Estado contesta acção popular das vítimas de legionella de VFX
Estado entende que quem sofreu na pele com o surto de legionella da Adubos de Portugal não tem razão e o processo está a andar a passo de caracol no Tribunal Administrativo de Lisboa.
O Estado português e os ministérios do Ambiente e da Saúde apresentaram contestação à acção popular colocada em tribunal pela Associação de Apoio às Vítimas do Surto de Legionella de Vila Franca de Xira. A acção popular, entregue pela associação no Tribunal Administrativo de Lisboa em Novembro de 2019, reclama 2,6 milhões de euros de indemnização para as 330 pessoas que viram os seus processos em tribunal arquivados e que, até hoje, não conseguiram estabelecer um nexo de causalidade entre o surto e os seus problemas de saúde.
O Estado e os ministérios apresentaram contestação por entenderem que não assiste razão às vítimas e por considerarem que não deve ser a associação a apresentar a acção mas sim os lesados individualmente. A contestação foi apresentada em Setembro de 2021 mas ainda se aguarda que o juiz do processo possa convocar uma conferência entre as partes. Entretanto esteve também aberto um período para que todas as vítimas interessadas se pudessem constituir como assistentes no processo. Em Outubro do ano passado o processo já estava pronto para sair da secretaria e ser remetido ao juiz, avança a O MIRANTE a advogada da associação, Ana Severino. Só depois da conclusão da acção popular, em caso de desfecho desfavorável, dará entrada no Tribunal Europeu a acção seguinte.
Nove anos depois do terceiro maior surto de legionella do mundo a acção popular reclama nunca menos de 8.050 euros para cada uma das 330 vítimas que não foram contempladas no processo-crime movido pelo Ministério Público. Processo esse que, recorde-se, acabou com os autores do surto, a empresa Adubos de Portugal do Forte da Casa, a chegar a acordo financeiro com as vítimas (ver caixa).
MP acusado de actuar tarde
Na argumentação jurídica da acção é considerado que os responsáveis públicos tomaram a decisão de realizar análises por amostragem a apenas 152 das mais de 400 vítimas do surto e que essas mesmas pessoas nunca tiveram forma de estabelecer prova da causa-efeito. Esse é, para os autores da acção, um elemento essencial para poderem ser imputadas responsabilidades pelos danos causados. Há também outros dados na acção, incluindo casos de doentes que revelaram estirpes de legionella diferente da que foi identificada nas 73 vítimas da acção principal.
A acção popular acusa o Ministério Público de actuar tardiamente - só três dias depois da Direcção-Geral de Saúde ter conhecimento de pelo menos 18 utentes com legionella em VFX - e numa altura em que dez pessoas já tinham morrido. Esta actuação tardia permitiu, no entender dos autores da acção, que à medida que a doença se foi propagando parte das provas desaparecessem.
Empresas escaparam ao julgamento
O surto aconteceu em Novembro de 2014 e afectou sobretudo as freguesias de Alverca, Vialonga, Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa. Causou 12 mortes e infectou quase 400 pessoas. Em Março de 2017 o Ministério Público deduziu acusação contra as empresas e sete trabalhadores da ADP por responsabilidades no surto. No entanto o Ministério Público apenas conseguiu estabelecer um nexo de causalidade em 73 das pessoas afectadas e em oito das 12 vítimas mortais.
Os nove arguidos pediram a abertura da instrução para um juiz decidir se o processo seguia, e em que moldes, para julgamento. E foi precisamente nesta fase que os acordos foram celebrados e o processo arquivado depois dos arguidos acenarem com dinheiro às vítimas para que o caso não seguisse para julgamento: 22.500 euros para os familiares de quem morreu e 12.500 euros para quem sofreu problemas de saúde.
As restantes vítimas, que aceitaram as propostas numa primeira fase das negociações, levaram para casa pouco mais de oito mil euros. Além disso, as empresas ficaram obrigadas a pagar 650 mil euros aos hospitais que prestaram assistência médica às vítimas.