anestesia geral uma vez que não lhe permitiu assistir ao parto. “Foi um momento muito ingrato porque todas as mães querem passar pelas emoções e sensações do nascimento dos filhos. Não ter assistido e não saber de nada foi muito duro”, confessa.

Margarida nasceu com 1,915 quilos e 42,5 centímetros. João Francisco era ligeiramente maior. Pesava 2,080 quilos e media 44,5 centímetros. O parto foi no dia 1 de Junho de 2003. A mãe conheceu os seus filhos através da fotografia que o marido lhes tirou nos cuidados neonatais. Só os conseguiu ver no dia a seguir ao parto, nas incubadoras.

“Foram dias difíceis. A dor física é enorme mas a psicológica também tem um impacto muito grande. Os prematuros só sabem sugar leite às 35 semanas por isso os meus filhos tiveram que ser alimentados com o meu leite através de seringas. Recordo-me dos constantes apitos das máquinas daquele serviço e de ver bebés ainda mais pequenos que os meus. Não foi fácil embora tudo se supere”, recorda.

Às 35 semanas foram transferidos para o Hospital de Abrantes e cerca de três semanas depois tiveram alta hospitalar. Em casa Lídia e Luís iniciaram uma nova etapa nas suas vidas. Os bebés foram ganhando peso e as rotinas instalaram-se. Quando tinham um ano a bebé Margarida teve que ser operada no Hospital da Estefânia, em Lisboa, ao problema no rim. Esteve internada cerca de um mês. Com um bebé em casa e outro no hospital, o esforço dos pais foi maior.

Acabou por correr tudo bem e 17 anos depois são adolescentes saudáveis, embora Margarida continue a estar sob vigilância renal. Ambos são escuteiros desde os seis anos, embora João tenha saído entretanto para se dedicar ao futebol. São bons alunos e os pais torcem para que sejam bem sucedidos, mas sobretudo que sejam felizes. “Ser prematuro é um acto heróico e eles conseguiram superar as adversidades logo no início da vida”, dizem com orgulho.

Mais de centena e meia de prematuros por ano no distrito de Santarém

Nas maternidades do distrito de Santarém, a funcionar nos hospitais de Abrantes e Santarém, nascem, em média, mais de uma centena de bebés antes do tempo normal de gestação que é normalmente de 37 a 42 semanas.

Embora possam ser variadas as causas que levam a um parto antes do tempo, existem alguns factores de risco que, por norma, surgem associados à prematuridade: a idade da mãe (mães cada vez mais velhas ou muito novas), o tabaco, o stress, a gravidez múltipla (gemelar) e as infecções.

As unidades de neonatologia da região estão apetrechadas para atender essas situações, mas os casos mais graves de prematuridade continuam a seguir para as unidades de referência em Lisboa ou Coimbra. Foi o que aconteceu com os bebés de 24 e 25 semanas, os mais prematuros que nasceram nas maternidades de Santarém e Abrantes, respectivamente.

Por ano nascem, em média, na maternidade do Hospital Distrital de Santarém, 87 prematuros. Um número que se tem mantido constante ao longo dos últimos cinco anos. A taxa de sucesso depende se os recém-nascidos prematuros são “grandes prematuros” ou não. Isto é, se nasceram antes das 32 semanas de gestação. São estes que necessitam de mais cuidados neonatais.

Na maternidade do Hospital de Abrantes, que integra o Centro Hospitalar do Médio Tejo (CHMT), nascem, em média, 50 bebés prematuros por ano, o que equivale a 6% do número total de partos. Um número abaixo da taxa de prematuridade a nível nacional que se situa nos 8%, sendo apenas 1% correspondente a “grandes prematuros”.

Segundo fonte do CHMT, houve um aumento significativo de casos entre 2018 e 2019 de 5,9% para 9%. Com o ano de 2019 a marcar o recorde de dias de internamento nos cuidados neonatais.

Nos últimos cinco anos há a registar na maternidade de Santarém um óbito, em 2017, de um recém-nascido com 34 semanas. Contudo, sendo os casos mais graves enviados para unidades de neonatologia diferenciadas, podem ter existido outras mortes que não ficaram inscritas no HDS. No mesmo período não foi registado qualquer óbito em Abrantes, mas fonte hospitalar ressalva que, também aqui, os casos mais complicados são transferidos para os hospitais centrais.

Em Santarém, onde há um total de seis incubadoras, foram adquiridos dois postos de ventilação mecânica e dois de ventilação não invasiva. Abrantes responde com cinco incubadoras, uma delas de transporte, com ventilador.

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