Sociedade | 09-06-2021 18:00

Segurança Social acusada de fabricar relatórios pelo Lar ilegal de Samora Correia

Segurança Social acusada de fabricar relatórios pelo Lar ilegal de Samora Correia
SOCIEDADE

O Cantinho Sénior, onde no início deste ano surgiu um surto de Covid-19, estava a avançar com pedido de licenciamento, garante a advogada que denunciou ao tribunal alegadas irregularidades cometidas pela Segurança Social no decorrer do processo de encerramento.

A advogada do proprietário do lar ilegal de Samora Correia onde em Janeiro deste ano houve um surto de Covid-19 que infectou 43 dos 44 utentes, dos quais 19 acabaram por morrer, impugnou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAFL) alguns dos relatórios apresentados pela Segurança Social no decorrer do processo, por, alegadamente, conterem falsidades.

“A Segurança Social escreve num dos relatórios que o lar não tinha parecer positivo da Autoridade Nacional de Protecção Civil para o plano de emergência quando tinha há ano e meio. Pelo meio junta ainda relatórios com informações de outros lares ilegais que tive de impugnar e a juíza expurgou”, disse Carla Murta a O MIRANTE, mandatária do proprietário do lar que funcionava numa vivenda e anexo na Estrada das Vagonetas e foi mandado encerrar a 28 de Janeiro, embora tenha continuado a funcionar até à última semana de Maio. Os utentes foram entretanto alojados em estruturas indicadas pela Segurança Social ou em casa de familiares. Para a advogada, trata-se de “manipulação e relatórios fabricados” que considera serem actos gravosos “num processo em que está em causa a vida e bem estar” de idosos. Também o proprietário do lar, Márcio Moreira, aponta o dedo à actuação das técnicas e inspectores da Segurança Social para quem o “ser humano é um mero objecto”.

Depois de, em Janeiro, ter sido determinado o fecho do lar, o proprietário apresentou a 8 de Fevereiro uma providência cautelar que visava suspender a ordem decretada pela Autoridade de Saúde. “A partir daqui podíamos e voltamos a admitir utentes, reforçando as normas da Direção-Geral de Saúde”, refere a advogada. Na altura, foram admitidos 20 utentes, dos quais 13 eram antigos e sete novos.

A resolução fundamentada do Ministério da Saúde que considerava lesiva a suspensão do encerramento do lar só foi apresentada ao tribunal a 25 de Fevereiro, ou seja, segundo a advogada, a partir dessa data os idosos teriam que voltar a ser retirados do lar, o que não aconteceu.

O lar voltou a ser fiscalizado pelo Instituto da Segurança Social (ISS) a 21 de Maio, no entanto, a denúncia do coordenador da Protecção Civil Municipal, Miguel Cardia, a dar conta que a estrutura continuava em funcionamento já tinha sido feita a 6 de Abril, de acordo com um e-mail a que O MIRANTE teve acesso, enviado para o Ministério da Saúde, ISS e presidente da Câmara de Benavente.


O MIRANTE questionou o ISS sobre estas acusações, mas não obteve resposta até à data de fecho desta edição.

Lar estava a avançar com processo de licenciamento

A Segurança Social tinha conhecimento, pelo menos desde Agosto de 2019, que o Cantinho Sénior funcionava ilegalmente e acolhia na altura perto de uma dezena de utentes. Foi levantado um processo de averiguações, mas nunca foi dada ordem de encerramento.

“Depois dessa fiscalização iniciámos o processo de licenciamento”, refere o proprietário da empresa Cantinho Sénior. Nesse sentido, explica, avançaram com o plano de emergência, contrataram uma arquitecta para fazer o projecto e reuniram com a Câmara de Benavente. “Foi tudo feito para que o lar fosse licenciado”, mas, com a pandemia, a segunda reunião com a autarquia foi suspensa. Márcio Moreira dá ainda conta que, caso o projecto de arquitectura fosse indeferido, estava disposto a adquirir o edifício de uma creche, em Samora Correia, que tinha encerrado em Agosto de 2019.

Mesmo que o TAF de Leiria aprove a providência cautelar, Márcio Moreira garante que não voltará a abrir o lar naquele local, tendo já um outro projecto, fora do concelho de Benavente, para fazer nascer de raiz e dentro da legalidade uma nova estrutura para idosos.
A providência cautelar serve apenas para “limpar o bom nome da família” e provar que “os idosos não eram maltratados”, explica a advogada, informando que a empresa Cantinho Sénior, à qual estão afectos oito funcionários, entra em insolvência nos próximos dias.

Familiares testemunharam a favor do lar

Na acção cautelar que decorre no TAF de Leiria constam 28 testemunhos de familiares de antigos utentes do lar Cantinho Sénior, todos eles a favor da legalização e reabertura da estrutura. Num desses testemunhos, a que O MIRANTE teve acesso, o filho de uma idosa que esteve três anos no lar, até falecer vítima de Covid-19, refere que a mãe “sempre foi bem tratada, desde a higiene à alimentação farta e de boa qualidade, ao carinho e respeito”. No concelho de Benavente estão identificados onze lares ilegais.

À margem

Segurança Social a trabalhar para Inglês ver

Em 2020, por causa da pandemia, o director distrital da Segurança Social de Santarém, Renato Bento, participou numa reunião onde estiveram presentes os representantes de uma dezena de lares ilegais do concelho de Benavente, inclusive o proprietário do Cantinho Sénior. Todas essas estruturas foram fiscalizadas e mandadas encerrar? Não foram. Então só se encerra um lar ilegal porque entrou lá a Covid-19?

Recorde-se que o Instituto da Segurança Social já sabia da existência do Cantinho Sénior desde Agosto de 2019, altura em que efectuou uma fiscalização após receber uma denúncia, não tendo emitido qualquer ordem de encerramento, por não haver perigo para a vida e bem estar dos idosos. Mais grave é que mesmo depois de a emitir, a Segurança Social não vai verificar o cumprimento da ordem porque acha que não tem obrigação de o fazer. A isto se chama mostrar trabalho para inglês ver, ignorando o que de facto importa: assegurar efectivamente o bem-estar das pessoas que estão em lares, sejam legais ou ilegais. Não é por isso de estranhar que proprietários de lares façam vista grossa às ordens de encerramento da Segurança Social.

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