Sociedade | 23-11-2022 12:00

Bairro da barragem de Castelo do Bode é uma sombra do passado

Bairro da barragem de Castelo do Bode é uma sombra do passado
Manuel Beríssimo nasceu e foi criado no Bairro Residencial da EDP que está ao abandono

O MIRANTE visitou a aldeia do concelho de Tomar que em 1951 inaugurava com pompa e circunstância uma das maiores construções do século passado em Portugal.

Volvidos 71 anos, o lugar parece uma aldeia fantasma, onde o estado de abandono e a degradação do casario contrastam com a beleza da paisagem em redor.

Contraste é o nome da última localidade para quem vem de Tomar antes de chegar a Castelo do Bode. E é grande o contraste entre o que já foi e o que é hoje em dia o aglomerado de casas junto à barragem, no já quase desmantelado Bairro Residencial da EDP. Muitas das moradias estão abandonadas, outras são segunda habitação e algumas têm mesmo os acessos selados com tijolo.
O que é hoje uma espécie de aldeia fantasma foi um projecto pensado, num contexto de época, para funcionar como uma aldeia funcional na vizinhança de uma das maiores obras do século XX em Portugal, a barragem de Castelo do Bode, inaugurada em Janeiro de 1951. Tudo girava em torno da comunidade e estava bem pensado, desde a escola até à capela, passando pela mercearia e pelo posto médico (com médico e enfermeira), que ainda funciona, até ao clube para convívio e às instalações desportivas. A escola já fechou há muito. “É uma pena ver isto assim”, desabafa Manuel Bríssimo, nascido e criado no lugar, referindo-se à escola primária onde aprendeu a ler.
“Isto dantes era uma maravilha, até a simples lâmpada que se fundia trocavam. Havia autocarros para se ir a Tomar ao cinema e esperavam para depois trazer as pessoas. Mesmo a nível dos cuidados de saúde estávamos muito bem, tínhamos médicos particulares e não pagávamos nada. Hoje ainda temos posto médico, mas já não tem nada a ver”, diz Maria Alice Cunha, que também ali continua a morar. “As casas junto à estrada principal não estão tão ao abandono e algumas já passaram de pais para filhos. Costumam vir com a família apenas no Verão, alguns já estão reformados”, diz.
As habitações foram cedidas gratuitamente aos funcionários da EDP e a manutenção era garantida pela empresa, bem como as estradas e os jardins. Hoje tudo isso deixou de ser realidade. “Aquilo está lá que é uma vergonha”, diz a O MIRANTE Joaquim Pena da Costa. Veio trabalhar para Castelo do Bode em 1959 e saiu nos anos 80 para chefiar a subestação dos Pereiros, em Coimbra. Cada vez que regressa ao concelho de Tomar, de onde é natural, sai desolado.
“Dantes cuidavam da limpeza, as sebes eram podadas impecavelmente, o alcatrão era cuidadinho. Agora cortaram as sebes e as estradas estão cheias de buracos. Fizeram lá um parque de férias, as pessoas que lá vivem não podem ir, mandaram tirar os carros das garagens...
São queixas que os moradores me fazem”, descreve Joaquim Pena da Costa, acrescentando que “aquilo é feito de propósito para ver se as pessoas saem de lá.”
O definhar do Castelo do Bode começou em 1987, quando a EPAL proibiu os desportos náuticos a motor na zona, competições internacionais que levavam muita gente e dinheiro à albufeira que abastece de água a grande Lisboa. A automatização da barragem e da subestação também começavam a provocar redução de pessoal.
“A EDP de hoje não tem nada a ver com a EDP de antigamente”, diz a O MIRANTE Carlos Fernandes, vice-presidente da EDP-Tejo do Clube do Pessoal EDP. “Aquilo já teve muita gente a trabalhar, o que não acontece agora e ninguém quer ficar ali naquele buraco a viver. Quem lá trabalha mora em Tomar ou no Entroncamento”, acrescenta Carlos Fernandes admitindo que algumas das casas estão em bastante mau estado.

Angelina Cascão morreu depois de ter sido expulsa

Na construção da barragem, nos finais dos anos 40, uma família do Torrão instalou-se em Castelo do Bode. Manuel e Angelina Cascão por ali ficaram. “Era gente séria”, lembra Joaquim Pena da Costa, continuando: “A senhora ficou viúva, também lhe morreu um filho ainda novo e ficou sozinha. Disseram-lhe então que teria de abandonar a casa”, depois de lá ter vivido mais de 60 anos e de ali ter tido oito filhos. “Foi expulsa, lá meteu os seus pertences numa camioneta e foi para a Baixa da Banheira ter com uma irmã, também já velhota. Ao fim de uns meses morreu”, recorda com tristeza o antigo subchefe da subestação. “A empresa tinha alguma necessidade de fazer aquilo? Uma empresa com tantos milhões?”, pergunta indignado.

A “guerra” entre o Clube e o Parque Social

Francisco Pontes foi viver para Castelo do Bode com seis meses de idade e é com muita mágoa que encara o actual estado do bairro. Fez parte, durante mais de 20 anos, da direcção da delegação local do Clube do Pessoal da EDP e critica a forma como o vizinho Parque Social do Clube EDP, denominado de Ribeira do Tomão, se foi impondo ao clube do outro lado da estrada. “Dantes ainda vinham do parque para aqui aproveitar a piscina e jogar bilhar. Depois fizeram lá uma piscina e um clube para as pessoas não virem cá para cima”, desabafa o antigo trabalhador da EDP, completando: “Isso não é ser amigo do Castelo do Bode”.

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