Vila Franca de Xira sinaliza e apoia idosos em risco através do projecto Pontes
O projecto Pontes, da responsabilidade da Câmara de Vila Franca de Xira, já sinalizou 527 idosos em situação de isolamento ou que não têm apoio. O programa funciona em rede e conta com a colaboração de diversas entidades. O objectivo é encontrar soluções para um final de vida com dignidade.
Prevenir e reduzir o risco de isolamento e solidão nos idosos é um dos objectivos do projecto Pontes da Câmara de Vila Franca de Xira. Todas as pessoas com mais de 55 anos que estão geo-referenciadas na plataforma informática deste programa são acompanhadas pela técnica do serviço social municipal, Carla Veiga, que está afecta ao projecto. O tipo de acompanhamento depende da classificação de risco em que a pessoa se encontra.
O programa está integrado na estratégia nacional para o envelhecimento activo. Até à data foram identificadas 527 pessoas, sendo que actualmente estão activas na geo-referenciação 430. No número de idosos activos estão incluídos os 115 que têm tele-assistência, móvel e fixa, através de serviço prestado pela Cruz Vermelha. Trata-se de um serviço telefónico de apoio permanente, concebido para dar uma resposta imediata em qualquer situação de emergência, insegurança ou solidão.
O projecto Pontes surgiu numa altura em que havia registo de pessoas que acabavam por morrer sozinhas em zonas urbanas. Ou seja, uma franja da população estava sem suporte. O programa faz um diagnóstico e um trabalho de proximidade com a comunidade para criar essa rede. Farmácias, cafés, mercearias, vizinhos, todos podem sinalizar um idoso. As pessoas também são encaminhadas para o projecto através da linha gratuita de apoio ao idoso. A vereadora com o pelouro da Acção Social no município de Vila Franca de Xira, Manuela Ralha, conta que já ligaram através da linha pessoas com fome. A situação é resolvida na altura mas é feito um diagnóstico social que permite um acompanhamento ao longo do tempo.
O projecto ficou parado por causa da pandemia e começou a ser trabalhado em 2022. Agora é necessário ultrapassar a questão da protecção de dados e dar acesso à plataforma do Pontes às forças de segurança. “Muitos idosos são sinalizados pela PSP e GNR. Imaginem que encontram um idoso a deambular. Através dos documentos podem ver se a pessoa já estava referenciada e, se não estiver, pode passar a ser. Isto vai permitir perceber os reais problemas de cada território”, explica a autarca.
A sinalização dos idosos em risco é feita em rede e em parceria com várias entidades e as respostas podem passar por apoio domiciliário, reencaminhamento para um lar, centro de dia ou serviços de enfermagem. A assistente social Carla Veiga lembra que a estrutura da família mudou e não existe disponibilidade para tomar conta dos mais velhos. Há também situações de conflitos familiares em que os filhos se demitem da função de tratar dos pais. A técnica relata ainda casos de violência doméstica contra idosos em que o processo é encaminhado para o Ministério Público. “Tive uma senhora de Alverca com tele-assistência que me disse que o primeiro número de telefone que tinha na lista era o meu porque se acontecesse alguma coisa não ia ligar para os filhos. Isto dá uma perspectiva do que tem sido feito pelo Pontes”, diz Carla Veiga.
Famílias sem possibilidade de cuidar dos seus
O técnico da Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca de Xira, Pedro Francisco, 39 anos, diz a O MIRANTE que quando um idoso procura um lar está em situação de emergência. Porque quem está lúcido e consegue ter autonomia procura ter apoio domiciliário. “O centro de dia hoje é quase uma porta de entrada para o lar. Pedem-nos ajuda porque já não podem estar sozinhos. Mas não podemos esquecer também que o apoio domiciliário contribui para o isolamento. Um idoso que passa anos em casa começa a descurar a higiene. Encontramos situações de risco em que não tomam como deve ser os medicamentos e não fazem refeições. Alimentam-se de lanches e estão desnutridos porque não cozinham só para eles”, alerta o técnico.
Pedro Francisco trabalha há 15 anos na Santa Casa, uma instituição parceira do Pontes. Nos casos mais gritantes diz que não descansa até encontrar uma solução. Mas mesmo sabendo que estão em risco, as pessoas às vezes não aceitam as saídas propostas e há que negociar. “Costumo dizer, em jeito de brincadeira, que antigamente o idoso andava vestido de preto, lenço na cabeça e avental. Hoje olhamos o indivíduo isoladamente e vemos como funciona. É isso que tento fazer”, afirma.
Uma das idosas ajudada pelo Pontes, e que está na valência de lar da Misericórdia de VFX é Odete Cardina, 77 anos. Morou dez anos em casa de uma filha, chegou a morar num quarto em Povos, em Alenquer, e com uma prima. Com problemas de saúde foi sinalizada para o programa pela psicóloga. O trabalho que foi feito em equipa permitiu a Odete encontrar um lar para viver com dignidade.
Idosos que têm apoio em casa
Há 24 anos a viver no Forte da Casa, a moçambicana Raquel Santos, 79 anos, foi sinalizada através da médica que tinha no Centro de Saúde do Forte da Casa. Está viúva e não tem filhos. Vive sozinha num 3º andar sem elevador mas diz orgulhosamente a O MIRANTE que sobe as escadas, de muletas, ao seu ritmo. Em Moçambique trabalhou num laboratório militar como dactilógrafa e em Portugal limpava escadas, até há dois anos. A casa é arrendada e de rendimentos tem a pensão de viuvez e o complemento solidário para idosos. O Pontes arranjou-lhe apoio domiciliário, com a entrega do almoço todos os dias, e lavagem da roupa. Conta ainda com o apoio das vizinhas que estão em contacto com a técnica do projecto caso seja necessário.
Aconselhado pelo fisioterapeuta, Jaime Sardinha, 85 anos, dirigiu-se à câmara para pedir ajuda. Casado há 67 anos, cuida da esposa com quem vive na cidade de Vila Franca de Xira. Jaime recusa a ida da mulher para um lar. Conta com ajuda externa para a higiene da esposa e limpeza da casa mas as refeições são feitas por ele. Só sai de casa para ir às compras e não deixa a esposa sozinha. Não quer dar trabalho aos filhos e entende que o dever dele é cuidar da mulher. “O Jaime e a família têm sempre poder de decisão. Mas vamos sempre mantendo o diálogo”, diz Carla Veiga.