Preservar a memória dos avieiros também é missão de quem não é pescador
A Associação Cultural dos Avieiros da Póvoa de Santa Iria pretende manter viva a cultura que há mais de um século os liga ao rio Tejo e está a pensar publicar um livro que imortalize a sua história. A comunidade piscatória com origem nas praias do centro litoral tem-se adaptado aos tempos sem esquecer as raízes.
As comunidades avieiras são emblemáticas no concelho de Vila Franca de Xira e a sua identidade e história precisa de ser preservada e divulgada. É por isso que o presidente da Associação Cultural dos Avieiros da Póvoa de Santa Iria (ACAPSI), Fernando Barrinho, afirma estar na hora de contar essa história em livro e deixá-la para memória futura. Os membros da associação criaram o Museu do Avieiro e o objectivo do livro é servir como cápsula do tempo que imortalize memórias e fotografias da comunidade.
Nascida em 2012, a ACAPSI era anteriormente conhecida como Grupo Recreativo e Desportivo dos Pescadores da Póvoa de Santa Iria, fundado nos anos 80, que se focava na preservação da memória avieira. O MIRANTE foi conversar com a associação, numa altura em que se sente um decréscimo no número de pescadores tradicionais no Tejo.
Fernando Barrinho, 53 anos, nascido no Alentejo, é agente da Polícia de Segurança Pública em Lisboa e só depois do casamento passou a morar na Póvoa de Santa Iria. A esposa faz parte de uma família de avieiros cujas tradições e costumes eram muito fechados em relação a pessoas de fora, mas Fernando Barrinho garante que toda a comunidade o aceitou de braços abertos.
Com mais de uma centena de sócios, a ACAPSI é um grupo que aceita no seu meio “toda e qualquer pessoa que venha por bem”, garante o presidente. Prova disso é a presença sempre animada de Mariano Maia, 62 anos. Conhecido como ‘cigano’, etnia a que pertence com orgulho, Mariano Maia conta a O MIRANTE que se sente parte de uma família sempre que pisa as instalações da associação no Parque dos Moinhos. Apesar de não ser pescador, o antigo feirante e actual funcionário fabril, apaixonou-se pela identidade do grupo e admite ter sido acolhido com respeito.
O espírito familiar da associação não se demonstra apenas nos momentos festivos. Fernando Barrinho batalhou recentemente com problemas graves de saúde e por diversas vezes decidiu abandonar a presidência do grupo por não se sentir capaz de continuar. De olhos ainda a lacrimejar, o presidente afirma que foi graças à associação, aos colegas de trabalho e à família que conseguiu manter a força para lutar e manter-se sempre na “mó de cima”.
Salvar a identidade avieira
Parte da tradição que pretendem manter envolve as embarcações avieiras, os típicos barcos de madeira usados como instrumento de trabalho. Actualmente não passam de elementos decorativos e de uso ocasional durante as festas da cidade. Em causa está não só a falta de fabricantes mas também a desvantagem que dão ao pescador em termos de velocidade e manutenção comparativamente com um barco moderno feito de fibra de vidro.
O possível desaparecimento dos avieiros é uma realidade que a direcção da associação perspectiva com tristeza, mas que ao mesmo tempo encara como sinal de evolução. Actualmente já não existem mestres para ensinar os aprendizes e os jovens nascidos no seio das famílias tradicionais avieiras procuram fazer vida longe dos perigos do rio, em busca de estabilidade financeira. Os avieiros da Póvoa de Santa Iria ainda subsistem do que vão pescando, mas acabam por ver o seu trabalho prejudicado por outros, sobretudo por quem se faz ao rio para a apanha ilegal de amêijoa, que O MIRANTE já deu a conhecer numa reportagem este ano.
A nova Póvoa
Durante a reportagem, debateu-se a evolução da Póvoa de Santa Iria e dos seus habitantes, que segundo António Silva, da associação, passou de “uma humilde vila com bases piscatórias, à cidade com mais habitantes por metro quadrado do Ribatejo”. Os avieiros olham para este crescimento como uma prova da evolução e resiliência de uma cidade em constante expansão. Esta dinâmica trouxe novas realidades aos avieiros, que trocaram os seus bairros típicos por habitações mais modernas e a frente ribeirinha onde trabalham é hoje visitada por milhares de pessoas que ali procuram relaxar e praticar desporto.
O complexo habitacional “Vila Rio”, focado na promoção da habitação à beira Tejo na Póvoa de Santa Iria, encontra-se em construção, algo que surpreendeu positivamente os avieiros. “O presidente da câmara falou connosco sobre este projecto e os próprios arquitectos procuraram-nos antes de ser aprovado. A demonstração de respeito que nos foi dada e as alterações que foram feitas ao projecto para não nos prejudicar são a prova que a tradição avieira é levada a sério e respeitada”, afirma Fernando Barrinho.