Sociedade | 28-02-2021 10:00

Há cada vez mais pessoas que em vez de pensarem usam os pensamentos dos outros

Há cada vez mais pessoas que em vez de pensarem usam os pensamentos dos outros
SOCIEDADE

O MIRANTE falou com um artista plástico, um sociólogo e uma psicóloga sobre a importância de pensarmos e as consequências de não pensarmos ou de nos limitarmos a copiar acriticamente pensamentos e formas de pensar que nos encaminham ou reencaminham. João Maria Ferreira, José Garrucho e Susana Monteiro deram-nos muito que pensar na escrita deste texto por termos sido obrigados a sintetizar grande parte do que nos disseram sobre o tema.

João Maria Ferreira

“É fundamental questionarmos toda a informação que recebemos”

“O papel do professor vai ser cada vez mais importante porque é fundamental transmitir aos jovens a importância da liberdade de pensamento e a necessidade de um constante questionamento da informação que recebemos, para sermos melhores pessoas”. A opinião é de João Maria Ferreira, jovem artista plástico, natural de Santarém.

Aos 29 anos João Maria está em Londres (Inglaterra) a cumprir o sonho de tirar o Mestrado em Pintura. O curso de Psicologia, que estava a tirar, está parado mas é algo que quer concluir uma vez que considera ser um complemento às artes plásticas.

“É uma área que me ajuda a compreender as minhas motivações. Abriu-me horizontes e permitiu-me explorar áreas ligadas à arte-terapia, ou seja, é uma forma de pensar o que me rodeia de uma perspectiva mais profunda. Todos deveríamos ser confrontados com algumas das fundamentações ligadas à psicologia a fim de encararmos o acto de pensar de uma forma mais positiva e útil”, reflecte.

O artista defende que, apesar da educação ser fundamental, os jovens devem ser confrontados com ideias que os tirem da sua zona de conforto. “Não podem estar focados apenas na perspectiva clássica de estudar para uma nota final. Essa apatia pode tornar-se perigosa. Devemos fomentar a insatisfação e não a resignação”, afirma. E acrescenta que a meritocracia é fundamental numa sociedade de valores humanistas.

João Maria Ferreira critica a perspectiva de que o acto de pensar está directamente ligado a um ponto de vista social privilegiado, só ao alcance de uma elite que, afirma, pode comprar tempo e gastá-lo numa atitude mais reflexiva. O pintor afirma que a liberdade de pensar sem restrições é algo precioso, que está ao alcance de todos.

Num tempo em que as redes sociais vieram para ficar, João Maria Ferreira considera que o seu imediatismo acarreta uma falsa sensação de conquista e de uma identidade virtual diferente da realidade. Além disso, defende ser muito difícil combater a desinformação que é partilhada nas redes sociais, onde qualquer pessoa defende as suas plublicações como liberdade de expressão, um dos pilares mais importantes da democracia.

“O tempo nas redes sociais é instantâneo, em oposição à realidade mundana. É uma forma muito imediata de nos relacionarmos com os outros e connosco. Muitas das pessoas estão ali para não pensar ou então pensam consoante a informação que lhe surge e consideram-na como válida, o que nem sempre acontece”.

O artista scalabitano sublinha ainda ser cedo para perceber de que forma as redes sociais reflectem o pensamento de cada um, mas terão alguma influência uma vez que, para muitos, a rede social é um avatar digital, uma extensão da existência de cada um.

José Garrucho Martins

Quando procuramos respostas imediatas corremos o risco de agir sem pensar

“Para pensar é preciso tempo. É preciso estar numa espécie de lazer produtivo, sem grandes preocupações de resposta às urgências da vida”, diz José Garrucho Martins, investigador da Universidade Nova de Lisboa.

Para o doutorado em Sociologia, natural de Alpiarça, a pandemia veio alterar as rotinas da gestão do tempo e a busca de respostas imediatas pode levar-nos a agir sem pensar ou “com uma análise reflexiva mínima”.

Por outro lado, defende, se encararmos a pandemia como um conjunto de situações de excepção, ela acaba por colocar em dúvida os nossos costumes e rotinas, possibilitando o pensamento, que surge da necessidade de procurar implementar novas formas de ser e de estar.

Questionámos o investigador se considera que a proliferação das redes sociais e dos influenciadores, assim como de programas de comentários na TV, nos faz pensar cada vez mais pela cabeça dos outros. A resposta é sim. Garrucho Martins sustenta que há um conjunto de lugares comuns e de palavras-chave que nunca são bem definidas, mas que são uma língua franca, pouco rigorosa, que pretende explicar tudo.

“A linguagem utilizada nesses meios tem uma estrutura lógica simples e uma forte previsibilidade. O falar torna-se uma espécie de ventriloquia social onde os intervenientes não falam, mas são falados pelos outros. Hoje há muita gente que não pensa, isto é, que não sabe reflectir nem cultiva o rigor ou a busca da informação. Reina um relativismo generalizado”.

Mas será mais feliz aquele que não pensa? O investigador considera a resposta a essa clássica pergunta difícil, rematando que “o saber como lucidez não desencanta, podendo mesmo, ao mostrar o que estava escondido, dar motivos para um maior encantamento”.

Susana Monteiro

“Na escola é preciso fazer sentir às crianças que têm direito a ter opinião”

“Numa era de pensamento uniformizado e convergente é preciso mais do que nunca conseguir encontrar tempo para estimular o pensamento crítico e fazê-lo de uma forma divergente, que se adapte aos valores de cada um”. A convicção é de Susana Monteiro, professora universitária de psicologia, natural do Forte da Casa, mas que actualmente reside na Póvoa de Santa Iria.

“Ter tempo para sentir e pensar, encontrar as melhores formas de lidar com os problemas e pensar como resolvê-los de forma adequada, ajustada e inovadora, devem ser objectivos chave na comunidade”, defende.

Num mundo de redes sociais minadas de falsas notícias e informações especulativas, a professora diz que é preciso pensar e interpretar antes de partilhar. “É mais fácil seguir a maioria e isso é errado. Cada um de nós tem a possibilidade de escolher por quem se quer deixar influenciar”, defende.

Para Susana Monteiro é fundamental melhorar a estimulação do pensamento criativo nas escolas, onde se continua a promover um pensamento convergente. “Falta pensar fora da caixa, ser criativo. É preciso incentivar o pensamento crítico e dizer às crianças que têm direito a ter uma opinião”, defende. Nas suas aulas tenta sempre que os alunos façam parte integrante dos debates e avisa que um bom professor na escola primária faz a diferença no percurso escolar futuro dos jovens.

Diz que a pandemia trouxe mais tempo para pensar e que todo este tempo adicional pode ser usado a favor da nossa mente. “Muitas pessoas padecem de preguiça emocional e recusam-se a pensar e a planear. Querem que o mundo funcione como idealizam e se assim for tudo está bem. Mas isso significa que não estão preparadas para quando as coisas não acontecerem como querem. Devemos ter uma noção realista que o mundo não nos deve nada e que não é por querermos muito alguma coisa que isso vai acontecer”, explica.

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