Sociedade | 30-11-2022 12:00

A história de amor de um combatente da Guerra do Ultramar

A história de amor de um combatente da Guerra do Ultramar
Clementina e Manuel Amendoeira estão casados há mais de 60 anos

Manuel Amendoeira tem 80 anos e fez parte do maior batalhão mobilizado para Angola.

Natural do Cartaxo, é casado há mais de seis décadas com Clementina, a mulher que lhe roubou o coração e com quem construiu uma família unida. Esteve preso duas vezes e teve a vida por um fio muitas mais. Esta é a história de superação do combatente conhecido como “Cartaxo”.

Manuel Amendoeira foi um dos cinco mil militares mobilizados para Angola em 1964, para a Guerra do Ultramar. Quando partiu o seu filho Francisco tinha três meses; quando voltou tinha três anos. Em Portugal deixou a “rapariga” que lhe arrebatou o coração aos 19 anos, mãe dos seus seis filhos, que está consigo até aos dias de hoje, Clementina Amendoeira. O casal é a prova de que o amor ultrapassa todos os obstáculos, nomeadamente uma guerra e a prisão.
A infância de “Cartaxo”, alcunha pela qual era conhecido, foi passada de “pé descalço”, literalmente; comprou as primeiras sapatilhas aos 14 anos. Os dias eram passados a guardar ovelhas num campo da região ribatejana, onde também pernoitou várias vezes. De vez em quando o pai levava-lhe um pedaço de pão para enganar a fome, mas eram mais os dias em que não tinha o que comer. A escola nunca esteve nos seus planos; as razões não eram tanto pela falta de interesse em aprender, mas sim por causa das reguadas acumuladas devido aos erros ortográficos próprios do processo de aprendizagem. “Eram tantas que chegava a ficar 15 dias sem ir à escola. Para além disso, acho que já sabia mais do que era a vida do que a professora”, brinca Manuel em conversa com O MIRANTE.
O humor deste avô a tempo inteiro não é de agora. No início da idade adulta e da carreira militar perdeu a especialidade de corneteiro depois de fugir da tropa. Dias mais tarde foi encontrado, obrigaram-no a regressar, não sem antes passar nove dias na prisão. “Atravessávamos Leiria de uma ponta à outra para ir para a carreira de tiro enquanto o comandante da companhia gritava: ‘o preso não vai na formatura, vai no jipe’. Os outros iam a marchar e eu ia a cavalo”, recorda, com um sorriso no rosto.
Foi requisitado para o Regimento de Artilharia Pesada 2, na Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, para formar aquele que foi o maior e mais duradouro batalhão em Angola. Manuel Amendoeira tinha a especialidade de apontador de morteiro. Já casado, embarcou no navio Vera Cruz a 9 de Julho de 1964 com destino ao campo militar do Grafanil, em Luanda, para fazer rede e intervenção. Tinha de defender a cidade através de pontos estratégicos, os chamados torreões. A intervenção era feita por meio de operações no mato, onde havia quartéis de “turras”, a quem o regime chamava “terroristas”, todos os que lutavam pela independência das colónias portuguesas em África. “Cartaxo” seguia para as operações com uma pistola, o morteiro e uma granada do tamanho de uma garrafa de 1,5 litros, conta.
16 meses preso
por causa de gasolina
O dia de Santo António de 1966 marcou-o particularmente. “Cartaxo” e os colegas foram “lançados” de helicóptero para o meio de um campo onde se cultivava mandioca. Atrás de uma árvore grossa, com mais dois camaradas, viu a lenha ser arrancada aos tiros. A noite foi passada ao som dos disparos, os inimigos queriam uma resposta para saberem onde estavam.
Todas estas experiências de “quase morte” são boas memórias que Manuel Amendoeira traz no seu álbum tendo tatuado no braço esquerdo as datas da fase “mais marcante da sua vida”. No leste de Angola, onde deixou uma filha, recorda-se de agarrar numa carteira com dinheiro e de “correr aquilo tudo sozinho para comprar galinhas”. Também não se esquece da macaca “Chica”, o seu animal de estimação. Nessa altura recebia 700 escudos mensais (3,49 euros), que gastava a jogar à batota, confessa.
Embarcou para regressar a Portugal a 1 de Janeiro de 1967. De volta ao quotidiano, foi apanhado pela Guarda Fiscal com bidons cheios de gasolina que ia buscar a Sines. Teve preso 16 meses em Alcoentre, mas estava condenado a dois anos porque em interrogatório afirmou não saber que não podia ir a Sines buscar gasolina. O director da prisão foi o próprio a reconhecer que pessoas como ele não deviam estar presas. Quando saiu da prisão, cá fora, estava a “rapariga” à espera mais uma vez. Chama-se Clementina e acompanha-o há mais de 60 anos.

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