Trabalho dos cuidadores informais ainda é pouco reconhecido

Estima-se que sejam mais de um milhão aqueles que largaram tudo para cuidar dos outros.
Estima-se que sejam mais de um milhão aqueles que largaram tudo para cuidar dos outros: o emprego, o tempo pessoal e nalguns casos até a saúde física e emocional. Os cuidadores informais são reconhecidos por lei e desde Outubro passam a poder beneficiar de apoios. Apesar disso, ainda há um longo caminho a percorrer, alerta Sandra Neves, da Segurança Social, que foi a Azambuja esclarecer sobre a elegibilidade e benefícios do Estatuto do Cuidador Informal.
Isabel Silva deixou de trabalhar por amor. Desde que os seus dois filhos foram diagnosticados com atraso de desenvolvimento global, quando tinham três anos, largou tudo para poder cuidar deles a todas as horas. Hoje o filho tem 27 anos e uma incapacidade de 86% e a filha, com 31 anos, de 72%. Quando foi decidido que durante o dia iam para uma instituição para terem uma vida mais activa, Isabel Silva foi também. Tornou-se voluntária da Cerci Flor da Vida, em Azambuja, onde das 09h00 às 16h00, além dos seus filhos, ajuda outras pessoas com deficiência.
Esta mãe é uma entre as 1,4 milhões de pessoas em Portugal que dedica os seus dias a prestar cuidados permanentes ou regulares a alguém da família com grande vulnerabilidade ou dependência. São os chamados cuidadores informais que em 2019 viram os seus direitos e deveres reconhecidos na lei através do Estatuto do Cuidador Informal (ECI), alargado a todo o território em Janeiro deste ano. Isabel Silva não beneficia dos apoios previstos pelo ECI e, por isso, foi ouvir mais sobre esta medida no dia 24 de Novembro, numa sessão informativa integrada nas Jornadas da Saúde de Azambuja, que resultou de uma necessidade identificada pela Comissão Social Interfreguesias de Azambuja, Aveiras de Baixo e Vila Nova da Rainha.
Após o projecto-piloto que foi posto em prática na Amadora, e do qual a chefe de sector de Protecção Social da Família e Comunidade do Centro Distrital de Lisboa do Instituto da Segurança Social e oradora, Sandra Neves fez parte, foram feitas alterações. Entre as principais está a possibilidade de existir um período de descanso para o cuidador informal. Uma novidade que tem como objectivo diminuir a sobrecarga física e emocional da pessoa que cuida através de apoio domiciliário ou encaminhamento temporário da pessoa cuidada para uma estrutura residencial para pessoas idosas ou unidade de cuidados continuados integrados. “Há cuidadores que simplesmente precisam de sair de casa por um período de tempo”, disse, recordando o caso de uma cuidadora que nestes períodos de descanso ia à missa e de outra que simplesmente aproveitava para dormir.
A vereadora da Acção Social na Câmara de Azambuja, Mara Oliveira, que também é bombeira, partilhou um caso que a marcou, de uma senhora idosa que cuidava há anos do filho acamado e que um dia teve um problema de saúde e pediu socorro. “Estava mais preocupada com o filho. Disse que não podia ficar sozinho em casa e pediu para também o metermos na ambulância e levarmos para o hospital. Perante essa impossibilidade a cuidadora optou por não ir ao hospital, o que demonstra que quem cuida muitas vezes abdica de cuidar de si por falta de suporte”.
Para que o ECI seja atribuído, tanto o cuidador como a pessoa cuidada têm que preencher determinados requisitos, o que pode limitar o acesso. Uma dessas características é que o cuidador precisa de ser cônjuge ou unido de facto, ou parente até ao quarto grau da linha recta (sobrinho-neto). No caso da pessoa cuidada, por exemplo, tem que ser beneficiária do Complemento por Dependência, um apoio financeiro do Estado para pessoas em situação de dependência cujo processo pode demorar mais tempo do que se desejaria.
11 mil processos e 2.689 subsídios atribuídos
Apesar do acesso ao ECI estar administrativamente mais simplificado ainda há burocracias e requisitos que impossibilitam muitos de poderem beneficiar deste apoio. O que pode explicar que dos 1,4 milhões de cuidadores existentes em Portugal, segundo dados do Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais, apenas 11 mil viram o seu estatuto reconhecido até Outubro deste ano e apenas 2.689 foram contemplados com a atribuição do subsídio. No total foram apresentados 22.078 requerimentos, ou seja, foram recusados 6.672 processos por não reunirem os critérios exigidos. Por exemplo, se um cuidador estiver reformado ou se os rendimentos de referência do agregado familiar não forem inferior a 1,3 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (443,20 euros) ficam automaticamente excluídos.
Para Sandra Neves o valor do subsídio do ECI (443,20) que pode ser atribuído aos cuidadores informais principais, ou seja, aos que estão 24 horas a cuidar e não auferem qualquer remuneração de actividade profissional ou prestação de desemprego “é muito baixo”, o que a leva a crer que se alguém fica em casa para cuidar de um familiar é porque não tem outra alternativa. Além disso, sublinha, não importa se o cuidador é responsável por cuidar de uma pessoa ou de cinco já que o valor do subsídio não aumenta com o número de dependentes a cargo. Outro problema, reconhece, é que nalguns casos as pessoas que cuidam são forçadas a largar o emprego devido à pressão que sentem não só pelo esforço que fazem para repartir tarefas mas pela pressão que pode existir do lado da entidade patronal ou colegas de trabalho.