Sociedade | 14-06-2021 18:00

O sintoma mais evidente do alcoolismo é a perda de controlo

O sintoma mais evidente do alcoolismo é a perda de controlo
SOCIEDADE
Teletrabalho e o confinamento levaram a um aumento de pedidos de ajuda de pessoas alcoólicas (foto DR)

Núcleo de Alcoólicos Anónimos do Cartaxo comemorou 9º aniversário com sessão pública online e testemunhos de pessoas que conseguiram vencer uma dependência que, na maior parte dos casos, não é reconhecida.

Teresa estava casada e tinha duas filhas quando começou a beber. Tudo aconteceu quando foi viver com o marido para África. Contrariada por estar longe da família e amigos a bebida tornou-se um escape. O álcool anestesiava-a e Teresa gostava dessa sensação. “Naquela altura queria não me lembrar das saudades que tinha das pessoas que deixei em Portugal e comecei a beber aos poucos até chegar ao ponto de não conseguir parar”, contou durante a sessão pública do 9º aniversário do Núcleo de Alcoólicos Anónimos (AA) do Cartaxo, que se realizou na tarde de sexta-feira, 4 de Junho, por videoconferência.

Começou por esconder que bebia mas nunca considerou que isso fosse um problema. Já em Portugal a situação chegou ao ponto de esconder garrafas para beber. O casamento acabou e as filhas, já adultas, pediram ajuda profissional. No entanto, Teresa continuava em negação e não entendia que tinha um problema. Só quando as filhas deixaram de a apaparicar, de lhe darem dinheiro, de lhe pagarem contas e de darem desculpas para as faltas da mãe ao trabalho é que Teresa pediu ajuda.

Durante 10 anos viveu a fugir dos problemas e recusava admitir que era alcoólica. Tentou várias vezes suicidar-se. Chegou a ficar sem luz em casa por não ter dinheiro para pagar. “Tudo era um pretexto para beber. Ou porque estava zangada ou triste. Chegava a mentir ao médico, que dizia às minhas filhas que eu não tinha problemas porque bebia ocasionalmente. Manipulava como podia para continuar com o meu vício”, recorda.
Depois de fazer um tratamento, dos chamados 12 passos, conheceu pessoas com quem se identificou e que tinham o mesmo problema. Pela primeira vez sentiu-se em paz. Não bebe há 23 anos e continua a participar em reuniões de AA onde partilha a sua história e apoia quem chega.

José, 45 anos, começou a beber com os amigos por volta dos 17 anos quando saía à noite. Era tímido e o álcool ajudava-o a desinibir-se e a sentir-se integrado na sociedade. Os consumos de álcool foram aumentando até ao ponto em que não conseguia parar. A situação era tão grave que, das duas vezes em que tentou parar de beber, sem ajudas, teve que ser hospitalizado por falta de álcool no organismo. Casado e com dois filhos, actualmente com 16 e 10 anos, foi quando a esposa ameaçou divorciar-se que percebeu que tinha que pedir ajuda. Não bebe há três anos. “O que me fez parar definitivamente foi quando estava na clínica a fazer o tratamento: percebi que comecei a voltar a pensar, a ter noção das minhas decisões e conseguir exprimir o que sentia. Foi uma sensação tão boa que nunca mais voltei atrás”, revela.

No núcleo do Cartaxo há mais homens e a maioria tem mais de 40 anos

O núcleo de AA do Cartaxo foi criado há nove anos e as reuniões contam sempre com uma média de oito a dez pessoas. Os responsáveis não contabilizam quem entra e quem sai e aparece nas reuniões quem quer e quando quer. As reuniões realizam-se uma vez por mês, agora apenas online. Quando terminar este período de pandemia a intenção é regressar às sessões presenciais e alterar com as reuniões presenciais. No núcleo do Cartaxo existem mais homens do que mulheres e a maioria tem mais de 40 anos. Um dos responsáveis do núcleo explica que para um alcoólico não há distinção na bebida, qualquer tipo de bebida, desde que contenha álcool serve para a pessoa ‘matar’ o vício.

Confinamento descontrolou e pedidos de ajuda aumentaram

O teletrabalho e o confinamento desestruturaram e descontrolaram muitas pessoas, acelerando o alcoolismo. A informação foi dada pela psicóloga Sónia Oliveira, da Unidade de Tratamento Intensivo de Toxicodependências e Alcoolismo (UTITA), que participou na sessão. O facto da pessoa ter a rotina de ir para o trabalho ajuda a que não se beba tanto e a mudança desses hábitos levou a que muitas pessoas se tenham refugiado no álcool. Prova disso foi o aumento dos pedidos de ajuda durante o confinamento.

Pessoas dependentes de álcool pedem ajuda sobretudo a partir dos 40 anos. Sónia Oliveira explicou que o alcoolismo é uma doença crónica porque a pessoa não tem capacidade de controlar o consumo. “A fase inicial da doença não é muito evidente, só para os mais próximos. A perda de controlo é o sintoma mais evidente para perceber o que está a acontecer. Quando se perde o controlo sobre a bebida torna-se uma doença”, esclarece.

A psicóloga refere que o alcoolismo feminino é muito mais solitário. As mulheres vão-se isolando, ao contrário dos homens que começam a programar a sua vida de modo a que a bebida faça parte da sua rotina. Sónia Oliveira afirma que o alcoolismo é, provavelmente, a única doença em que existe a negação do próprio. “Temos que ajudar a pessoa a reconstruir-se porque tudo na sua vida precisa de mudar para que seja menos difícil abandonar o álcool definitivamente”, sublinha.

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