Sociedade | 01-08-2022 10:00

Ritmo de vida faz com que as pessoas não cuidem de si próprias

Miguel Ramos, especialista em Medicina Geral e Familiar no Hospital CUF Santarém, considera que o médico de família é o clínico que desenvolve a sua actividade com maior proximidade ao doente

Miguel Ramos é especialista em Medicina Geral e Familiar no Hospital CUF Santarém

O médico de família é o clínico que desenvolve a sua actividade com maior proximidade e aquele que acompanha toda a família a vários níveis e que trabalha muito na prevenção. Miguel Ramos considera que actualmente as pessoas têm mais noção dos estilos de vida saudável e dos seus benefícios na saúde, mas o stress e a vida cada vez mais acelerada é uma desvantagem na adopção do exercício físico e de uma alimentação saudável, a que o médico deve estar atento. O especialista alerta que os confinamentos originaram quadros de ansiedade e mau estar psicológico de que ainda não se tem uma noção completa.

Qual é a importância da medicina geral e familiar na saúde, prevenção e tratamento das doenças? É uma especialidade que se foca na família, centrada na pessoa tendo em conta o contexto familiar, social e cultural, implicando uma abordagem da parte física e psicológica. É a especialidade que acompanha o utente desde antes do nascimento até à morte. O médico de família é quem faz a conciliação de todos os problemas e quem trabalha muito na prevenção das doenças, na gestão das doenças crónicas e agudas. E, quando necessário, faz a coordenação entre as várias especialidades referenciando o doente para o profissional de saúde mais adequado.
As doenças crónicas implicam muitas idas ao médico? Depende. Se for uma diabetes controlada o paciente deve ter pelo menos duas consultas por ano. Se for uma hipertensão que precise de fazer algum ajuste as consultas podem ser semestrais, mas se estiver controlada basta uma vez por ano. Há outras doenças crónicas que também são seguidas, como a patologia da tiróide ou as insuficiências cardíacas em fases iniciais.
É fácil convencer as pessoas a adoptarem estilos de vida saudáveis? A prevenção das doenças passa pela adopção de estilos de vida saudáveis e isso é um trabalho que tem que ser feito desde uma idade jovem incutindo a necessidade do exercício físico e a importância da alimentação saudável. Hoje, as pessoas têm mais a noção de que estilos de vida saudáveis permitem maior longevidade e com menos complicações.
As pessoas hoje têm um ritmo de vida mais acelerado. Isso faz com que desvalorizem a necessidade de ir ao médico? O actual ritmo de vida faz com que as pessoas não tenham tempo para cuidarem de si próprias. O stress e o não conseguirem adoptar estilos de vida saudáveis podem ser factores que implicam o agravamento de algumas doenças. Muitas vezes as pessoas desvalorizam os sintomas e acabam por não aparecer numa fase precoce de algumas doenças em que podia haver uma intervenção mais atempada.
Os mais jovens são os que mais desvalorizam a importância da ida ao médico? Desvalorizam porque nessas idades estão mais saudáveis e não existem tantos problemas de saúde. Mas uma pessoa jovem saudável pode e deve fazer uma consulta anual ou de dois em dois anos.
Que implicações tem o stress? O stress pode influenciar algumas patologias orgânicas como, por exemplo, a hipertensão, o não adoptar estilos de vida saudáveis e o impedir uma alimentação saudável. Isto traz problemas a longo prazo. Outra questão do stress, que hoje se fala muito, é o burnout (exaustão física e mental provocada por uma vida profissional desgastante), que pode ter consequências graves.
Qual é a importância dos rastreios? Há pelo menos três rastreios organizados para se tentar prevenir problemas: o do cancro da mama, entre os 50 e 69 anos, em que se deve fazer a mamografia de dois em dois anos; o do cancro do colo do útero que deve começar a ser feito aos 25 anos e até aos 65 anos; e o do cancro colorretal que é feito a partir dos 50 anos até aos 64 através de uma análise às fezes. Com estes rastreios em dia é mais fácil detectar precocemente as doenças e conseguir tratá-las.
Como é que está a saúde da população? Com a pandemia as coisas agravaram-se. Houve doenças que ficaram descontroladas. A nível da diabetes as pessoas não tinham tanto acompanhamento, até por algum medo de recorrerem aos serviços. Temos visto uma incidência de doenças cardiovasculares, como a hipertensão, a incidência dos acidentes vasculares cerebrais (AVC), dos enfartes, das doenças metabólicas, da diabetes, da obesidade. O confinamento provocou um aumento do stress, de quadros de ansiedade e mau estar psicológico. Com o tempo é que vamos ver os efeitos completos, até porque a pandemia ainda não acabou.
O que é que as pessoas devem vigiar nas diferentes fases da vida, em crianças, jovens, adultos e mais velhos? Na infância a vigilância do normal desenvolvimento físico, cognitivo e psicológico. A adolescência é uma fase de transição e preparação para a vida adulta, de muitas emoções ao rubro e convém fazer o acompanhamento de comportamentos de risco e de alguns consumos que também possam surgir. Na vida adulta é o acompanhamento de doenças, a parte dos rastreios, a parte metabólica, a parte da hipertensão. Desde o início também faz parte a promoção de um estilo de vida saudável e a promoção do bem-estar geral.
Os jovens têm a noção dos riscos? Como é que o médico pode intervir? Faz parte da adolescência a atracção pelo risco, pela aventura e por experiências novas. O papel do médico de família é tentar perceber se há algum comportamento ou consumo de substâncias que sejam preocupantes. Faz parte do papel do médico também explicar os vários métodos anti-concepcionais disponíveis e quais os benefícios e os riscos de cada um, bem como os riscos de alguns comportamentos como o sexo sem protecção.
Há uma cultura de auto-medicação. Quais são os problemas que isso representa? A medicação não deve ser tomada sem o aconselhamento médico e existe muito o problema de as pessoas tomarem determinado medicamento porque fez bem a alguém conhecido. Convém a pessoa ser avaliada por um médico e perceber que medicação necessita.
A que é que a população deve estar atenta para procurar um médico? Uma dor no peito intensa, alguma dificuldade em falar, falta de força num braço ou perna, uma cefaleia ou dor de cabeça muito intensa são sinais que devem fazer a pessoa procurar os cuidados de urgência. A nível de sintomas que não sejam agudos, é importante a pessoa em casa medir a tensão arterial e se estiver com valores elevados deve recorrer ao médico de família. Também o deve fazer se estiver a perder peso de forma inexplicada, se sentir alterações ao nível do trânsito intestinal, como sangue nas fezes, ou se sentir que alguma coisa não está bem com o seu organismo.
O médico de família é aquele que conhece melhor os doentes? Gosto de pensar que sim, porque esta especialidade tem o conhecimento de toda a família, de todo o contexto e é também uma medicina de proximidade. As pessoas têm um acesso fácil e continuado no tempo ao médico de família.
O médico de família é aquele que consegue ter uma ligação forte com o utente… Isso muitas vezes até pode fazer parte do processo terapêutico. A proximidade e a confiança que têm no médico permite às pessoas sentirem-se à vontade, explicar melhor o que se passa e falar de alguns problemas que não falariam com alguém com quem não tivessem confiança.

