Vinho a martelo ainda é negócio no Ribatejo
Associações do sector garantem a O MIRANTE que o fenómeno do vinho a martelo ainda é uma ameaça.
A apreensão de quase sete mil litros de vinho na última semana em Benavente por parte da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) veio levantar novas preocupações em torno da produção e comercialização de vinho impróprio para consumo na região. Seja o chamado vinho a martelo, que em tempos deu má fama à região, seja o vinho chamado caseiro, produzido em quantidades mais baixas sem certificação de qualidade e transacionado à margem do fisco, ambos são motivo de preocupação para as associações do sector e alvo da atenção das autoridades.
A O MIRANTE a ASAE explica que no caso de Benavente não se tratava de vinho a martelo mas sim vinho que se encontrava estragado e impróprio para consumo, ainda que o vendedor operasse com depósitos não identificados, sem documentação de suporte dos produtos vinícolas que vendia e sem que estivesse inscrito no Instituto da Vinha e do Vinho (IVV). A polícia detectou também violações grosseiras na elaboração, comercialização e produção daquela bebida e instaurou um processo-crime.
Ana Isabel Alves é líder da Associação de Vinhos e Espirituosas de Portugal (ACIBEV), entidade que representa o maior número de produtores nacionais que certificam a sua produção. Para a responsável não há dúvidas: o Ribatejo já não é o problema que foi no passado. “As grandes preocupações não são com o Ribatejo mas sim com a região da Bairrada onde se produz espumante. O Ribatejo tem sabido apostar em marcas fortes com vinhos de qualidade a preços muito competitivos nos últimos anos”, afirma. A responsável defende um reforço da fiscalização às produções ilegais de vinho para, diz, acabar com um negócio que gera concorrência desleal, não paga impostos e prejudica a saúde dos consumidores.
Milhares em vendas clandestinas
A líder da ACIBEV entende que cada vez mais se investe na produção de vinhos certificados e que os consumidores estão mais informados para os riscos da expressão “caseiro é que é bom”. Outro líder das associações do sector, Frederico Falcão, responsável da ViniPortugal, Organização Interprofissional do Vinho de Portugal, que é a entidade gestora da marca Wines of Portugal, concorda. “É um produto que comporta óbvios riscos para a saúde pública”, diz.
Frederico Falcão é originário da Chamusca e conhece bem o fenómeno do vinho a martelo notando que é uma preocupação constante para o sector. “Por ser um sector que opera de forma escondida e na penumbra é impossível dizer quanto dinheiro gera anualmente, mas seguramente podemos especular que nunca menos que uns largos milhares de euros de dinheiro paralelo todos os anos”, aponta.
O responsável defende uma intervenção mais musculada da ASAE na apreensão das produções ilegais de vinho. “A percepção que temos é que se vende cada vez menos este tipo de vinho, até porque os consumidores já têm nos supermercados vinhos muito bons por preços baixos e onde não correm riscos para a sua saúde”, explica. O líder da ViniPortugal vai mais longe e avisa mesmo que este tipo de acção danifica a imagem do sector do vinho nacional.
Não entra uva e sai vinho
Almeirim é um dos concelhos ribatejanos onde há mais vinhas e consequentemente onde se produz mais vinho. A terra do melão e da sopa da pedra é também conhecida por ser grande produtora de vinho. Não por acaso uma das adegas com mais associados e que se mantém activa e com bons resultados é precisamente a de Almeirim. Talvez por isso as autoridades tinham debaixo de olhos algumas adegas particulares de Almeirim e Fazendas de Almeirim, onde se dizia que “não entrava uva e saia vinho”. No entanto dos registos criminais da época em que o negócio do vinho a martelo começou a ser descoberto não consta que alguma vez os produtores tivessem ido presos.
Mesmo assim ainda se fala que Almeirim e Fazendas de Almeirim eram os maiores abastecedores de vinho a martelo para Espanha e para o Alentejo que na altura vendia o triplo do vinho que produzia.
Condenações na região
No Ribatejo há um histórico de pelo menos duas condenações em tribunal. Um primeiro em Vila Franca de Xira, em 2005, em que um produtor das Cachoeiras foi condenado a pagar 7 mil euros por ter 9 mil litros de vinho pronto a ser comercializado sem qualquer certificação e à margem de impostos. Um outro caso aconteceu no Cartaxo, onde um produtor foi condenado por adulterar o vinho que vendia sem estar registado nem colectado.