Sociedade | 08-01-2023 21:00

Trabalha como taxista para combater a tristeza e a solidão

Trabalha como taxista para combater a tristeza e a solidão
É a transportar pessoas que António Andrade se sente feliz

Depois de uma vida a transportar personalidades com altos cargos na Universidade Clássica de Lisboa, António Andrade reformou-se e decidiu ser taxista na Póvoa de Santa Iria para afugentar a solidão e continuar a ter uma vida activa. É ao volante que se sente feliz e assim quer continuar.

Poucos são os motoristas que se podem gabar de transportar diariamente reitores e figuras públicas de renome durante mais de 30 anos mas António Andrade, da praça de táxis da Póvoa de Santa Iria, pode fazê-lo. Foi motorista privado na Universidade Clássica de Lisboa e tornou-se taxista na cidade ribatejana depois de se reformar, para se manter longe da solidão e poder continuar a conduzir para todo o lado, algo que o faz feliz.
António Andrade, 74 anos, nasceu em Arouca, serviu na Guerra do Ultramar e quando regressou uns conhecidos ajudaram-no a tornar-se motorista privado na Universidade Clássica de Lisboa. Casou e desde a década de 80 que mora no Forte da Casa, de onde não tem intenções de sair. “A minha esposa sofre de bipolaridade e outros problemas de saúde. Para além disso, sempre fui apaixonado por trabalhar e não me imagino a fazer nada mais do que trabalhar. Enquanto puder é nos táxis que me vão ver, preciso deste contacto com o público”, partilha com O MIRANTE.
Enquanto motorista privado em Lisboa era obrigado a vestir um fato e estava aconselhado a não tocar em bebidas alcoólicas. Transportou várias gerações de reitores, como Jaime Fernandes, Meira Soares, Sampaio da Nóvoa, e chegou a trocar alguns dedos de conversa com Marcelo Rebelo de Sousa. De todos, o seu predilecto foi José Barata Moura, que transportou inúmeras vezes a conferências e palestras em Espanha e com quem chegou a partilhar mesa em diversas ocasiões. “Ele ia sempre à frente, nada de vedetismos. Um homem culto, odiava que lhe abrisse a porta, dizia que era capaz de o fazer sozinho”, recorda.

Cercado e assaltado
António Andrade já se viu em aflição algumas vezes. Numa deslocação até um bairro social, recorda, o passageiro fez-lhe um corte no casaco para que este percebesse que estava armado, depois de António Andrade ter percebido que o passageiro se preparava para o assaltar. “Começou a dizer ao telefone que eu era um velho e que ia ser tranquilo, meteu-me a dar curvas e contracurvas para o interior do bairro. De repente surgiu um grupo em torno do carro, abriram as portas, exigiram o dinheiro, tiram-me a chave da ignição e temi pela vida, mas dinheiro é apenas dinheiro, saí vivo que é o mais importante”, recorda. Para além destes sustos, conta, também lhe aconteceu chegar ao destino e os passageiros simplesmente fugirem sem pagar. Chegou a ter uma arma de fogo no carro para se defender mas com a idade acabou por entregá-la às autoridades.
A vida de António nem sempre foi fácil. Em 1996 fracturou as duas pernas enquanto conduzia, num acidente grave, e isso afastou-o da possibilidade de ir a França e assumir o lugar de motorista de figuras de maior renome no Estado. No entanto, em vez dos longos meses recomendados de descanso, trocou umas palavras com uns médicos conhecidos e ao fim de cinco meses já estava de volta ao volante.
Desde que se reformou quis manter-se activo: comprou um táxi, tratou de toda a documentação e começou a ocupar um lugar na praça de táxis da Póvoa de Santa Iria. A boina e boa disposição são imagem de marca de um rosto que esconde a tristeza com sorrisos. Confessa sentir-se triste, preocupado com a saúde frágil da esposa, por quem procura tudo fazer, e mascara as saudades que sente do pai que faleceu aos 94 anos e com quem aprendeu a valorizar o trabalho e o respeito. O filho rumou ao Brasil, onde trabalha como engenheiro informático e onde foi pai. De sorriso no rosto diz sentir-se de coração cheio quando vê os netos e os pode abraçar.
Ser taxista, diz, nem sempre é um mar de rosas. Há competitividade, alguma falta de respeito e um mar de regras e etiquetas que devem ser cumpridas. “As aplicações móveis ganharam popularidade e têm vindo a escalar nos formatos de negócio, com promoções e afins, enquanto nós estamos fixos numa tarifa única. Penso que no futuro estes negócios vão ser o fim da profissão de taxista, mas espero estar enganado”, comenta.

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