Exercício físico faz bem a tudo

Há uma consciência maior em relação às vantagens do exercício físico para a saúde? Costumo dizer que o exercício físico faz bem a tudo. Ajuda a normalizar a tensão arterial e nos diabéticos ajuda a normalizar a glicemia. É uma actividade que faz com que o nosso corpo liberte os chamados anti-depressivos naturais e substâncias que nos deixam relaxados, além de ajudar no sono.
Em que período do dia é melhor fazer exercício? Não deve ser feito exercício físico próximo da hora de ir para a cama. Deve ser feito umas quatro ou cinco horas antes de a pessoa ir dormir senão a actividade física acaba por deixar a pessoa mais activa.
Qualquer idade é boa para começar a fazer exercício? Qualquer idade é boa, mas também deve haver sempre um aconselhamento médico, porque se uma pessoa está inactiva durante muitos anos não convém ir correr uma maratona de um dia para o outro. Isso pode trazer problemas. O exercício físico deve ser adaptado à pessoa. Na população sénior deve ser adaptado aos problemas musculares ou esqueléticos que a pessoa possa ter.
Nas crianças o desporto de alta competição pode trazer problemas? Tudo deve ter conta, peso e medida. O desporto de competição é uma coisa saudável, mas também não deve ser levado ao extremo. Por isso é importante que a partir de um certo grau de exigência sejam feitos exames médico-desportivos, para se ter a certeza que está tudo bem e que existem as condições de saúde necessárias para o esforço que é exigido.

Que cuidados se deve ter com o calor e com o sol

Nesta altura de muito calor quais são as precauções a ter em conta? As pessoas devem hidratar-se, no mínimo, bebendo um litro e meio de água por dia, principalmente as mais idosas e que muitas vezes não têm o reflexo de sede tão presente. Devem evitar a exposição ao calor e devem proteger-se do sol com a utilização de protectores. Na população idosa a desidratação pode provocar desequilíbrios na tensão arterial, por exemplo.
O que é que a praia tem de bom e de mau? A praia é uma coisa boa com os cuidados devidos. A parte boa é o contacto com a natureza e o lazer. A parte complicada é a exposição solar, pelo que se deve evitar estar ao sol entre as 12h00 e as 15h00, sendo importante ter um abrigo quando está na praia. O protector solar não protege tudo e deve ser aplicado de hora a hora ou de duas em duas horas. A exposição solar pode trazer neoplasias cutâneas. O escaldão pode agravar os problemas de desidratação.
As pessoas que têm de trabalhar ao sol estão sensibilizadas para este problema? A nível da praia as pessoas têm noção dos cuidados. A nível do trabalho não há tanto essa noção, mas os trabalhadores devem ter o cuidado de protegerem-se do sol, usando chapéu e protector solar porque no futuro podem vir a ter problemas como o aparecimento de melanomas, entre outros.

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