Sociedade | 27-04-2021 10:00

Retrato do Ribatejo também se vê pelo estado dos seus monumentos 

Retrato do Ribatejo também se vê pelo estado dos seus monumentos 
REPORTAGEM COMPLETA
Torre das Cabaças e Igreja de São João do Alporão. Janela do Capítulo. Vila Cardílio. Palácio de Pina Manique.

Preservar o património cultural é importante para perpetuar a história de um povo e permitir que as novas gerações conheçam as suas raízes.

Santarém: tesouros de pedra que importa valorizar

As obras de requalificação em curso na Igreja de São João do Alporão e na Igreja de Santa Iria ilustram a preocupação da Câmara de Santarém em preservar o património monumental da cidade e do concelho, diz o presidente do município, Ricardo Gonçalves (PSD), que aponta ainda nesse campo a empreitada de reabilitação do largo do Convento de Almoster, em fase de conclusão.


O concelho de Santarém conta com 14 monumentos nacionais classificados (ver caixa) e são regulares as críticas na cidade quer quanto ao estado em que se encontram alguns desses tesouros de pedra, quer relativamente à falta de uma estratégia que valorize e promova esse património, propriedade de entidades como o município, Estado, Misericórdia de Santarém ou Diocese de Santarém.


Ricardo Gonçalves admite que há trabalho a fazer nesse capítulo e que gostava de implementar uma gestão integrada do património, à semelhança do modelo adoptado em Sintra pela sociedade de capitais públicos Parques de Sintra-Monte da Lua, que gere os mais importantes valores naturais e culturais do concelho.


Actualmente a paisagem monumental de Santarém é um tanto desgarrada: há monumentos mais emblemáticos e habitualmente abertos ao público, como a Igreja da Graça ou o Convento de São Francisco; há outros que só abrem por marcação prévia, como a Torre das Cabaças, onde existe um Núcleo Museológico do Tempo; há monumentos quase esquecidos, como a Fonte das Figueiras ou a Capela de Nossa Senhora do Monte; e há monumentos encerrados há muito por problemas estruturais, como a Igreja de São João do Alporão ou a Igreja de Santa Iria, na Ribeira de Santarém.


Durante as duas últimas décadas verificou-se um importante investimento na valorização do património, com a requalificação de monumentos emblemáticos e mais expostos ao olhar dos visitantes, como os vizinhos conventos de São Francisco e de Santa Clara, a Sé de Santarém e, já mais longinquamente, a Igreja da Graça e a Torre das Cabaças, ambas já a necessitar novamente de cara lavada.

Tomar: uma odisseia de história sem fim à vista

O concelho de Tomar tem 11 monumentos nacionais que são uma referência em termos de promoção e valorização do património cultural. O Aqueduto dos Pegões, uma construção de 1614, é o único que tem caído no esquecimento e está entregue ao abandono. Têm sido recorrentes os actos de vandalismo no local, mas o município descarta qualquer responsabilidade na gestão do património.

Há muitos e bons exemplos de como a autarquia, presidida por Anabela Freitas (PS), tem apostado na divulgação e investimento nos pontos turísticos de maior relevo. A Igreja de São João Baptista, por exemplo, localizada na Praça da República, junto aos Paços do Concelho, vai sofrer obras de requalificação na ordem dos dois milhões de euros. A Sinagoga de Tomar, a mais antiga do país e o segundo monumento mais visitado do concelho, foi reabilitada por 280 mil euros e recebeu, em 2020, o Prémio Nacional de Reabilitação Urbana na Categoria de Melhor Intervenção de Restauro.


O Convento de Cristo é, segundo dados estatísticos, o monumento mais visitado em toda a região ribatejana; é também o que mais intervenções de reabilitação tem sofrido ao longo dos anos, nomeadamente na limpeza e conservação de fechadas e na melhoria das acessibilidades. O exemplo mais recente, que revela o contínuo investimento no monumento, aconteceu no domingo, 18 de Abril, Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, com a inauguração da Portaria Filipina, juntamente com uma nova sala polivalente e uma renovada loja de venda ao público.


O Convento de Cristo é constituído pelo Castelo Templário de Tomar, o convento da Ordem de Cristo da época do Renascimento, a Mata Nacional dos Sete Montes, a Ermida da Imaculada Conceição e o Aqueduto dos Pegões. A Janela do Capítulo, a Charola, e o Claustro Principal, são pontos de passagem obrigatórios para quem visita o monumento.

Torres Novas: ruínas romanas esperam por melhores dias

Postas a descoberto pelas escavações a cargo do coronel Afonso do Paço, em 1962, as ruínas romanas de Vila Cardílio, a três quilómetros de Torres Novas, são o sítio de destaque da ocupação romana na região. Embora classificado como monumento nacional, a grandiosidade do título nunca se reflectiu no monumento, ainda assim o segundo mais visitado do concelho, a seguir ao castelo.


Elvira Sequeira, vereadora da Cultura, em conversa com O MIRANTE em Vila Cardílio, garante que o monumento nunca esteve esquecido pela autarquia. Para tornar as ruínas numa atracção nacional, o município está a trabalhar com a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), responsável pelo monumento, no sentido de o “catapultar”. As últimas obras, realizadas há cerca de 30 anos, tornaram o espaço mais agradável, mas não asseguram a sua preservação. “É necessário criar um novo percurso de visitação com plataformas para que as pessoas possam percorrer as ruínas sem as pisar. É também fundamental criar novos materiais interpretativos, como a realidade aumentada, para mostrar como era a vida desta quinta agrícola à época”, refere a autarca.


