Sociedade | 02-05-2021 12:30

O escutismo é uma escola de vida mas há quem não goste de ir à missa

O escutismo é uma escola de vida mas há quem não goste de ir à missa
DIA DOS ESCUTEIROS
Carlos Chora, Paulo Francisco e Filipe Mota

O escutismo tem como finalidade educar os jovens como cidadãos úteis e de vistas largas. Foi com este princípio que BadenPowell fundou, em 1907, o movimento escutista. A propósito do Dia Mundial do Escutismo O MIRANTE conversou com três chefes de escuteiros da região que afirmam ser mais altruístas desde que se juntaram ao movimento.

“Um escuteiro não deve ser obrigado a ir à missa”

Carlos Chora, 38 anos, é um dos rostos mais conhecidos do escutismo na Chamusca. Fez parte, durante 17 anos, do Agrupamento 524 da Chamusca, tendo saído há cerca de três por motivos profissionais e porque o grupo, afirma, já não tinha o dinamismo de outros tempos. A entrada para os escuteiros deveu-se, sobretudo, à influência das suas irmãs mais novas, Elisabete e Andreia, que já pertenciam ao grupo.

O facto de ser “apaixonado” pela série americana “MacGyver”, que passou nas televisões portuguesas no final dos anos 80, também contribuiu para a sua decisão. “Adorava ver como aquele homem resolvia problemas complexos utilizando objectos comuns, como um canivete suíço ou uma caixa de fósforos. Às vezes pedia às minhas irmãs para me amarrarem com uma corda só pelo desafio de me soltar”, recorda a O MIRANTE, em jeito de brincadeira.

Carlos admite que os primeiros tempos nos escuteiros não foram agradáveis; tinha 19 anos e as suas prioridades eram namorar e sair à noite com os amigos. Mas, com o passar do tempo, foi-se identificando com as pessoas, até que chegou a chefe. “Fiquei muito cedo responsável pelos miúdos e por isso não vivi o melhor período do escutismo, em que se aprende tudo de raiz. Mas não estou arrependido porque ter de ser um exemplo para os mais jovens fez-me crescer enquanto homem”, garante.

Actualmente a viver na Guarda, onde desempenha funções de programador numa grande empresa nacional, Carlos Chora afirma que o escutismo é uma escola de vida, onde a prática se substitui à teoria como forma de aprendizagem. “A minha personalidade e forma de ver o mundo alterou-se desde que entrei para os escuteiros, principalmente porque aprendi a viver a vida sem exageros”, reforça.

Católico praticante, garante que não faltava a uma missa, no entanto, não hesita em afirmar que essa obrigatoriedade nunca foi benéfica para o escutismo. “Compreendo que, por ser um movimento da igreja, os miúdos tenham de ir à missa, mas é preciso perceber que a sociedade é muito diversificada e que eles não devem ser colocados de parte por isso”, sublinha.

Carlos Chora chegou a ser responsável por cerca de meia centena de escuteiros na Chamusca. Viveu muitos e bons momentos que se traduziam, habitualmente, em expressões de felicidade no rosto das crianças, mas o mais marcante, e que nunca mais sairá da sua cabeça, foi a morte repentina, em 2016, de Maria Leonor Arrenega, de 12 anos, quando participava numa caminhada com o grupo. “Nunca se está preparado para a perda de uma pessoa que gostamos, muito menos uma menina tão jovem que tinha uma vida pela frente”, lamenta com emoção.

Carlos Chora foi escuteiro na Chamusca durante 17 anos e afirma que pertencer ao movimento formou-o como homem (foto DR)

“Um bom escuteiro será sempre um bom cidadão”

A imagem dos escuteiros continua associada a um grupo de jovens de lenço ao pescoço a cantar à volta de uma fogueira, mas o escutismo é muito mais do que isso. “É aprender fazendo, contactar com a natureza, respeitar o outro. Um bom escuteiro será sempre um bom cidadão”, destaca o chefe do Agrupamento 44 de Tomar, Paulo Francisco, de 55 anos e escuteiro desde os sete.

Fundado há 75 anos, o Agrupamento 44 de Tomar, do Corpo Nacional de Escutas, tem 128 elementos, mais raparigas do que rapazes, e é o mais antigo do distrito de Santarém. “Os rapazes são atraídos para outras actividades desportivas que não agradam tanto às meninas”, explica, acrescentando que, no geral, é cada vez mais difícil tirar os jovens de casa e pô-los a fazer actividades ao ar livre. “Os pais também se acomodam e esquecem-se que têm um papel fundamental nesse incentivo. No meu caso, por exemplo, fui para os escuteiros porque os meus pais me levaram” sublinha. O Agrupamento 44 de Tomar é um dos que cresceu dentro da igreja católica. Os seus elementos são todos baptizados e “se não o forem têm que iniciar o caminho para tal”. Frequentam obrigatoriamente a catequese e vão à missa com o grupo, pelo menos uma vez por semana, no final de uma actividade. “Se alguns torcem o nariz? Torcem, mas vão na mesma”, atira o chefe, referindo que, para quem não é católico, a Associação de Escoteiros de Portugal é a alternativa.

As actividades do escutismo têm resistido à passagem do tempo, mas foram-se modernizando. Embora se continuem a fazer acampamentos, a comunicar através de rádios amadoras e a percorrer trilhos seguindo coordenadas, os telemóveis e a Internet também fazem parte do leque de ferramentas utilizadas. “O escutismo tem-se vindo a adaptar aos novos tempos e nem podia ser de outra forma”, vinca, Paulo Francisco.

Paulo Francisco é o chefe do Agrupamento 44 de Tomar, o mais antigo do distrito de Santarém (foto DR)

“O escutismo é um modo de vida”

Filipe Mota, 44 anos, é dirigente do Agrupamento 524 de Aveiras de Cima desde a sua fundação, em 1999, e chefe há cinco anos. O grupo, que conta actualmente com 145 elementos, surgiu após uma conversa entre os membros do ANAC (Aventura e Natureza de Aveiras de Cima), que acreditavam que devia voltar a haver escutismo na vila. “Não podia dizer que não e parti à aventura”, recorda a O MIRANTE.

Filipe Mota, que trabalha como animador no Centro Social e Paroquial de Aveiras de Cima, considera-se uma pessoa religiosa e confessa que os escuteiros roubam algum tempo à família. No entanto, com o passar do tempo, passou a ver o grupo como uma família. O escutismo tornou-o mais confiante e compreensivo. “É um modo de vida; ajudamo-nos uns aos outros sem pedir nada em troca; o altruísmo é muito importante para a formação dos jovens enquanto cidadãos”, salienta. Em 23 anos afirma que não consegue escolher o melhor momento nos escuteiros, embora recorde com carinho a realização do projecto Roverway, em 2003, quando Aveiras de Cima recebeu 50 escuteiros de várias nacionalidades. A realização dos caminhos de Santiago em 2015 e 2019 também foram datas marcantes. A partida precoce do chefe Carlos Costa, quando o agrupamento ainda estava a dar os primeiros passos, foi um dos momentos mais difíceis de ultrapassar nestas duas décadas.

Filipe Mota é chefe do Agrupamento 524 de Aveiras de Cima que conta com 145 escuteiros no activo (foto DR)

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