Obesidade aumenta o risco de AVC e cancro

Sónia Gonçalves é médica de Medicina Interna e especialista em consultas de obesidade no Hospital CUF Santarém
O maior problema da obesidade são as doenças associadas como a diabetes, hipertensão, doenças respiratórias e cardiovasculares, que podem originar acidentes vasculares cerebrais (AVC) ou enfartes do miocárdio. Há cancros, como o colorrectal, o que causa mais mortes em Portugal, que também podem ser influenciados pelo peso excessivo. Na CUF Santarém há uma equipa multidisciplinar que enfrenta os problemas da obesidade de doentes que normalmente chegam ao hospital já desestruturados após várias dietas falhadas. Para se tratarem, os doentes precisam de força de vontade e assumir um compromisso para a vida.
A falta de cuidado com a alimentação das crianças pode marcá-
-las em adulto? Sem dúvida. A obesidade é uma doença crónica, complexa multifactorial. Os hábitos alimentares e o estilo de vida têm muita influência. Se a família tem hábitos pouco saudáveis isso reflecte-se futuramente. Crianças obesas, com pais obesos serão tendencialmente obesas na idade adulta.
Quem tem excesso de peso tem consciência do que é que lhe faz mal e das questões da alimentação? Têm noção do que realmente lhes faz mal, mas precisam de um acompanhamento para que haja uma reeducação alimentar e do seu estilo de vida. Ainda há muito estigma em redor da obesidade. A obesidade não tem de ser vista como uma responsabilidade da pessoa, ninguém quer essa condição de saúde que vai trazer outras doenças associadas. Os doentes quando nos chegam já vêm desestruturados, já fizeram várias tentativas de para perder peso, quer com o apoio de nutricionistas, quer com programas de farmácias com dietas altamente restritivas que até podem funcionar, mas temporariamente. Por isso é que precisam de um acompanhamento multidisciplinar e de forma sustentada.
Essas dietas que funcionam temporariamente vão afectar ainda mais o estado psicológico das pessoas. Nessa parte também precisam de acompanhamento. Os nossos doentes que vêm à procura de uma consulta de obesidade, quer por iniciativa própria, quer referenciados por outros médicos, têm um acompanhamento por uma equipa de Medicina Interna, Cirurgia Geral, Nutrição, Psicologia e equipa de enfermagem. Estes doentes precisam de facto de apoio psicológico. E é preciso força de vontade da pessoa.
A obesidade afecta mais as pessoas que não faziam exercício físico, nomeadamente na infância e juventude? Afecta os dois grupos, os que praticaram e os que não praticaram exercício físico. À partida as que fazem exercício de forma regular estão mais atentas e conseguem manter esse estilo de vida, mas também tenho doentes que foram atletas de alta competição e que hoje são obesos. Porque deixaram de competir e de fazer exercício regular e mudaram os hábitos alimentares.
Há uma propensão genética para a obesidade? Há factores genéticos, sociais, psicossociais. Há vários factores que podem influenciar.
O nosso ritmo de vida, a correria diária, em que medida tem influência no peso? Temos um estilo de vida mais sedentário, os trabalhos são cada vez mais sedentários, há falta de tempo para o exercício. Depois, a oferta que há em termos alimentares faz com seja mais fácil comer algo com mais gorduras, nutricionalmente desequilibrado.
Quais são os riscos associados à obesidade? É uma doença que provoca uma inflamação geral no corpo humano e que traz um risco acrescido de diabetes, de dislipidemia (níveis anómalos de lípidos no sangue), de hipertensão, de doenças respiratórias, um risco aumentado de doenças cardiovasculares, nomeadamente acidente vascular cerebral (AVC) ou enfarte do miocárdio, doenças osteoarticulares, cancros, como o colorrectal. O menor dos problemas da obesidade é a questão estética.
O país reconhece que a obesidade na sociedade é um problema? Portugal foi dos primeiros países da Europa a reconhecer a obesidade como doença, em 2004. Mas a obesidade ainda é muito subvalorizada e estigmatizada. Ainda é vista como uma condição que o doente escolheu ter, mas ninguém gosta de ser obeso, de ter limitações respiratórias ou de locomoção. A política de comparticipação devia de ser mudada, porque nem todas as pessoas têm capacidade económica para tal.
