Lei que obrigava à publicação nos jornais, dos fundos comunitários recebidos, nunca foi cumprida
A transparência que se pretendia nunca existiu e a queixa de O MIRANTE feita em 2021 foi desvalorizada. A independência dos jornais também foi prejudicada e o Governo em vez de resolver o assunto acabou com a obrigatoriedade.
Os beneficiários de Fundos Europeus no âmbito do Portugal 2020 (2014-2020) não cumpriram a obrigação de publicar na imprensa local, regional e nacional, em suporte de papel ou digital, anúncios sobre os montantes recebidos.
Perante a contínua violação do nº 80 do Decreto-Lei nº 137/2014, de 12 de Setembro, que a isso obrigava, O MIRANTE reclamou junto da Provedora de Justiça, em Janeiro de 2021.
Na altura, segundo informação do Boletim Informativo dos Fundos da União Europeia referente a 31 de Março de 2020, já tinham sido aprovadas 50 mil candidaturas, no montante de 12 mil milhões de euros (47% do total), o que significava que, para além da violação do princípio da transparência, essencial na gestão de fundos europeus, tinham ficado por pagar mais de 15 milhões de euros em publicidade, aos jornais (contas feitas, com base em anúncios de 300 euros por cada publicação, valor baixo relativamente ao mercado, atendendo ao que muitos jornais praticam).
Para além do incumprimento da legislação pelas entidades públicas e privadas beneficiárias O MIRANTE dizia que, tão pouco - quanto era do conhecimento público - havia registo de controlo e fiscalização por parte das autoridades de gestão competentes para garantir o efectivo cumprimento desta obrigação legal ou de terem sido desencadeados por parte destas entidades quaisquer procedimentos administrativos tendentes à averiguação do cumprimento da obrigação legal de publicitação.
A resposta da Provedoria, em Abril desse ano (2021), chegou, pouco desenvolvida, contraditória e omissa quanto ao âmbito da queixa, onde era pedido, entre outras coisas que fosse recomendado ao Estado português, que corrigisse as omissões obrigando os beneficiários incumpridores do Portugal 2020 a fazer as publicações em falta, na medida em que aquela obrigação ainda podia ser cumprida. Era pedido ainda, que fosse mantida a obrigação legal de publicitação pelos beneficiários nos órgãos de imprensa local, regional e nacional, assim como o respectivo dever de fiscalização pelas Autoridades de Gestão na regulamentação dos próximos fundos, instrumentos e programas europeus, designadamente no “Portugal 2030”.
A Provedoria limitou-se a dar conhecimento a O MIRANTE das respostas que lhe tinham sido enviadas pela CCDRLVT (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo) relativas ao POR (Programa Operacional) Lisboa, que não engloba a maior parte dos concelhos abrangidos por O MIRANTE, informando que as entidades beneficiárias dos fundos naquela zona do país tinham gasto entre 2014 e 2020, pouco mais de seis mil euros (6.150,15 euros) e apenas em 2015, 2016 e 2018. E, perante a evidência da veracidade do conteúdo da queixa de O MIRANTE, dizia que não se justificava “prosseguir com a instrução do procedimento” e informava ter feito uma “chamada de atenção” àquela entidade para que fosse “promovida, sem excepções, a publicitação pelos canais adequados de todos os apoios financeiros atribuídos, com o objectivo de assegurar a necessária e cada vez mais desejável transparência na gestão, concessão e fiscalização de fundos públicos”. E garantia que ficaria atenta à evolução do assunto, não prescindindo de uma nova intervenção se se viesse a justificar.
Na prática, nem os beneficiários foram obrigados a rectificar a ilegalidade; nem as entidades fiscalizaram o que deviam fiscalizar e numa altura em que se prepara o lançamento dos primeiros concursos do Portugal 2030 (que tem 23 mil milhões de fundos para Portugal) o Governo acabou com a obrigatoriedade da divulgação das candidaturas aprovadas nos jornais locais, regionais e nacionais, passando as mesmas a ser publicadas (artº 39º do Decreto-Lei 5/2023) apenas no site do Portal dos Fundos Europeus e no Portal Mais Transparência e apenas três vezes ao ano.
Nem transparência nem independência
O artigo 80 do Decreto-Lei nº 137/2014, de 12 de Setembro, pretendia criar maior transparência e controle sobre a aplicação de fundos europeus através da obrigação de publicitação das operações aprovadas pelos beneficiários num dos dois jornais locais ou regionais de maior circulação do concelho ou dos concelhos onde a operação era executada, bem como num jornal de âmbito nacional.
Ao mesmo tempo, com a cobrança dos anúncios das operações aprovadas, garantia ser possível contribuir para a sustentabilidade e independência dos jornais e rádios locais e nacionais já que para informar os cidadãos e, desta feita, controlar o poder político e a actividade administrativa era necessário que tivessem não apenas recursos, mas também técnicos e jornalistas a quem pudessem remunerar de forma justa.
Como o legalmente estabelecido não foi cumprido, quem perdeu foi a transparência na utilização dos fundos e a independência e capacidade dos jornais para dar a informação.
Em vez de corrigir aquela situação o actual Governo, ao acabar com a obrigatoriedade de publicitação nos jornais e optar por divulgar a informação em plataformas digitais, ignorando que, devido à actual falta de literacia digital, não cumprem a obrigação de informar o público, porque o cidadão comum não vai a esses sítios, acaba por prejudicar a transparência dos actos e o exercício da cidadania.