Sociedade | 22-02-2023 21:00

José Miguel Amador canta o fado divertido e jocoso

José Miguel Amador canta o fado divertido e jocoso
José Miguel Amador recebeu O MIRANTE na sua tertúlia onde guarda as memórias de uma vida

Foi para o mar em menino e lá trauteou os primeiros fados trocando os versos melancólicos por outros mais alegres.

Estreou-os nos antigos palcos de Azambuja e agora, aos 73 anos, canta-os por todo o país. José Miguel Amador, fadista, compositor, poeta popular e amante das tradições é o rosto e a voz do projecto de fado humorístico Baixinho do Fado.

Quando começou há sete anos com o projecto de fado humorístico Baixinho do Fado, José Miguel Amador estava longe de imaginar que um vídeo na Internet seria o ponto de partida para o tornar conhecido um pouco por todo o país. Vestido com traje de trabalho de campino, de lenço vermelho ao pescoço e boina na cabeça, o artista de Azambuja, de 73 anos, canta um fado muito pouco convencional: descontraído, jocoso e a roçar o brejeiro, onde não cabe o provérbio “silêncio que se vai cantar o fado”. Do público que o ouve cantar versos que de tristes e melancólicos não têm nada não se espera mais do que valentes gargalhadas despidas de pudores e embaraços.
Por fazer rir em vez de fazer chorar “não é menos fado”, avisa José Miguel Amador, que nunca chegou a profissional. Nem quis. Levou uma vida de trabalho ligada à pesca e depois à metalurgia com o fado a ser, desde cedo, o fiel companheiro das horas vagas. Afinal, sempre houve os grandes fadistas a cantar, com as suas talentosas vozes, as músicas trágicas e aqueles que por diversão cantavam músicas de fazer rir para aliviar as tragédias das vidas dos outros. E às vezes das suas. José Miguel Amador fez e continua a fazer rir muitas bocas, mesmo aquelas que começam por ter uma expressão sisuda. “Reconheço que há quem não goste mas também há os que dizem que não gostam e quando ouvem partem-se a rir”, afirma.
“Ainda há um certo preconceito em relação ao fado humorístico”
Chegaram a dizer-lhe para não cantar aquelas letras “malandras” porque lhe ficava mal, mas “assim que abria a boca” e balanceava o corpo para a frente e para trás era rara a gargalhada que ficava presa na garganta. “Penso que ainda há um certo pudor e preconceito em relação ao fado humorístico”, diz, acrescentando que prova disso também são os poucos fadistas que optam pelo humor. Mas o fado, vinca, pode ser tudo e o público também. “Uma vez, na zona do Minho, tanto fazia saltar como cantar que ninguém se mexia. Quando assim é custa mas tem que se fazer à mesma”, diz, ressalvando que em cada 100 espectáculos só um é que é menos bom.
O projecto Baixinho do Fado, do qual fazem parte músicos como Luís Grácio na guitarra portuguesa, Barrocas e João Ramos na viola, Adriano da Lapa no acordeão e Ricardo Martins na percussão, surgiu na vida do fadista já depois da reforma, mas o seu percurso artístico começou a desenhar-se na infância e juventude. Nos tempos em que as noites eram passadas na praça do município a contar anedotas ou no palco do antigo Salão Paroquial de Azambuja a interpretar músicas de Amália Rodrigues, Alfredo Marceneiro e Zeca Afonso modificadas por si para se tornarem mais alegres e, algumas, não proibidas.
A inspiração vinha e vem do que lhe acontece a si e aos outros: “de um amigo que fecha uma marisqueira e começa a fazer petiscos num buraco onde todos comem” ou do irmão agricultor que pensava estar a mugir a grande cabra preta até a mulher lhe explicar que estava a mugir o bode.
“Sempre tive gosto em cantar mas não vim de uma família ligada à música”, conta. Longe disso. Como um dos mais velhos entre uma dezena de irmãos, José Miguel Amador partiu em tenra idade para o Tejo e para o mar numa altura em que o sável era “comparado ao ouro branco”. Num barco “a vida era dura” e a solidão do mar enganava-se com cantigas. “Não é por acaso que quase todos os pescadores sabem cantar, tal como os campinos da lezíria”, diz.
Quando nasceu o grupo de fadistas amadores de Azambuja era entre ondas que se debruçava sobre letras de músicas conhecidas para as modificar e cantar enquanto imaginava as melodias da viola e do acordeão. “Depois chegava a Azambuja, diziam-me quanto tempo tinha para cantar e adaptava o que tinha preparado”, recorda o ‘baixinho’ - alcunha dos tempos de escola que deu nome ao projecto musical.
O tema “Zé Maria Nicolau”, um dos mais conhecidos do grupo, conta com 845 mil visualizações no canal de Youtube da Terra Velhinha, um projecto fundado em 2013 com o intuito de recuperar, recriar e divulgar as tradições de Azambuja. Outros temas, como “Azambuja está em Festa”, foram escritos pelo fadista e poeta popular nos idos anos 80, neste caso para ser interpretado na noite de fado vadio da Feira de Maio. Em 2010 lançou, com o apoio da Câmara de Azambuja, o livro “Retratos à La Minuta” onde recorda recantos e histórias da terra que o viu nascer. “Perguntam-me nos espectáculos onde vou buscar tanta energia. Para mim a vida foi e é para continuar a ser levada a rir”, conclui.

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