Quais são as opções de tratamento? O doente é avaliado pela equipa de enfermagem, nutricionista, psicóloga e médicos de Medicina Interna e Cirurgia. Depois há que mudar o estilo de vida, com sugestão de exercícios físicos. Os doentes elegíveis para tratamento médico são os que têm um índice de massa corporal superior a 30, ou com 25 (excesso de peso) se tiver comorbidades, como hipertensão, diabetes… Depois há vários tipos de cirurgias (sleeve, bypass, minibypass, switch duodenal ou SADI-s).
Quanto tempo é preciso para tratar esta doença? É um tratamento que tem de ser sustentado e a longo prazo, porque estes doentes mesmo perdendo peso precisam ter cuidados, uma vez que o nosso organismo é feito para armazenar energia e vão ter mais fome. Pelo que é difícil aos doentes que emagrecem manterem-se no nível de peso e assim precisam de acompanhamento. É um compromisso para a vida.
O que é que muda numa pessoa que deixa de ter peso em excesso? É uma pessoa muito mais feliz, com uma melhor auto-estima e mais saudável. Os doentes reaprendem a viver e a comer de forma saudável.
Quando a pessoa perde peso ficam com marcas no corpo, como é que depois se resolve essa situação? É normal que fiquem com excesso de pele. Nesses casos temos cirurgia plástica e é curioso que há muitos homens novos e velhos que por iniciativa própria procuram melhorar a condição estética.

70 quilos que fazem a diferença
Em 2017 quando procurou ajuda médica já não tinha espelhos em casa e sentia-se olhada de lado quando, nos transportes públicos, ocupava quase dois lugares. No trabalho andava sem forças, sem alegria e cansava-se facilmente a movimentar-se ou a subir escadas no Ministério Público de Almeirim. Graça Inácio pesava 142 quilos quando chegou à consulta de obesidade do Hospital CUF de Santarém e já somava vários episódios depressivos, dietas que não funcionavam e a deitavam ainda mais abaixo. De cada vez que o mundo lhe escorregava debaixo dos pés engordava mais.
Agora, aos 48 anos, tem um sorriso enorme, do tamanho da felicidade de ter perdido 70 quilos. Leva quatro anos de uma nova vida depois de ter percebido que não podia adiar mais o problema porque já não tinha nem forças nem mobilidade para tomar conta da sua mãe de 72 anos que tem uma saúde debilitada. A oficial de justiça, solteira, perdeu inicialmente 20 quilos e depois mais 50 quilos quando fez a cirurgia para a obesidade em 2018. A vida de uma pessoa obesa não é fácil nem física nem psicologicamente: “Vestimos a roupa que nos serve e não a que gostamos. Quando entrava numa loja de roupa só me apetecia chorar”.
A ideia de que “os gordos são pessoas bem-dispostas” é um mito. Graça, que reside na Golegã, brincava com a sua obesidade como mecanismo de defesa para não ser mais atingida ainda na sua auto-estima. Agora já não tem repulsa de se olhar ao espelho, depois de anos de uma vida que diz ter sido de “sofrimento em silêncio”. Aos 25 anos já tinha um grande desequilíbrio alimentar e quanto mais engordava mais se isolava em casa. Quando ia ao supermercado, a 800 metros de casa, tinha que se sentar quando chegava ao estabelecimento porque já estava cansadíssima. Agora não se cansa, tem agilidade e está mais aberta a conversar com as pessoas.
“Ganhei uma auto-estima que nunca tive”, diz a oficial de justiça que também mudou a sua vida profissional ao pedir transferência para a secção de execuções do Entroncamento, algo que antes não queria fazer por medo de enfrentar um novo desfio. “Agora sou outra pessoa”, exclama, salientando que a vitória se deve ao facto de ter a certeza que queria fazer um tratamento à obesidade e ter lutado por isso, num caminho que não é fácil e exige muita força de vontade. Estava pré-diabética e tinha apneia do sono; agora sente-se com uma saúde de ferro.
A mudança foi tão grande que passa por gente na rua que nem a reconhece e às vezes só desconfiam que é ela pelos óculos.