Perdeu as pernas, foi despedido da junta da Póvoa e espera há anos por decisão do tribunal
Ricardo Cupertino perdeu as duas pernas num acidente de comboio há 34 anos e desde então desloca-se em cadeira de rodas. A União de Freguesias da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa despediu-o e o morador está há quatro anos à espera que o Tribunal Administrativo de Lisboa decida quem tem razão no diferendo.
Há quatro anos que Ricardo Cupertino espera sentado, na cadeira de rodas em que se desloca, por uma decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa referente ao processo de despedimento de que foi alvo por parte da União de Freguesias da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa. O processo deu entrada no tribunal em 2019 mas desde então não tem tido grandes desenvolvimentos, à excepção da pronúncia da junta de freguesia, em 2021. Desde essa altura está para decisão do juiz mas sem previsão de quando isso possa acontecer.
“Não se admite na nossa justiça um processo estar tanto tempo encalhado num tribunal sem novidades e sem se saber nada. Na junta deram-me um chuto no rabo e mandaram-me embora com uma mão à frente e outra atrás. Não se despede uma pessoa assim sem mais nem menos”, lamenta Ricardo Cupertino a O MIRANTE.
Para o morador do Forte da Casa, a demora na justiça é uma falta de respeito por quem hoje não consegue encontrar trabalho e vive na casa dos pais com apoios sociais de poucas centenas de euros. Ricardo Cupertino perdeu as duas pernas num acidente ferroviário em Santa Apolónia quando tinha 17 anos. Viu as pernas serem decepadas no fosso existente entre as composições e a plataforma enquanto saía do comboio. Na altura trabalhava num supermercado e o caso foi considerado acidente de trabalho. Uma infelicidade que ainda hoje lhe embarga a voz e que lhe mudou a vida para sempre.
Meses depois do acidente entrou na junta de freguesia onde trabalhava na secção de contabilidade, tesouraria e orçamento. Esteve na junta durante duas décadas e devido à gravidade dos ferimentos sempre foi precisando de intervenções cirúrgicas recorrentes, o que leva a prolongados períodos de baixa. Durante 15 anos foi trabalhando a espaços, uns meses a trabalhar e outros de baixa enquanto recuperava.
A junta de freguesia, à data presidida por Jorge Ribeiro (PS), diz que num dos momentos o trabalhador não apresentou toda a documentação que era exigida para poder ficar ausente do serviço, nomeadamente as baixas médicas, e decidiu, em reunião de executivo de 21 de Março de 2018, abrir-lhe um processo disciplinar. Ricardo Cupertino não compareceu nas audiências do processo disciplinar, alegadamente por se encontrar fora da sua residência a realizar tratamentos quando foi notificado; e por isso, em reunião da junta realizada em 19 de Dezembro de 2018, foi deliberada a sanção disciplinar de despedimento, por se entender que o comportamento do arguido inviabilizava a manutenção do vínculo de emprego público por violação do dever geral de assiduidade. Um ano depois a junta abriu um novo concurso público para contratar um trabalhador para realizar as funções que Ricardo Cupertino desempenhava.
“Um processo doentio”
Ricardo Cupertino não se conformou e recorreu à justiça. Pede que o tribunal lhe reconheça o direito a ir para a reforma e que seja indemnizado pelo despedimento, que considera ilegal e indigno. O morador vive da pensão de invalidez e do rendimento de inserção, numa vida que diz não ser fácil e onde tem valido a ajuda do pai, Abílio. Conhecendo a incapacidade de Ricardo, o pai, Abílio, é claro: “Todo este processo é doentio. O Jorge Ribeiro, conhecendo a história dele e as dificuldades que tem, em vez de o ter despedido poderia ter colocado os papéis para ele se reformar e acabava com isto tudo. O que lhe fizeram foi desumano”, lamenta.
Contactada por O MIRANTE, a actual presidente da União da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, Ana Cristina Pereira (PS), lamenta a situação de Ricardo Cupertino lembrando, no entanto, que um trabalhador tem direitos e deveres e que este “incumpriu com alguns” desses deveres. “Todos lamentamos a situação”, considera a autarca, criticando a lentidão do processo em tribunal. “A nossa justiça é lenta e isso não é desejável”, critica.