Antigo Teatro Rosa Damasceno é a vergonha do centro histórico de Santarém
A acumulação de lixo, mato, dejectos humanos e pragas nas traseiras do antigo Teatro Rosa Damasceno, no centro histórico de Santarém, põem em risco a saúde pública, denunciam os moradores de um condomínio vizinho.
Durante 15 dias, Paula Miranda mal pregou olho por conta da visita indesejada que recebeu em casa: uma ratazana vinda das traseiras do antigo Teatro Rosa Damasceno, que lhe entrou pela janela da sala, deixada entreaberta durante os dias de calor que se fizeram sentir até meados de Outubro. A proprietária do rés-do-chão do prédio que ocupa o número 1 da Rua de Santa Margarida, no centro histórico de Santarém, não esquece os dias de “pânico” vividos enquanto o roedor não foi apanhado pela empresa de controlo de pragas que teve de contratar para o efeito.
“Começámos a sentir um cheiro horroroso a urina de rato”, conta a moradora a O MIRANTE, a quem mostra fotografias dos estragos deixados pela ratazana, que partiu peças de decoração e esventrou o revestimento do sofá da sala-de-estar para fazer ninho na gaveta do fogão, na cozinha. “Quando desarredámos os móveis, tínhamos excrementos de rato e bocados de ração da nossa cadela espalhados por todo o lado”, queixa-se Paula Miranda, que agora se vê impedida de abrir as janelas da habitação, face ao perigo real de que mais ratos sigam o mesmo caminho. Na varanda, um rasto de excrementos denuncia isso mesmo. “Além dos custos com a desinfestação, ainda tivemos despesas de veterinário com a nossa cadela, que já é idosa e ficou cheia de pulgas”, lamenta.
Paula Miranda afirma que a “invasão” de ratos está longe de ser um problema apenas na sua casa, que é a mais próxima das traseiras do antigo teatro. “A empresa de controlo de pragas já nos alertou de que provavelmente as garagens do nosso condomínio devem estar cheias de ratos”, adianta, avisando que o problema não se fica pelos roedores. A falta de higiene é “gritante” nas ruínas do edifício e nas imediações, onde é frequente encontrarem-se excrementos humanos.
Moradores sentem-se ignorados
A vizinhança queixa-se também do lixo que há décadas se vai acumulando, escondido pelo mato que prolifera do quintal do antigo teatro. As espécies infestantes cujas raízes se infiltram por baixo do chão do condomínio, causando rachas e humidade, e que já chegaram a entrar pelas varandas dos andares de cima, são outro transtorno para os moradores, que se sentem “ignorados” por quem tem responsabilidades na matéria. “Todos os anos o nosso condomínio envia uma carta à empresa que é proprietária do antigo teatro e nunca obtivemos resposta”, lastima Paula Miranda, que acusa a Câmara de Santarém de não responder às reclamações feitas e de não fazer o que lhe compete: “defender os interesses dos moradores e zelar pela higiene, saúde pública e segurança de todos”. Refira-se que a empresa do grupo Enfis que era proprietária do antigo teatro, encontra-se em processo de insolvência (ver texto nesta página).
A falta de segurança é, de resto, outra das preocupações dos vizinhos do Rosa Damasceno, sublinha Paula Miranda, que teve de pagar a instalação de uma “cerca inestética, mas necessária” para separar as ruínas do antigo teatro do condomínio onde habita, depois de há alguns anos alguém vindo das traseiras do edifício quase ter entrado pela varanda de sua casa.
Intervenção nas mãos da administradora de insolvência
Em resposta a questões colocadas por O MIRANTE, a Câmara de Santarém confirma que foi alertada para a situação pelos moradores e diz que responde a situações destas nos termos da Lei. O município refere que “foi um assunto comunicado ao anterior proprietário do teatro”, o grupo Enfis, “que de diversas formas, sempre impediu o município de Santarém de entrar no local, e agora comunicado à administradora da insolvência”, que tem tutela administrativa sobre a matéria.