Depois do encerramento forçado pela pandemia, Vila Cardílio voltou a abrir portas a 5 de Abril, mas as visitas não estão a ser promovidas porque há obras no horizonte. O concurso para a empreitada de requalificação, com projecto elaborado pela DGPC, foi lançado em Junho de 2020, mas ficou deserto. A autarquia optou por dividi-lo em duas partes, uma dedicada à obra e outra à conservação e interpretação do espaço, tendo o concurso sido novamente lançado, há cerca de um mês, e desta vez parece haver interessados. “Com a qualidade dos mosaicos existentes este é um monumento único na região”, assegura Elvira Sequeira, adiantando que têm sido realizadas prospeções e sondagens para Sul, porque há mais edificado por revelar.

Azambuja: palácios esquecidos à espera de investimento

O Palácio das Obras Novas e o Palácio de Manique do Intendente, no concelho da Azambuja, são hoje monumentos perdidos no tempo, inscritos numa lista de um programa do Estado, à espera que algum investidor privado repare no seu potencial turístico. Só dessa forma o passado destes dois edifícios classificados pode voltar a ganhar vida. A beleza e mística das imponentes fachadas dos palácios contrastam com os interiores despidos e vandalizados.


Localizado no coração da vila de Manique do Intendente, o edifício que pertenceu ao famoso intendente da polícia, Diogo Pina Manique, durante o reinado de D. Maria I, está em acentuado estado de degradação, apesar de ser classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1993. No seu interior, numa tentativa de lhe ser dada alguma utilidade, já chegaram a funcionar serviços da junta de freguesia, Correios, Segurança Social, Casa do Povo e até uma creche. Actualmente apenas a capela, ao centro, continua a poder ser visitada.


Em pior estado de degradação está o Palácio das Obras Novas, que foi no passado um posto de controlo do tráfego de embarcações e não é hoje mais do que uma ruína perdida no meio da vegetação ribeirinha. Também inscrito no programa que visa recuperar e valorizar vários monumentos do património cultural e histórico nacional, através da concessão turística, o imóvel propriedade do Estado já chegou a ter pelo menos um interessado em convertê-lo num hotel, mas o concurso nunca avançou.


No concelho de Azambuja, melhor sorte teve o Convento de Santa Maria das Virtudes, do século XV, em Aveiras de Baixo, recuperado em 2010 pela Câmara de Azambuja, num investimento de meio milhão de euros, após ter estado 200 anos ao abandono. Mais recentemente, o município investiu 21 mil euros na compra de três parcelas de terreno do Castro de Vila Nova de São Pedro. Também conhecido como povoado fortificado (três mil anos a.C.) é monumento nacional e objecto de escavações arqueológicas que procuram desvendar o seu passado.

Torre das Cabaças e Igreja de São João do Alporão, dois monumentos nacionais que há vários anos estão habitualmente de portas fechadas
A Janela do Capítulo é uma referência para quem visita o Convento de Cristo, em Tomar
Elvira Sequeira, vereadora da cultura da Câmara Municipal de Torres Novas, conduziu O MIRANTE numa visita guiada a Vila Cardílio
Palácio de Pina Manique está em acentuado estado de degradação, apesar de classificado como Imóvel de Interesse Público

Santarém e Tomar têm a maioria dos monumentos nacionais

Há um total de 34 monumentos nacionais no distrito de Santarém, sendo Santarém (14) e Tomar (11) os concelhos com mais imóveis classificados com esse estatuto.


A lista é a seguinte: Aqueduto dos Pegões (Tomar); Capela de Nossa Senhora do Monte (Santarém); Capela de São Lourenço (Tomar); Castelo de Almourol (Barquinha); Castelo de Torres Novas; Castelo de Ourém; Castelo de Tomar; Charola do Convento de Cristo (Tomar); Claustro de D. João III (Tomar); Concheiros de Muge (Salvaterra de Magos); Convento de Cristo (Tomar); Convento de Santa Maria de Almoster (Santarém); Convento de São Francisco (Santarém); Convento de Santa Clara (Santarém); Ermida de Nossa Senhora da Conceição (Tomar); Fonte das Figueiras (Santarém); Igreja da Atalaia (Barquinha); Igreja e Convento de Nossa Senhora de Jesus do Sítio (Santarém); Igreja de Santa Maria de Marvila (Santarém); Igreja de Santa Maria dos Olivais (Tomar); Igreja de São Nicolau (Santarém); Igreja de São Vicente (Abrantes); Igreja da Graça (Santarém); Igreja Matriz da Golegã; Igreja da Misericórdia de Santarém; Sé de Santarém; Igreja de Santa Maria do Castelo (Abrantes); Igreja do Santíssimo Milagre (Santarém); Igreja de São João de Alporão (Santarém); Igreja de São João Batista (Tomar); Nabância (Tomar); Sinagoga de Tomar; Torre das Cabaças (Santarém) e Vila de Cardílio (Torres Novas).

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