As lutas dos enfermeiros continuam por vencer
Pedro Lopes é um enfermeiro entre mulheres no bloco de partos do Hospital de Vila Franca de Xira. Fátima Esteves desempenha funções no Hospital Distrital de Santarém desde que concluiu o curso de Enfermagem.
O reconhecimento dos utentes conforta-os, mas não lhes devolve as horas a mais e os impasses na actualização salarial e progressão das carreiras. Dois testemunhos a propósito do Dia Internacional da Enfermagem, que se assinalou a 12 de Maio.
A alegria de ajudar a nascer uma nova vida motivou Pedro Lopes a trabalhar como enfermeiro no bloco de partos do Hospital de Vila Franca de Xira (HVFX). Tremia como varas verdes quando realizou o primeiro parto, no antigo Hospital Reynaldo dos Santos, em Vila Franca de Xira. Na altura, durante a noite, só ficava um enfermeiro no bloco de partos com uma auxiliar e outro enfermeiro na ginecologia. Com a ajuda da equipa superou a primeira experiência e só no primeiro ano ajudou a nascer 232 bebés. A partir daí deixou de contar.
Pedro Lopes, 46 anos, natural de Bragança, trabalha no bloco de partos do HVFX e é condutor de Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação (VMER). Acompanha diariamente mulheres durante e após o parto, incluindo cesarianas. Sempre soube que havia mais mulheres do que homens na enfermagem mas nunca se importou. Segundo a Ordem dos Enfermeiros, no início de 2018 existiam em Portugal 71.802 enfermeiros, sendo 58.939 mulheres e 12.863 homens. E há serviços específicos quase exclusivos das mulheres, como é o caso do bloco de partos.
No curso de enfermagem partilhava a sala com 47 futuras enfermeiras e apenas nove homens. Ainda pensou ser informático de gestão, mas a paixão pela área falou mais alto. “Não pensei nas condicionantes da profissão porque gostava. Mas os problemas que havia na altura são os mesmos de agora: cansaço, excesso de turnos, valorização salarial, idade da reforma. Com 67 anos a fazer noites e fins-de-semana, sem horários regulares é penoso”, diz a O MIRANTE.
Após o curso começou a trabalhar, em 1999, no Hospital de Santa Marta, em Lisboa, no serviço de medicina para homens. Foi para Guimarães e trabalhou no hospital, ao mesmo tempo que se especializou como enfermeiro parteiro. Passou pelas urgências, cuidados intensivos e INEM. Lidou de perto com a morte até decidir que queria trabalhar com a vida, ajudando o nascimento.
No bloco de partos consegue aliviar um pouco do serviço que presta nas VMER. Durante a semana, quando saem os horários do hospital, já sabe as horas que vai dedicar a esse serviço. Quando é activado via rádio ou telemóvel cai uma ficha no computador. Sabe se é uma alergia, um acidente ou um problema médico mas nunca sabe em que estado vai encontrar as pessoas. Pedro Lopes vai sempre a conduzir as VMER. Na sua cabeça há sempre episódios nas gavetas. Não consegue desligar e quando passa nos locais das ocorrências regressam as memórias que lhe tiram o sono.
Reconhecimento é o melhor que se leva da profissão
Fátima Esteves é enfermeira há 38 anos e confessa que a morte de pacientes é e será sempre um momento marcante com que lida na profissão. Não raras vezes houve utentes que esperaram que iniciasse o turno para morrerem. “Quando me viram disseram ‘já chegaste, já posso partir mais descansada’. É sempre difícil perder alguém, mesmo um paciente porque criamos laços”, conta a enfermeira de 60 anos que trabalha no Hospital Distrital de Santarém (HDS).
Na opinião da enfermeira natural da Guarda, que pensou seguir Medicina mas acabou por enveredar por Enfermagem à revelia dos pais, para se ser um bom profissional de saúde tem que se ver o doente como um todo e não acreditar em tudo o que lhe dizem. “Temos que saber avaliar, reavaliar, envolvê-lo no seu próprio tratamento e também à sua família. Temos que perder tempo a ouvir. Muitos doentes não nos dizem a verdade. Alguns dizem que tomam os medicamentos, mas depois não há dinheiro para comprá-los. E com conversa conseguimos perceber isso tudo”, afirma Fátima Esteves, actualmente afecta ao Hospital de Dia e serviço de Cardiologia do HDS, unidade de saúde onde trabalha desde que concluiu os estudos.
Ser enfermeiro é também, muitas vezes, ter de desempenhar o papel de psicólogo de serviço para aqueles que precisam de desabafar; ser um ombro amigo ao mesmo tempo que se é profissional. “Tenho antigos pacientes que passam pelo meu serviço para me apresentarem os filhos ou netos. Uma vez fui convidada para ir a um baile com doentes de Ortopedia. E fui. Isto é o melhor que se leva desta profissão”, confessa a enfermeira que perdeu a conta às noites de Natal e dias de Ano Novo que passou nos corredores do hospital.
Falta de pessoal, de tempo e de progressão salarial
Pedro Lopes não é aumentado desde 2009 e ganha o mesmo salário que os enfermeiros que não tiraram a especialidade. “Os decisores políticos não sabem o que um enfermeiro faz, atribuem um número. As pessoas deixam de ser pessoas e passam a ser números. As decisões são tomadas através de uma tabela de Excel”, diz.
O enfermeiro relata que a falta de pessoal já vem desde o antigo hospital de VFX. Amenizou quando o grupo José de Mello Saúde estava a gerir o HVFX em regime de parceria público-privada (PPP), porque havia mais pessoal no bloco de partos, pois eram permitidas contratações a recibos verdes e os profissionais de saúde faziam mais horas em regime de prestação de serviços. Mesmo assim, no último ano a gerir o HVFX, a PPP não conseguiu contratar nenhum enfermeiro efectivo para o bloco de partos.
Lamenta a falta de empatia da própria sociedade que se reflecte nas idas às urgências do hospital, mas reconhece que “ninguém gosta de estar horas sentado numa cadeira” e que esse facto “é fruto da falta de pessoal e decisões políticas”. Quanto ao futuro da profissão, questiona se bastará um aumento salarial para quem tem de fazer turnos fins-de-semana e reformar-se aos 67 anos a receber 1.200 ou 1.300 euros.