Sociedade | 28-07-2021 15:00

Biblioteca sobre rodas ajuda a espantar a solidão em Azambuja

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A Biblioteca Itinerante de Azambuja anda há três anos a fomentar o gosto pela leitura nas aldeias mais isoladas do concelho. O MIRANTE viajou até Maçussa com João Paulo, o bibliotecário que percorre os caminhos das freguesias de Azambuja. Entregaram-se livros, falou-se de agricultura e do maior problema da aldeia: a desertificação.

É quarta-feira, dia de requisitar livros, ir ao mercado e à missa matinal. Ainda não são dez da manhã quando João Paulo estaciona a Biblioteca Itinerante do Concelho de Azambuja (BICA) na isolada aldeia da Maçussa, concelho de Azambuja. Não há ninguém por perto, nem mesmo no café da Associação Recreativa Desportiva e Cultural da Maçussa. Abre a porta lateral da carrinha e senta-se num banco à espera que alguém apareça. “Talvez não seja um bom dia, alguns dos nossos leitores ainda não devem saber que voltamos à estrada”, avisa. No interior do café da associação Isabel Costa queixa-se da falta de clientes, que já eram poucos e “agora nem aparecem para jogar cartas com medo” de serem apanhados pelo vírus da pandemia.

Quase ao soar das onze horas Fernanda Silva, 52 anos, passa junto à carrinha que pretende incrementar o gosto pela leitura e ser remédio contra a solidão. “Bom dia D. Fernanda. Então, hoje não quer levar nada?”, apregoa João Paulo, o rosto do projecto desenvolvido pela rede de bibliotecas do município de Azambuja. “Vá, escolha lá um”, responde-lhe a mulher que passa os dias nas lides domésticas, acrescentando que já valeu a pena sair de casa.

“Distribuímos livros, revistas, DVDs, disponibilizamos serviço de impressão e pagamentos, mas fazemos muito mais do que promover a literacia: somos a companhia, a palavra amiga e os psicólogos, sem o sermos, que andam sobre rodas”, explica-nos, por telefone, a coordenadora do serviço de bibliotecas do município, Joanna Whitfield.

Livros são companhia para quem vive sozinho

José Francisco chega apressado e num ápice salta para dentro da carrinha que transporta mais de mil livros. “Gosto de policiais, tem? Pode ser o último do José Rodrigues dos Santos”, atira, já depois de ter recebido o aviso que não pode entrar na carrinha por causa da pandemia. José Francisco tem 68 anos, vive sozinho e é o presidente da associação local que está na iminência de fechar portas.

“Cada vez há menos gente. Ainda bem que vem cá o João senão a maior parte das pessoas não lia. Os livros são caros para a bolsa da malta”, diz José Francisco, acrescentando que gosta de ler deitado na cama depois de um dia passado na horta, onde planta feijão verde, cebolas e melancias. “São a minha companhia, fazem-me viajar”, confessa.

Ao longo de três anos João Paulo tem percorrido as estradas e caminhos das freguesias, desde a altura em que o projecto nasceu numa carrinha usada de nove lugares e se chamava “Bibliomóvel”. Traz livros e ouve as histórias e mexericos que os leitores tanto gostam de partilhar, sobretudo as senhoras que têm entre 60 e 70 anos. “Sou da terra, todos me conhecem aqui”, diz João Paulo que, por sua vez, já lhes conhece os gostos literários. Nora Roberts e Nicholas Sparks são os autores mais requisitados, mas também há quem se interesse por livros de caça, de pedras e cristais, croché e pelos autores azambujenses. A maioria opta pelos “mais finos para não pesarem na mão e no tempo”.

Folhear revistas sem saber o “bê-á-bá”

Há um hábito e uma relação que se criou entre João Paulo e os habitantes das localidades visitadas pela BICA. “Quando não aparecem acho estranho e ligo-lhes”. Já quase na hora de abalar para outra freguesia aparecem Irondina Vieira e Deonilde Alves. “Meu rico João, não sabia que vinhas cá hoje”, diz Deonilde, explicando à jornalista de O MIRANTE que é zeladora da igreja, onde passou a manhã a preparar e a assistir à missa.

As duas amigas, de 73 anos, preferem os romances, mas lêem de tudo um pouco. “O que importa é ler, não é verdade?”, questiona Irondina Vieira, tricotadeira reformada que passa os dias entre páginas de livros e as regas da horta. “Gosto é de entrar na carrinha e ficar a conversar, mas agora não se pode”, interrompe Deonilde Alves, com o Sorriso das Estrelas, de Nicholas Sparks numa das mãos.

Não é o caso destas duas leitoras assíduas, mas há quem os leve e devolva sem ter lido o primeiro parágrafo. O motivo nunca é a falta de tempo, já que a maioria dos leitores está reformada e na BICA não há prazos de entrega. Ou é porque requisitam o livro só para poderem dar dois dedos de conversa ou simplesmente porque não sabem ler.

Sem falar em nomes, Joanna Whitfield lembra o caso da senhora que não sabe ler mas gosta de folhear as revistas de trás para a frente. Há também quem tenha requisitado e visto todos os DVD desde o primeiro confinamento, em 2020.

Já perto do meio-dia João Paulo deixa Maçussa para seguir em direcção a Arrifana, onde outros leitores aguardam a sua chegada. Afinal não passou uma manhã solitária, como temia às 10h50, sem um único livro requisitado e a olhar para o mapa de horários do serviço para reagendarmos a reportagem. Houve risos, conversas, desabafos e livros a seguir em mãos para tornar maior o espírito, a imaginação e a literacia de quatro habitantes de Maçussa.

BICA é um caso de sucesso

Maçussa é uma das localidades onde a BICA tem mais sucesso. Tem 15 leitores assíduos entre os poucos habitantes que até então não tinham hábitos de leitura nem acesso facilitado a livros devido à distância a que ficam das bibliotecas do concelho. Em 2019, ano de inauguração da BICA, registaram-se por todo o território do concelho 437 inscrições, 1.921 visitantes e foram entregues 1.192 livros. Números que têm vindo a aumentar, mesmo em anos de pandemia, contrariados pelo serviço porta a porta.

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