Sociedade | 22-12-2020 10:00

Animais e plantas em extinção no Ribatejo

Enguias, bogas, algumas espécies de répteis e até de árvores estão a ser eliminadas pouco a pouco sem que exista um alerta público para o problema ou a necessária intervenção dos organismos públicos.

O discurso de biólogos e outros especialistas em questões ambientais e da natureza pode parecer alarmista e até extremista mas aquilo a que vamos assistindo dá-lhes razão. Espécies extintas ou em extinção, desequilíbrios a nível da natureza e outros problemas graves, mais ou menos visíveis. A propósito do Dia Mundial da Conservação da Vida Selvagem, que se assinalou a 4 de Dezembro, O MIRANTE quis saber que espécies existem na Lezíria, na Charneca e no Bairro, as três grandes regiões que compõem o Ribatejo, e quais as ameaças que sobre elas pairam.

Flora e aves sem problemas mas há menos répteis e peixes no Paul do Boquilobo

A poluição do rio Almonda, que atravessa o concelho de Torres Novas, é a maior ameaça para a Reserva Natural do Paul do Boquilobo. O que afecta o rio afecta todo o ecossistema e apenas resistem os espécimes com maior tolerância à poluição e a águas pouco oxigenadas.

A informação é dada por Fernando Pereira, responsável do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) na Reserva. O engenheiro acrescenta que, embora ainda haja muito a fazer, a qualidade da água do Almonda melhorou significativamente nos últimos tempos.

A poluição das águas do rio Tejo também constitui uma ameaça apesar dessas águas apenas chegarem ao Paul em caso de grandes cheias. “Quando o Tejo se encontra mais poluído, ainda que com um caudal reduzido, a entrada de espécies piscícolas e outras para o Paul fica comprometida e a Reserva ameaçada uma vez que a ligação com outras áreas é estabelecida pelo Tejo e este é fundamental para a preservação da sua biodiversidade”, explica.

As alterações climáticas também podem prejudicar a conservação da vida selvagem, provocando uma redução significativa de determinadas espécies de animais ou plantas. Em relação a espécies vegetais, se forem ultrapassados os seus limites de tolerância em termos de temperatura podem provocar a morte ou enfraquecimento tornando-as menos resistentes a doenças ou pragas. Nos animais essas alterações podem também provocar o seu desaparecimento, por exemplo, inviabilizando a sua reprodução ou até, como é o caso dos répteis cujo sexo é definido pela temperatura de incubação dos ovos, provocar um desequilíbrio na proporção entre machos e fêmeas, o que compromete a viabilidade dessas populações.

Os fenómenos meteorológicos extremos podem, por exemplo, inviabilizar o ciclo reprodutivo de determinadas espécies. Fernando Pereira dá o exemplo de chuvas acentuadas a meio da Primavera, que podem provocar uma rápida subida das águas alagando zonas onde existem ninhos de aves. “Deste modo podem comprometer a sua nidificação e, consequentemente, a sua descendência nesse ano”, sublinha o responsável da Reserva.

Outro factor que prejudica a vida selvagem é a destruição dos olivais tradicionais que são substituídos por olivais intensivos ou, até, por culturas de regadio ou espécies florestais de crescimento rápido. Também a introdução de espécies exóticas, de animais e plantas, que competem com as espécies autóctones, provoca a diminuição ou a extinção das suas populações.

“O desaparecimento de pequenas zonas naturais, como charcos temporários ou de determinadas bolsas de vegetação autóctone, compromete a conservação da natureza porque a sua manutenção assegura a existência de determinadas espécies que podem servir de alimento a outras e funcionar como locais de refúgio para outras”, explica.

Na Reserva do Paul do Boquilobo tem havido uma diminuição de anfíbios, répteis ou peixes, tanto no número de espécies como na dimensão das populações. No caso das aves, Fernando Pereira diz que o aparecimento de novas espécies compensa o desaparecimento de outras. No caso da flora não parece haver uma diminuição notória, embora, por exemplo, os nenúfares tenham desaparecido.

O responsável considera que há cada vez mais pessoas despertas para a importância de preservar a vida selvagem mas, em muitos casos, não percebem que a preservação depende também das suas acções e capacidade de mobilização e pressionar os decisores políticos a tomarem medidas nesse sentido.

Enguia e boga portuguesa estão ameaçadas e podem desaparecer por completo

Na região do Bairro ainda é possível ouvir o regougar da raposa ou o chilrear do pisco-de-peito-ruivo, mas também ali, na margem direita do Tejo, a pressão do Homem sobre o ambiente, ameaça a fauna e a flora locais. A ambição de querer mais e agora, sem pensar nas consequências, leva a alterações drásticas na paisagem como é o caso das monoculturas, dos eucaliptos, do olival e do amendoal super intensivo.

