O regresso às origens de quem nunca chegou a sair do Ribatejo

Nuno Pais, Sara Lopes e Irene Matos são naturais do concelho de Abrantes, embora tenham vivido e trabalhado em Lisboa durante muitos anos. O regresso às origens deu-se por várias razões, mas todos estão satisfeitos com a decisão. São da opinião de que as principais razões para a saída das pessoas é a falta de emprego qualificado e de acesso à saúde, mas consideram que a pandemia e o teletrabalho podem alterar o cenário numa região cada vez mais desertificada.
Nuno Pais, 38 anos, regressou ao Ribatejo há três anos, após cerca de 15 anos a viver e a trabalhar na área do turismo em locais como Málaga, Canárias, Lisboa, Zambujeira do Mar, Covilhã e em algumas cidades do Algarve. Actualmente vive no Entroncamento, onde apenas vai dormir, trabalha em Tomar e sempre que pode vai a Abrantes visitar o pai, fotografar a cidade, praticar desporto e estar com os amigos. “Antes de voltar às origens estava em Lisboa, mas o custo de vida é muito alto e não hesitei em regressar à região que amo e que visitava muitas vezes enquanto andei por fora”, afirma, acrescentando que a distância que tinha dos amigos também foi um factor determinante para o seu regresso.
Um dos problemas com que se deparou no regresso foi a falta de trabalho; ainda assim arriscou e diz que não se arrepende. “Tive sorte em arranjar emprego, mas tenho muitos amigos que gostavam de voltar para o Ribatejo e não o fazem porque não há emprego qualificado”, lamenta. O olhar de Nuno Pais sobre a região mudou há 15 anos: Abrantes, diz, perdeu muito movimento, sobretudo à noite; Tomar é o oposto e o Entroncamento é uma “cidade-dormitório”. Ainda assim, existe a vantagem de estar no centro do país e relativamente próximo da capital. “Se me apetecer assistir a uma peça de teatro, a um concerto ou a uma exposição, em pouco mais de uma hora estou em Lisboa. O único senão é o custo da autoestrada”, refere.
Embora não coloque de parte voltar a partir, admite que gostava de criar o seu próprio negócio e promover o turismo no Ribatejo. “Neste momento o turismo está a subir e a facturação a aumentar. Tomar tens muitos portugueses e estrangeiros a visitar o Castelo e Mata dos Sete Montes e toda a cidade, que é muito rica a nível cultural. A barragem de Castelo de Bode também está composta e os alojamentos esgotados. A nossa região tem muito potencial, é preciso é acreditar nele e trabalhá-lo”, vinca.
O teletrabalho como solução para a desertificação
Sara Lopes, 35 anos, foi mãe do Tomás há um ano e a pandemia foi o principal motivo para regressar a Abrantes, depois de mais de uma década em Lisboa. “Vim para cá porque gosto da cidade, estou em teletrabalho e infelizmente o meu marido ficou desempregado”, conta, sublinhando que sempre imaginou constituir família e educar o filho no mesmo lugar onde diz ter vivido alguns dos melhores momentos da sua vida.
Considera que as vantagens de viver em Abrantes são muitas, nomeadamente o custo de vida e poder estar junto da família, que vai ajudando na educação do filho. “Tenho muito mais qualidade de vida, embora sinta algumas dificuldades, nomeadamente no acesso à saúde”, lamenta. Sara Lopes, gestora de eventos de profissão, confessa que o seu maior desafio não foi readaptar-se à cidade mas conseguir que o marido se sentisse bem na sua nova casa. “Ele é da Mouraria, um dos bairros com mais mística de Lisboa. Sei que gosta de estar aqui, mas tenho receio que não saiba lidar com a distância dos amigos e familiares”, confessa.
Na sua opinião, a aposta das pessoas no turismo nas cidades do interior pode trazer mais-valia para a região ribatejana e por isso olha para o futuro com esperança. “Acho que o teletrabalho é a solução do futuro e provavelmente vai fazer com que muitas pessoas que saíram voltem para constituir família. A região bem precisa, porque cada vez tem menos população”, salienta.
Irene Matos sente-se em paz na aldeia da Esteveira
Irene Matos nasceu na Esteveira, aldeia do concelho de Abrantes, na casa onde mora actualmente e de onde já não pretende sair. Apesar de ter saído da aldeia com pouco mais de um ano, foi sempre ali que passou as férias com os avós e para onde se escapava sempre que podia. “Não tínhamos carro e vínhamos de autocarro ou comboio para a matança do porco. Lembro-me de vir no meio dos meus pais numa motorizada, um dia inteiro na estrada, algo que hoje seria impossível de acontecer”, afirma.
Regressou definitivamente à aldeia há cinco anos quando o seu companheiro a questionou sobre o futuro. “Começámos a fazer contas às despesas e à nossa qualidade de vida. Lançou-me o desafio de voltar à aldeia, uma vez que não temos despesas. Pensei que ele não se iria adaptar, mas hoje em dia já não conseguia viver sem esta paz e sossego”, garante com um sorriso no rosto.
Irene Matos, reformada, foi barbeira e teve um estabelecimento em Abrantes durante alguns anos, mas o negócio acabou por não correr bem. A distância que separa Esteveira da sede do concelho não a preocupa, uma vez que tem carro e pode deslocar-se facilmente. A sua maior preocupação tem sido com a época de incêndios. “Há um ano esteve muito perto da minha casa e vivi momentos de aflição, porque se fico sem esta casa fico sem nada. O mato aqui há volta está desorganizado e muito mal cuidado. É um autêntico barril de pólvora”, afirma.
A reformada partilha o amor pela sua aldeia com os filhos e netos. Em conjunto, têm vindo a recuperar a casa de família, sendo que os seus filhos também estão a apostar em recuperar casas para irem viver para o lado da mãe.