O trabalho voluntário é sempre importante mesmo quando parece insignificante
Quando uma parte do esforço é descobrir como se pode ajudar nestes estranhos dias.
Paulo Grego é reformado e está à frente da Liga dos Amigos do Hospital de Tomar. A pandemia alterou a forma como procurava ajudar os outros mas não o travou. Em Santarém, João Seabra Correia, de 16 anos, quer dar prendas de Natal a quem precisa e não é fácil desanimá-lo. Foi com eles que falámos, a propósito do Dia Internacional do Voluntariado, que se assinalou no sábado, 5 de Dezembro.
Até a caixa para recolha de prendas de Natal foi roubada
João Seabra Correia tem 16 anos, é voluntário e não desanima
Na primeira fase da pandemia João Seabra Correia e alguns amigos colocaram uma caixa para recolha de bens alimentares nos claustros do Seminário em Santarém e o projecto teve adesão. Agora, no mesmo local, João colocou uma outra para recolha de prendas para carenciados... e houve logo quem a roubasse.
Oferecer uma prenda a quem não tem a possibilidade de ter uma na noite de 24 de Dezembro é o objectivo da Caixa dos Natais, um projecto do jovem escalabitano João Seabra Correia. Uma peça de roupa, um carrinho de brincar, um peluche, uma boneca, um livro que tem em casa e já não utiliza pode dar um sorriso a quem nada tem.
A ideia surgiu na continuação de um outro projecto que decorreu na primeira fase do confinamento provocado pela Covid-19 quando, em conjunto com amigos, deixou nos claustros do Seminário de Santarém uma caixa solidária para recolha de bens alimentares. Mas, ao contrário da primeira experiência que permitiu recolher bens durante dois meses, a Caixa dos Natais, colocada no mesmo sítio, a 1 de Dezembro, foi roubada no dia seguinte.
Resiliente e persistente, João voltou a colocar a Caixa dos Natais debaixo do claustro da direita do Seminário, “agora com algumas restrições”, e desta vez com a ajuda do Museu Diocesano que se encarrega de a guardar fora do horário de funcionamento. A caixa está disponível das 10h00 às 18h00 nos dias úteis, das 10h00 às 12h30 e das 14h00 às 18h00 aos sábados e das 14h00 às 18h00 aos domingos.
Quem precisar pode passar por lá e retirar o que quiser. Periodicamente João recolhe o conteúdo da caixa e guarda-o em casa. A partir do dia 22 de Dezembro irá entregar os presentes em instituições de solidariedade social da cidade. João Seabra Correia, de 16 anos, confessa que o voluntariado e os projectos solidários têm partido da sua iniciativa e da sua vontade de ajudar o próximo, embora conte com o apoio incondicional da avó Marília Mónica, a grande compincha, e da mãe Mena Seabra “que me apoia em tudo e que também está cá quando é preciso ralhar comigo”.
Participa em acções de voluntariado como o projecto Refood, o Banco Alimentar Contra a Fome ou a Liga Portuguesa Contra o Cancro, onde recentemente participou no peditório feito no W Shopping. O tempo, diz, chega para tudo, basta saber geri-lo. E não descura os amigos por causa dos projectos solidários em que se envolve.
Na Escola Secundária Ginestal Machado, em Santarém, é delegado de turma. Católico praticante, vai à missa todos os domingos e em criança teve o sonho de ser pivô da TVI, estação que emite todos os domingos a eucaristia. Também gostava de ser actor, juiz ou deputado. Diz que daqui a dois anos, quando tiver que fazer uma opção a nível de estudos, deve escolher Direito.
Não esconde que tem ambições políticas e que gostaria um dia de chegar a presidente da câmara da sua cidade. Entre as ideias que colocaria em prática como edil estariam eliminar o shopping da cidade para concentrar o comércio no centro histórico e assim dar-lhe mais vida. Vive no centro histórico e apercebe-se de como agoniza. É de opinião que ali não devia haver trânsito, o que seria também uma forma de obrigar as pessoas a visitarem o centro da cidade a pé.
Criou páginas de Facebook e Instagram para apontar aspectos negativos da cidade e está a aprender a lidar com as críticas. “No início ligava muito à opinião das pessoas, lia os comentários e respondia sempre às ofensas que me faziam. Hoje agradeço a todos as opiniões, mas não respondo”.
Temos andado a reinventar a forma de ajudar quem mais precisa
Junto à porta do gabinete da Liga dos Amigos do Hospital de Tomar (LAHT), no rés-do-chão, estão três sacos com roupa de Inverno.
Junto à porta do gabinete da Liga dos Amigos do Hospital de Tomar (LAHT), no rés-do-chão, estão três sacos com roupa de Inverno. Paulo Grego lançou o desafio na sua página da rede social Facebook a pedir roupa e a resposta foi rápida. Dois dias depois tinha três sacos com roupa para distribuir pelos doentes internados, mais necessitados.
Militar da Guarda Nacional Republicana (GNR) na reforma, Paulo Grego, 63 anos, é presidente da LAHT desde Janeiro deste ano. Dois meses depois, com o início da pandemia, os projectos que tinha para a sua actividade tiveram que ser adaptados.
Como a maioria dos voluntários tem mais de 60 anos e são considerados pessoas de risco acabaram por ficar em casa. Além disso, o acesso aos doentes está-lhes vedado.
Antes da pandemia Paulo Grego circulava livremente pelos corredores do Hospital de Tomar. Passava pela sala de visitas e já conhecia certas pessoas e elas a ele. Havia sempre um cumprimento, dois dedos de conversa. Agora é a tristeza do afastamento.
“As pessoas estão mais frágeis. Só podem receber uma visita de um familiar, meia hora ao domingo, e isso fragiliza quem já está internado no hospital. Vivemos tempos muito difíceis”, lamenta.
Os pedidos de ajuda têm aumentado nos últimos meses. Para ajudar quem não tem dinheiro para comprar os seus medicamentos, os doentes carenciados dirigem-se às assistentes sociais do hospital, que fazem uma avaliação do grau de carência. Os doentes mais necessitados vão à farmácia aviar a receita e é a LAHT que paga as despesas.
O espírito voluntário nasceu com Paulo Grego. Quando começou a pandemia contactou empresas, que ainda podem ajudar e estas ofereceram barras energéticas, chocolates e águas para os médicos que trabalham horas a fio em ambiente difícil.
“Gosto de ser pró-activo. Vejo o esforço dos médicos e o trabalho que fazem é excepcional. Quando pedimos ajuda às pessoas elas são generosas”, afirma. O dirigente associativo recorda que o Natal é sempre uma época mais difícil para quem está internado. “Este ano vai ser ainda mais difícil por não se poder partilhar afectos. Vão ser dias complicados”, diz.
Paulo Grego teve uma infância feliz mas pobre. Apesar das dificuldades nunca lhe faltou comida na mesa. Aos 11 anos entrou num Seminário porque julgou que através da vida sacerdotal poderia ajudar os mais necessitados. Saiu aos 16 anos quando percebeu que o seu caminho não seria por ali.
Viveu com o pai em Moçambique, onde nasceu e onde conheceu a sua esposa. Já em Portugal a vida profissional levou-o para Tomar onde ainda hoje vive. Foi a mulher, Fernanda, que o desafiou a fazer voluntariado hospitalar quando Paulo se confrontou com excesso de tempo livre quando passou à reserva da GNR. Também deu catequese em várias paróquias do concelho de Tomar durante 10 anos.