Sociedade | 31-05-2021 09:42

Dia mundial sem tabaco. Cancro do pulmão e tabaco, uma realidade indissociável potencialmente evitável

Dia mundial sem tabaco. Cancro do pulmão e tabaco, uma realidade indissociável potencialmente evitável
Luis Aguiar

No dia mundial sem tabaco, o médico oncologista, Diogo Alpuim Costa, dos Hospitais CUF Santarém, CUF Descobertas e CUF Cascais, fala sobre os malefícios de fumar.

Em 2020, segundo dados do Observatório Global de Cancro (Globocan), o cancro do pulmão foi responsável, a nível mundial, por mais de 2 milhões e 200 mil novos casos e por uma mortalidade superior a 1 milhão e 800 mil casos. Na Europa, o número de novos casos foi de aproximadamente 477 mil para cerca de 380 mil mortes. Em Portugal, a radiografia, desta dura realidade, não foi diferente, tendo sido documentados 5415 novos casos para 4797 óbitos. A nível nacional constituiu o 4º cancro mais frequente e aquele com a maior taxa de mortalidade por 100 mil habitantes, traduzindo-se no falecimento de 13 portugueses por dia com cancro do pulmão.

Os principais fatores de risco para o cancro do pulmão são: exógenos (exteriores ao indivíduo) como o fumo do tabaco; o fumo passivo e a exposição ocupacional e/ou profissional ao radão (granito) ou aos asbestos (fibras de amianto), e endógenos (próprios do indivíduo), como por exemplo a idade (mais a partir dos 60 anos), sexo masculino (risco três vezes maior) e a predisposição genética.

Aproximadamente 90% dos casos de cancro do pulmão estão relacionados com o tabaco. Estima-se que um cigarro comum contenha mais de 7.000 compostos químicos, incluindo 70 com atividade pró-carcinogénica (ex.: nitrosaminas, aminas aromáticas, benzeno), ou seja, que aumentam o risco de cancro, inclusive do pulmão. Recentemente, estabeleceu-se uma relação direta entre o número de cigarros fumados e o número de mutações que isso provoca no nosso código genético (ADN - ácido desoxirribonucleico). Aliás, se se fumar um maço de cigarros por dia (20 cigarros) durante 1 ano, esse efeito cumulativo terá levado ao desenvolvimento, em média, de 150 mutações ao nível dos pulmões. Mesmo para o “fumador social” e “fumador passivo” o risco de mutações é também maior quando comparado com um não fumador. A título de exemplo, “fumar 50 cigarros ao longo da vida resultará, em média, numa mutação”. Os nossos pulmões são constituídos por diferentes tipos de células. Uma mutação induzida pelo tabaco que não seja devidamente eliminada ou corrigida pela cúpula de defesa do nosso organismo poderá, para um período de latência variável num indivíduo mais suscetível, levar à multiplicação celular anormal e desregulada e, por conseguinte, ao cancro do pulmão.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca anualmente a 31 de maio o “Dia Mundial Sem Tabaco”, apostando em campanhas de sensibilização e de consciencialização para os malefícios do tabagismo, incluindo o cancro do pulmão. Neste sentido, a responsabilidade para contornar esta realidade é de cada um de nós enquanto fumador ativo ou passivo, ou apenas enquanto agente promotor de educação para a saúde. É possível reduzir significativamente a possibilidade de morrer por cancro do pulmão se a cessação tabágica for antes dos 40 anos (idealmente antes dos 30 anos). Na verdade, se um indivíduo suspender os seus hábitos tabágicos aos 50, 40 ou 30 anos, o risco de desenvolver cancro do pulmão aos 75 anos é de 6%, 3% e 2%, respetivamente. Pelo contrário, o risco de mortalidade passa para 16% no caso do indivíduo que não deixou de fumar.

Para além da prevenção primária, torna-se igualmente relevante a sensibilização para a prevenção secundária, que possibilite a identificação precoce de cancro do pulmão em indivíduos assintomáticos, uma vez que só cerca de 20% dos casos são diagnosticados numa fase inicial e, como tal, potencialmente mais curáveis. Evidência recente demonstrou que a realização da tomografia computorizada (TAC) do tórax de baixa dose de radiação no rastreio do cancro do pulmão resultou na redução significativa de mortalidade por esta doença em 20 a 26%. Este exame complementar de diagnóstico por imagem emprega uma técnica que expõe o doente a uma dose muito inferior de radiação comparativamente à TAC convencional e constitui um método mais rápido, sem necessidade de contraste e com um menor período de jejum prévio.

Neste contexto, o rastreio de cancro do pulmão através da TAC do tórax de baixa dose está recomendado para a população com risco aumentado de desenvolver cancro do pulmão: pessoas com idades entre os 55 e 74 anos, com hábitos tabágicos ativos ou que deixaram de fumar há menos de 15 anos e com uma carga tabágica estimada em pelo menos 30 unidades maço/ano (nº de maços por dia x nº anos a fumar – por exemplo, 20 cigarros por dia nos últimos 30 anos). Os indivíduos elegíveis para este rastreio deverão tomar uma decisão informada em conjunto com o seu médico, tendo em conta os seus potenciais benefícios, limitações e riscos.

Neste contexto, a CUF tem vindo a reforçar o Programa de Deteção Precoce de Cancro do Pulmão, que consiste na avaliação anual em consulta, associada à realização de uma TAC de baixa dose e onde, em caso de necessidade, é definido um plano de cessação tabágica personalizado.

Num futuro próximo, é provável que outros métodos de rastreio mais sensíveis, menos invasivos e mais custo-efetivos venham a ser implementados. Um possível exemplo do referido poderá ser a deteção de “cocktails” de compostos orgânicos voláteis detetáveis no ar exalado e que venham a ser validados como biomarcadores do diagnóstico precoce de cancro do pulmão. No entanto, estas “biópsias respiratórias” ainda carecem de evidência científica mais robusta até poderem começar a ser aplicadas na prática clínica.

Em suma, o rastreio do cancro do pulmão não é uma alternativa ao aconselhamento de cessação tabágica, sendo primordial que os fumadores estejam devidamente informados sobre os riscos para a saúde em que incorrem. A redução das taxas de tabagismo deverá continuar a ser uma das metas de saúde pública, tornando-se necessário que os governos e as comunidades dediquem mais tempo e recursos para alcançar este desiderato. Se fumar deve parar o quanto antes. Viverá com mais qualidade e, provavelmente, viverá mais tempo.

*Diogo Alpuim Costa

Oncologista Médico

CUF Oncologia dos Hospitais CUF Santarém, CUF Descobertas e CUF Cascais

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