As palavras são da bióloga e educadora ambiental, Patrícia Silva, conhecedora da região. “Assiste-se ainda, em pleno século XXI, ao despejo ilegal de resíduos domésticos e industriais, alguns até perigosos para a saúde humana, como as placas de amianto. E as vedações, cada vez mais frequentes, podem ameaçar determinadas espécies, por lhes vedarem caminhos naturais. Outro factor a ter em consideração é a monda química com glifosato, quer nas culturas quer nas bermas das estradas”.

Estes factores conjugados colocam em risco animais e plantas.Nas aves as espécies mais ameaçadas são o noitibó e o alcaravão, que possuem um estatuto de Vulnerável, seguidos do bufo real, da águia calçada, da águia cobreira e do peneireiro cinzento, com estatuto de Quase Ameaçado. Nos mamíferos, o coelho tem estatuto de conservação Quase Ameaçado, com a sua população em declínio, consequência de doenças hemorrágicas, da caça e a da acção dos predadores.

Nos peixes, a enguia possui o estatuto de Em Perigo de Extinção, a boga portuguesa, espécie Criticamente em Perigo, e o bordalo, estatuto de Vulnerável. Nas plantas, o sobreiro e a azinheira são espécies protegidas a nível nacional mas há outras que estão em risco.

Com populações residuais nesta região e sem qualquer legislação que o proteja, o carvalho cerquinho, por exemplo, corre o risco de se extinguir, desaparecendo com ele a biodiversidade associada a esses bosques. Ainda no que se refere às plantas, Patrícia Silva destaca a gilbardeira, ou falso azevinho, como espécie mais ameaçada, sobretudo nesta altura festiva.

Não adianta dar educação ambiental aos mais velhos

Apesar de por vezes se apontar o dedo a algumas espécies como causadoras do desaparecimento de outras, como por exemplo os saca-rabos que são acusados pelos caçadores pelo número cada vez menor de coelhos no Bairro, a bióloga ressalva que os animais matam para sobreviver e que os saca-rabos ou as raposas alimentam-se do que há.

“Se existem cerca de 100 mil caçadores em Portugal e se cada caçador pode caçar até quatro coelhos por dia, não pode um saca-rabos comer apenas um”, questiona, acrescentando que deveria haver um modelo mais ajustado de gestão cinegética para evitar situações como a que presenciou recentemente de uma raposa que, por estar esfomeada, arriscou aproximar-se de si sem medo. Outra espécie que se tem aproximado cada vez mais das habitações é o javali, cuja população aumentou drasticamente, por já não existir no Bairro o seu predador natural, o lobo.

Quem vive no campo está habituado a conviver com a vida selvagem, mas vê muita da bicharada como “inimigos”. A explicação, refere Patrícia, está no que lhes foi transmitido por pais e avós. “Veja-se por exemplo o caso das osgas, que dizem ser ‘peçonhentas’ e venenosas. É um mito. Trata-se de uma herança cultural e está nas nossas mãos mudar essa percepção”, refere a bióloga que se dedica também, há 15 anos, à educação ambiental e cita o biólogo, professor e investigador Jorge Paiva: “não adianta dar educação ambiental aos mais velhos, pois esses já não aprendem. Para se fazer a diferença tem que se começar pelas crianças. Mudar mentalidades é um trabalho de gerações”.

Máscaras descartáveis deitadas fora são a nova poluição do estuário do Tejo

As máscaras descartáveis, deitadas fora em qualquer lado, são mais uma ameaça aos habitats naturais do Estuário do Tejo. O alerta é deixado por Sandra Silva, bióloga do EVOA – Espaço de Visitação e Observação de Aves, na lezíria de Vila Franca de Xira, que refere que as mesmas já são encontradas nas lagoas e nas margens do estuário.

“Infelizmente quando a prioridade é a nossa sobrevivência imediata o ambiente fica para trás. Começamos a ver muitas máscaras no chão e nas ruas e elas acabam por ir parar ao rio, aos oceanos e às nossas lagoas”, lamenta.

Nos 70 hectares de lagoas artificiais a cargo do EVOA é fácil detectar as máscaras, mas nas margens do Tejo é mais difícil. “Na Ponta da Erva, em que as marés levam e trazem resíduos, fazemos regularmente acções de limpeza das margens, devido à quantidade de plásticos que ali ficam armazenados. Se formos lá hoje vamos encontrar máscaras”,explica.

Sandra Silva diz que ainda há caminho a fazer no que toca a sensibilizar a comunidade para a necessidade de preservar a natureza mas que muito está a mudar, sobretudo nos jovens. Infelizmente, diz, o EVOA, que não tem conseguido levar alunos e professores das escolas da região a visitar o espaço como desejava.

“Raramente nos visitam o que é uma pena. O feedback que temos é que os alunos daqui já contactam suficientemente com o campo e que para fazer uma visita tão curta de autocarro mais vale irem a outros locais mais distantes. Recebemos muitas escolas de Lisboa, Porto e Algarve. Mas é muito raro termos escolas de Vila Franca de Xira e Benavente”, lamenta a bióloga.

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