Enfis, Hotelaria e Turismo entrou em insolvência
Empresa do Grupo Enfis que explora Hotel Umu em Santarém e é proprietária do antigo Teatro Rosa Damasceno debate-se com dívidas superiores a quatro milhões de euros.
A empresa Enfis, Hotelaria e Turismo S.A., proprietária do Hotel UMU e do antigo Teatro Rosa Damasceno, em Santarém, está em processo de insolvência, de nada tendo valido as diligências feitas junto do tribunal no sentido de inverter esse rumo. A sentença de declaração de insolvência foi proferida no dia 10 de Abril de 2022, tendo sido nomeada uma administradora da insolvência com escritório em Lisboa. O processo foi entretanto suspenso devido a recurso interposto pela empresa, mas a decisão acabou por se confirmar.
A empresa, com dívidas na ordem dos 4,3 milhões de euros, pertence ao Grupo Enfis, liderado pelo empresário Joaquim Rosa Tomaz, dono de um vasto património em Santarém onde se incluem um ginásio, restaurante, colégio privado e residência para seniores, entre outros imóveis. Em causa estão dívidas a diversas entidades, como bancos, sociedades de garantia mútua, Fisco, Segurança Social, Câmara de Santarém e empresas várias.
Tal como O MIRANTE já havia noticiado, a insolvência foi requerida pela Caixa Económica Montepio Geral, em Dezembro de 2020. Pelo meio existiu um Processo Especial de Revitalização (PER), que veio a ser declarado encerrado, por despacho de 10 de Maio de 2021, depois de os principais credores não terem aceitado os termos do pagamento de dívidas após o processo negocial que decorreu. Uma decisão de que a empresa recorreu primeiro para o Tribunal de Relação de Lisboa e depois para o Supremo Tribunal de Justiça, sem êxito.
A Enfis, Hotelaria e Turismo foi constituída em Maio de 1986 e era, desde 2004, proprietária do antigo Teatro Rosa Damasceno (ver caixa) e dos terrenos adjacentes, nas traseiras do imóvel, onde a empresa impediu a realização de obras de consolidação das encostas, que estão a ser promovidas pelo município. Após saber da sentença, a Câmara de Santarém tentou negociar com a administradora de insolvência o desbloqueamento desse impasse, para poder realizar as obras nas traseiras do antigo teatro.
Refira-se que o diferendo entre a Enfis e a autarquia condicionou a intervenção nas barreiras, fazendo-as deslizar no tempo e também no orçamento. O presidente do município, Ricardo Gonçalves, disse publicamente que ponderava agir judicialmente contra a empresa pelos prejuízos causados.
A tragédia do Teatro Rosa Damasceno
A compra do antigo Teatro Rosa Damasceno pelo Grupo Enfis, em 2004, é dos negócios mais bizarros de que há memória neste século em Santarém. O edifício, já então desactivado, pertencia ao Clube de Santarém, agremiação discreta no mundo associativo da cidade, e acabou por ser trocado por terrenos para construção em Almeirim. Na altura falou-se num negócio avaliado em um milhão de euros.
A intenção do Grupo Enfis seria requalificar e remodelar aquele edifício classificado como de interesse público, dotando-o de novas valências, nomeadamente áreas comerciais e habitacionais. No entanto os projectos nunca saíram do papel. E, em Março 2007, deu-se o golpe de misericórdia quando um incêndio de causas desconhecidas destruiu quase por completo a antiga sala de espectáculos. Sobraram as paredes que continuam a manchar a paisagem de uma das zonas mais nobres da cidade.
O processo foi polémico, pois o município também tentou adquirir o imóvel mas sem conseguir convencer o Clube de Santarém, que acabou por fechar contrato com o Grupo Enfis de Joaquim Rosa Tomás, ignorando o direito de preferência da autarquia no negócio.