Sociedade | 08-03-2023 12:00

O desejo de regressar a casa após um ano de guerra

O desejo de regressar a casa após um ano de guerra
Alla Polishchuk e Anatoliy, dois imigrantes ucranianos em Santarém, conhecem bem a realidade e sentimento dos refugiados trazidos pela guerra

Das 72 famílias de refugiados ucranianos acolhidas em Santarém sete voltaram para a Ucrânia e 90% têm a mesma intenção. Anatoliy, ex-militar ucraniano a viver na cidade ribatejana há 10 anos, voltou para treinar soldados que nunca o tinham sido antes do conflito rebentar.

Permanecer num país seguro ou regressar e enfrentar a guerra. A decisão não foi fácil de tomar, mas o amor à pátria e à família falou mais alto. A 23 de Março de 2022 Anatoliy, militar ucraniano na reserva, deixou Santarém, onde vive há uma década, e partiu para a Ucrânia movido pela “vontade de ajudar o [seu] país” e proteger as duas filhas. “Tinha o coração nas mãos, não me perdoaria se lhes acontecesse alguma coisa e não estivesse ao lado delas”. Por cá ficou o filho mais novo, de 19 anos, sozinho, mas num país em paz.
Anatoliy foi considerado apto após os exames médicos, mas não foi chamado para a frente de combate. Ainda assim, recusou ficar parado enquanto pessoas, sobretudo jovens, que antes de estalar o conflito eram tudo menos militares estavam a ser colocadas frente a frente com o invasor. “85% nunca tinha pegado numa arma. Treinei-os durante sete meses, ensinei-lhes técnicas de combate e como manusear uma arma”, conta a O MIRANTE o ex-militar de 59 anos, no dia 24 de Fevereiro, data em que se assinalou um ano da invasão russa à Ucrânia.
A conversa é feita em Santarém, cidade à qual Anatoliy retornou a 23 de Outubro de 2022 com o sentimento de que a sua missão não foi ainda cumprida. O desejo continua a ser o de voltar e, se o chamarem, de se juntar aos militares que resistem à ofensiva russa. Até porque o fim da guerra, opina, não está para breve.
Na vigília organizada pela comunidade ucraniana em frente à Câmara de Santarém, que juntou perto de meia centena de pessoas na tarde de sexta-feira, 24 de Fevereiro, Anatoliy deixou palavras de esperança e fé na vitória que, “infelizmente, vai custar muitas vidas”. Após ter cumprido o minuto de silêncio em memória dos mortos na guerra e de se ter cantado o hino nacional ucraniano de mão no peito, Alla Polishchuk, coordenadora dos refugiados na cidade ribatejana, é convidada a juntar-se à conversa. A cabeleireira, que fala português fluente, conta que Santarém recebeu cerca de 72 famílias de refugiados ucranianos e que, dessas, sete já voltaram ao país de origem.
Mulheres não querem perder a carreira construída na Ucrânia
“Noventa por cento dos que estão aqui querem voltar, não porque estejam mal, até porque têm uma casa e estudam ou trabalham, mas porque não escolheram, como eu escolhi há 22 anos, vir para cá. Estas pessoas vieram porque perceberam que tinham passado a viver num país perigoso e isso não é a mesma coisa”, explica a cabeleireira, proprietária de um salão de beleza em Santarém que dá emprego a uma jovem refugiada.
Recomeçar pode ser difícil, mais ainda quando não se quer um novo começo mas se anseia por voltar à vida que se tinha. É mais ou menos com estas palavras que Alla Polishchuk tenta explicar a realidade das famílias que vieram por medo de morrer na guerra. Neste país, que lhes é estranho, os medos são outros. São as carreiras suspensas - possivelmente destruídas - as famílias separadas, as casas que construíram e que podem nunca mais voltar a habitar.
“Uma advogada, de 38 anos, foi uma das que voltou. Muitas não conseguem mesmo adaptar-se à vida cá. Não dormem, não comem, as crianças choram à noite com saudades da família e dos amigos. As mulheres que conseguiram uma carreira lá, pela qual lutaram a vida toda, não querem perdê-la para sempre”, descreve Alla Polishchuk. Por isso sonham com o dia do regresso ao país onde até poderão “viver com medo mas perto da família”.

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