Educar as crianças à palmada e puxão de orelhas é “acto abusivo” e “retrógrado”
Palestra “Nem mais uma palmada” realizada na Escola Secundária de Benavente alertou para a necessidade de prevenir os maus tratos na infância.
Presidente do Instituto de Apoio à Criança, Dulce Rocha, diz que é urgente acabar com a ideia que a boa educação é feita de uma bela chapada quando tem de ser.
Reprimir ou educar as crianças à palmada ou com puxões de orelhas é um acto abusivo e retrógrado que precisa de ser desmistificado para alterar mentalidades. A convicção veio a lume numa palestra promovida na Escola Secundária de Benavente na tarde de sexta-feira, 28 de Abril, no âmbito do mês da prevenção dos maus tratos na infância.
A principal palestrante, Dulce Rocha, presidente executiva do Instituto de Apoio à Criança (IAC), não hesitou em lembrar que a ideia de educar à estalada é um fenómeno que tarda em ser eliminado da sociedade portuguesa. “É errado dar palmadas. Não se aprende mais por ter uma educação restritiva e severa. Dar uma bofetada numa criança não a disciplina em nada. Ela não fica mais obediente, pelo contrário, só tem efeitos negativos. A criança que é violentada, mesmo que as pessoas considerem que é um castigo leve, geralmente é uma criança humilhada, insegura, menos curiosa e que está muitas vezes numa situação de hipervigilância”, explica a responsável a O MIRANTE.
Dulce Rocha, que já foi presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco e procuradora do Ministério Público, lembra que a sintomatologia apresentada por crianças que sofrem lesões graves é muito semelhante à que apresentam crianças educadas de forma mais severa. “Há a segregação forte de cortisol (hormona do stress) e essas crianças apresentam níveis superiores de inflamação. Isso é resultado de vários estudos incluindo um português, coordenado por Henrique Barros e feito a cinco mil crianças e que chegou a conclusões que nem ele esperava”, revela.
Para algumas crianças a sala de aula é o seu refúgio
Na sua palestra em Benavente a responsável diz não ter dúvidas que educar as crianças à base de estalos ou outras formas de abuso físico é severamente prejudicial para o seu futuro. “Gera não apenas a baixa auto-estima, insegurança e sentimentos suicidas, ansiedades e depressão, como há também uma ligação forte a problemas de nível físico”, alerta. A presidente do IAC lembra que muito tem sido feito para acabar com o abuso físico das crianças mas avisa que Portugal está adormecido sobre o problema. “É importante consciencializar as pessoas para isso. Está na hora de exigir uma grande campanha governamental sobre este assunto”, apela.
A cultura de desresponsabilização dos agressores, um sistema judicial que não protege as vítimas e a normalização da violência continuam a ser outros problemas identificados que dificultam a protecção e a prevenção de maus tratos na infância. Na Escola Secundária de Benavente estão três psicólogos e professores atentos a comportamentos dos jovens que possam indiciar perigo. “Para algumas destas crianças a sala de aula é o seu conforto e o seu refúgio e por isso temos de nos assegurar que se sentem bem aqui”, lembrou Rosa Teixeira, da direcção da escola.
É importante denunciar
No debate realizado no final da palestra a mãe de uma jovem deu o seu testemunho para alertar para a necessidade de nunca se deixar de denunciar situações suspeitas às autoridades policiais, no caso, à GNR. A filha, menor, começou a ser alvo de assédio de um homem em Benavente que a chegou a perseguir até às aulas de música. Valeu a atitude da mãe, que rapidamente identificou o homem e o denunciou na GNR, permitindo que os militares o abordassem e o caso fosse acompanhado. Estatisticamente, as raparigas são quem mais denuncia e releva os abusos sexuais ou tentativas e abordagens de eventuais predadores. “Os rapazes escondem mais. Nisso as raparigas têm mais facilidade de falar”, garante Dulce Rocha.