Sociedade | 17-09-2022 12:00

Trabalhadora viveu pesadelo com director-geral do Hotel dos Templários

Funcionária trabalhava há 28 anos no Hotel dos Templários quando começou a viver num pesadelo, após a entrada do novo director-geral. fotoDR

Uma mulher de 50 anos, que trabalhou nos últimos 28 anos no Hotel dos Templários, em Tomar, viveu um pesadelo depois do director-geral do hotel ter tentado mudar os seus horários. Lu ganhou o caso em tribunal em Maio deste ano, mas pelo caminho viveu uma tormenta, em que também entra a inspectora da ACT de Tomar, e ficou com uma depressão que a levou quase ao desespero.

O Hotel dos Templários em Tomar é uma referência na cidade e na região, mas acabou de perder em tribunal um processo de trabalho que deveria envergonhar o seu director-geral e a administração do hotel. Lu, diminutivo de nome próprio, tem 50 anos, é casada, com filhos, é natural e residente em Tomar, e era funcionária do hotel há 28 anos. Orgulhava-se de trabalhar 12 horas por dia, sem sacrifício e com prazer, até ao dia em que entrou no hotel um novo director-geral que lhe quis mudar os horários. Lu sabia que as mudanças implicavam perder as folgas ao dia certo da semana e não aceitou as ordens. A sua atitude foi recebida com violência por parte do actual director-geral do hotel que, perante a recusa de Lu em sair do hotel para a rua, agarrou-lhe o braço e obrigou-a a sentar-se numa cadeira, num gesto violento que deixou marcas.
Este gesto, cometido há mais de dois anos, que o autor admitiu em tribunal, esteve certamente na origem da condenação do Hotel dos Templários, uma vez que ao longo de dois anos o autor nunca admitiu os direitos do trabalhador e humilhou-a até ao dia em que foi despedida e deixou de comparecer ao trabalho.
Durante o mês seguinte ao dia do confronto violento, Lu comparecia ao trabalho, mas sentava-se diariamente numa cadeira do hotel, numa casa escura, e só comia o que os colegas lhe levavam. “Estive um mês sentada numa cadeira sem nunca lhe faltar ao respeito. Ouvi muito e mantive sempre a boca calada. Foi isso certamente que me fez ganhar o processo no tribunal, mas, em contrapartida, ganhei uma depressão que ainda dura”, diz a O MIRANTE, na conversa que mantivemos um mês depois da sentença que não tem recurso possível.

Director-geral diz que ganhou o processo
“Ele diz no hotel que a empresa ganhou o processo, é o que que me contam, mas não admira; desde que chegou ao hotel que impôs um clima de medo; aquela empresa tinha um gerente educado, que tratava bem os trabalhadores, e de repente aparece aquele indivíduo, que acabou com a tranquilidade e a justiça no trabalho”, critica. “Ele achava que tinha medo e cedia; e tinha medo realmente, mas não desisti dos meus direitos. Humilhou-me muito por pensar que eu estava dependente do ordenado; estive dois meses sem receber; felizmente não me fez falta porque não devia nada a ninguém e tenho uma família; os colegas tiveram que aguentar; todos eles tinham contratos de trabalho muito diferentes do meu; isso foi o que me fez lutar. O meu contrato com o Hotel dos Templários teria hoje mais de 30 anos.
Hoje a maioria dos trabalhadores são emigrantes e os seus direitos já eram: só sabem em que dias folgam quando o patrão quer. Era isso que queriam fazer comigo”. As lamentações descritas neste parágrafo foram proferidas por Lu e respeitadas integralmente pelo nosso jornal.
“Depois de um mês sentada numa cadeira numa sala escura, é muito tempo de resistência?”, perguntamos em jeito de provocação: “pois é, e eu é que sei; o chefe de sala andava sempre a vigiar-me, e com 28 anos de casa era muito solicitada por alguns clientes do hotel e a grande preocupação deles era que não se soubesse que estava fechada numa sala em vez de estar a trabalhar. Como nem tudo é mau para sempre, tive um colega que se reformou e que, por já não ter medo de falar, deu-me uma grande ajuda”, contou Lu a O MIRANTE.

ACT de Tomar e o bloqueio digital à entrada do hotel
Lu conta a O MIRANTE que deixou de trabalhar no dia em que chegou ao hotel e não conseguiu fazer a leitura digital da entrada. Recorreu à ACT de Tomar e o conselho foi que levasse testemunhas todos os dias, às sete da manhã quando entrava, e às 15h30 quando saía. “Foi assim que aconteceu durante um mês. Mandei chamar a polícia para levantar o auto. A inspectora da ACT só chegou às 15h30 desse primeiro dia, e eu fiz tudo ao contrário daquilo que ele me mandou fazer, inclusive mandando-me para casa como se eu fosse um boneco”, recorda.
“O meu processo tinha tudo para correr bem e o hotel perder a acção. Mas poucos trabalhadores tinham capacidade de ficar dois meses sem receber ordenado, poucos teriam dinheiro para pagar a um advogado, e certamente nenhum deles conseguiria resistir à inspectora da ACT de Tomar, que me tratou abaixo de cão todas as vezes que precisei dela. Só para que fique registado, e para que sirva de exemplo, depois de perceber o que me esperava na ACT de Tomar fui a Santarém, e foi a partir dali, na ACT de Santarém, que encontrei a verdadeira autoridade do trabalho. Em Tomar tinham-me feito num oito se eu não fosse uma mulher esclarecida, e que sabe lutar pela justiça a que tem direito”, sublinhou a nossa interlocutora já em final de conversa, embora ainda tivéssemos ficado mais meia hora a falar de outros assuntos ligados à empresa proprietária do Hotel dos Templários.
O acórdão da decisão do Tribunal da Relação de Évora é de 26 de Maio de 2022 e confirma a primeira decisão do tribunal de primeira instância. O valor da indemnização é de 86 mil euros.

Uma depressão tratada com “doses para cavalo”

O MIRANTE conversou com Lu há cerca de um mês e meio e na altura a ex-funcionária do Hotel dos Templários estava a curar uma depressão com sete medicamentos todos da família dos antidepressivos, ansiolíticos, anticonvulsivantes, hipnóticos, sedativos e relaxantes, nomeadamente o Kainever, Escitalopram, Lorini, Zentive, Bisoprogol, Rivotril e Brintellix.
“Dose para cavalo”, brincamos com a ex-funcionária que aceitou a brincadeira, mas depressa passou ao lado sério da conversa; “quero ficar bem, quero voltar a trabalhar, não dou a cara nesta conversa porque sei que o mercado de trabalho não gosta de contratar pessoas que andaram a brigar com os patrões, mas sou uma pessoa com valores, com vontade de mostrar que não me deixo pisar por qualquer um; o que eu fiz foi em meu nome, mas também em nome de muita gente que é humilhada todos os dias por pessoas que não têm escrúpulos, que se aproveitam da pobreza dos outros. Nunca me perdoaria se tivesse desistido dos meus direitos. Quando saiu a condenação levei outro choque e piorei, mas agora já estou no bom caminho. Quero voltar a trabalhar, pois tenho 50 anos e sei que ainda posso ser uma mulher feliz no trabalho, embora este episódio nunca mais me deixe ser a mesma pessoa”, conclui.

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