Afluentes poluídos e com elevada salinidade são dos maiores problemas do rio Tejo
Afluentes e valas de Azambuja a Santarém apresentam maiores níveis de poluição e salinidade do que as águas do rio Tejo.
O sal que prejudica a agricultura não sobe o rio vindo do Oceano Atlântico e para salvar o maior rio da Península Ibérica é preciso cuidar dos seus afluentes, defendeu a geóloga Anabela Cruces no Fórum Ibérico do Tejo.
A poluição, a falta de oxigénio e os elevados níveis de salinidade na água são alguns dos problemas que preocupam os académicos que dedicam o seu tempo a estudar o passado, o presente e o futuro do rio Tejo. Mas onde começa e acaba este problema? Como se resolve? Estas foram algumas das problemáticas abordadas por Anabela Cruces, professora doutorada em Geologia do Ambiente, no 4º Fórum Ibérico do Tejo que juntou empresários, ambientalistas e académicos no auditório da biblioteca Fábrica das Palavras, em Vila Franca de Xira, nos dias 15 e 16 de Abril.
Baseando-se em amostragens de diversos estudos Anabela Cruces alertou para a pior qualidade da água nas ribeiras que descarregam na Vala de Azambuja - que só é transparente nos 10 ou 20 centímetros de profundidade - e que, por sua vez, vai parar ao rio Tejo, onde as águas são transparentes até aos 90 centímetros de profundidade, ou seja, menos poluídas. “Temos que olhar para os afluentes porque entre Santarém e Azambuja temos pior qualidade da água nas ribeiras que estão a drenar para dentro da vala de Azambuja, que está a descarregar água contaminada no Tejo”, afirmou, sublinhando que “as águas que vão no Tejo são mais limpas” que as das ribeiras.
A O MIRANTE, no final da sua apresentação sobre a poluição nos afluentes e a qualidade da água no Tejo, a professora referiu que “a maioria das fontes de contaminação está identificada” e defendeu a necessidade de serem feitos investimentos para mitigar essas fontes de poluição, sejam elas industriais ou domésticas. “Quando nos cingimos a olhar para o canal principal estamos a desviar o foco do problema porque as situações preocupantes estão a montante”, disse, acrescentando que são necessários “mais estudos” para que se perceba melhor como é que o estuário do Tejo se comporta de Muge a Azambuja porque, vincou, o estuário não acaba em Vila Franca de Xira.
Anabela Cruces deixou também uma mensagem aos municípios sobre o “importante papel” que têm na identificação dos focos de poluição para que possam ser extintos. “Sabemos que existem descargas pontuais, tubos ladrões, falta de saneamento e outros problemas por essas ribeiras acima. É preciso fazer um mapeamento destas situações conhecendo as suas origens e lançar campanhas para educar e sensibilizar a comunidade que tem um importante papel”, vinca.
Sobre a salinidade, uma das problemáticas que tem prejudicado culturas agrícolas na região e motivado queixas entre os agricultores, Anabela Cruces chamou a atenção para amostras em profundidade e à superfície que comprovam que o sal não vem do Oceano Atlântico mas, mais uma vez, da poluição drenada pelas ribeiras e valas agrícolas a montante. “Parece estar invertido mas se calhar esta água com maior salinidade que os agricultores estão a detectar nas valas que usam para fazer a rega nos campos não vem do oceano, mas dos sais dissolvidos” - provenientes de poluentes que podem ser de origem doméstica, industrial ou agrícola -, sustentou, depois de afirmar que não há dúvida que existem “melhores condições e mais oxigénio no rio” do que nas linhas de água que nele desaguam.
O Tejo não nasceu só em Espanha e os mouchões são figuras móveis
Perante uma plateia dividida entre portugueses e espanhóis Anabela Cruzes fez questão de recuar 40 milhões de anos para explicar que existiu um pré-Tejo que começou por estar dividido em duas bacias - uma em Portugal e outra em Espanha - até que ambas se tocaram e passaram a ser uma só. “Pode dizer-se que o Tejo português aprisionou o Tejo espanhol e passaram os dois a correr para o Oceano Atlântico.
A falar num concelho onde se situa a maior ilha do Tejo, o mouchão da Póvoa de Santa Iria, que está há vários anos em risco de ficar submerso, a professora também fez questão de explicar que está comprovado por imagens satélite que os mouchões que existem ao longo do rio “são figuras móveis” que apenas se começam a fixar quando a vegetação, com as suas raízes, os prende ou quando são construídos diques. “Mas não é por isso que o mouchão deixa de entrar em erosão”, processo que pode alterar a sua forma e dimensão ao longo dos anos.
Questionada pelo nosso jornal sobre se é uma boa decisão investir-se financeiramente na preservação de um mouchão, Anabela Cruces disse que essa deve ser sempre uma “decisão bem reflectida e debatida por especialistas”, alertando que por vezes “as intervenções podem ser mais prejudiciais do que benéficas”.
Recorde-se que no caso do mouchão da Póvoa de Santa Iria, que tem cerca de 810 hectares, o Estado e a Agência Portuguesa do Ambiente estão a planear gastar dois milhões de euros a reparar um dique que está a inundar o mouchão que é propriedade privada. “Claro que existem decisões políticas, mas estas formas são móveis por natureza e o rio está em constante movimento”, concluiu.