Não existem diferenças nem complexos para quem tem Síndrome de Down
A Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão com Deficiência Mental do Vale de Santarém acompanha actualmente 25 utentes portadores de Síndrome de Down.
Em Portugal, as estatísticas apontam para que um em cada 800 bebés nasça com Trissomia 21. O MIRANTE assinala o Dia Internacional do Síndrome de Down, que se comemora a 21 de Março, com uma reportagem que desmonta estigmas e preconceitos.
Ana Silva tem 47 anos e é responsável por atender o telefone e abrir a porta na delegação de Santarém da APPACDM (Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão com Deficiência Mental). É o rosto e a voz da instituição no Vale de Santarém e diz, com orgulho, que adora a sua cara. Além disso, integra os grupos de poesia, teatro, coro, pratica natação e faz tapetes de arraiolos. “A Trissomia 21 não me impede de fazer nada. Consigo fazer tudo. Não existem diferenças nem complexos, só na cabeça de algumas pessoas”, afirma a O MIRANTE com um sorriso rasgado.
O MIRANTE esteve nas instalações da Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) a propósito do Dia Internacional da Síndrome de Down que se assinalou a 21 de Março. Ali estão 25 utentes com essa condição. Ana Silva está na APPACDM há cerca de 30 anos e vive em Vilgateira, concelho de Santarém. Apanha o autocarro sozinha até Santarém e depois vai para o Vale de Santarém na carrinha da APPACDM.
Ana Luísa Paveia, de 39 anos, tem grande autonomia e trabalha no Jardim-de-Infância da Fonte Boa. A carrinha da APPACDM leva-a até ao local de trabalho e depois vai buscá-la. Deixa-a na Rodoviária e segue sozinha para casa, em Santarém. Adora o trabalho que faz: enche garrafas de água, muda os lençóis das camas das crianças para as sestas, ajuda a lavar a loiça e dá-se muito bem com as suas colegas de trabalho. “Sinto-me útil e adoro trabalhar”, confessa a O MIRANTE.
A directora técnica da APPACDM, Marta Estêvão, explica que a instituição estabeleceu um protocolo com o complexo da Fonte Boa que permite a integração da utente. Quando não trabalhava praticava ginástica, remo, natação, dança e jogava à bola. Agora, com grande parte do tempo ocupado, apenas pratica hipoterapia.
André Filipe, de 39 anos, é de Casével e e gosta de trabalhos ligados à agricultura. Passa o dia na APPACDM e tem-se destacado no desporto. Pratica natação, coferball (basquetebol adaptado) e atletismo, tendo sido recordista mundial da modalidade no mês de Janeiro. Marta Estêvão trabalha na IPSS há 21 anos e garante que os utentes são felizes e os funcionários também. “São nossa família. Quando um deles morre é muito complicado para nós. Todos temos uma história com cada um e eles dão-nos tanto, tanto amor. Dão-nos motivação e vontade de trabalhar todos os dias e são pessoas realmente especiais”, garante.
A psicóloga da APPACDM, Carla Redol, explica que vai existindo espaço na comunidade para integrar pessoas com Síndrome de Down mas ainda é preciso sensibilizar mais as empresas. “É mais fácil integrar quem tem uma deficiência mais ligeira. Tentamos sensibilizar as empresas porque aqueles que têm maior capacidade querem muito trabalhar, querem sentir-se úteis e é fundamental incluí-los na sociedade. Queremos acreditar que já não se olha para as pessoas com Síndrome de Down de maneira diferente”, refere Carla Redol.
A psicóloga considera que ainda existe algum receio, até da própria família, para que as pessoas com Down tenham a sua própria família. “Este síndrome é uma condição genética mas também pode estar associada à hereditariedade. Construir uma família depende muito do grau de limitação da pessoa, mas dificilmente conseguem gerir uma casa, contas; a sua capacidade intelectual não lhes permite fazerem tanto e por isso torna-se complicado, embora existam casos em que pessoas com Down têm filhos e a sua própria família”, sublinha Carla Redol.
Faltam estruturas residenciais para pessoas com deficiência
Há falta de estruturas residenciais para pessoas com deficiência na APPACDM que tem uma lista de espera de 57 pessoas. Segundo Marta Estêvão, a última residência que abriram no Cartaxo foi em 2014. Actualmente têm um projecto, que candidataram ao Programa PARES, para alargar essa residência para mais 18 camas mas estão à espera de aprovação. Será um investimento a rondar um milhão de euros.
O presidente da APPACDM, Luís Amaral, explica que instituições como a que lidera não têm recursos financeiros suficientes para construir estruturas residenciais. Luís Amaral frisa que existem utentes que já se justificava estarem na instituição durante a noite. “Há pais com idades muito avançadas que já não têm capacidade física para cuidar dos filhos. Temos esta preocupação mas a verdade é que não temos respostas. Queremos construir camas mas não há dinheiro e o investimento do Estado tarda”, lamenta.
Luís Amaral teve o seu primeiro contacto com a APPACDM em 1990. A sua filha, Catarina, de 42 anos, nasceu com uma deficiência profunda e o presidente confessa que todos os dias pensa no futuro da sua filha. “Ter um filho com uma deficiência é sempre um choque. Foi necessário fazer o luto dos sonhos que projectei para a minha filha. Não é fácil e não existiam as ajudas que há hoje. O caso da minha filha é complicado e não sei se a APPACDM tem condições, em termos de residências permanentes, neste momento não tem porque é uma deficiência muito profunda. Quanto mais velho fico mais preocupado também fico com a minha filha”, refere Luís Amaral que preside à APPACDM há 16 anos.