Crianças são quem mais sofre com a violência doméstica
A violência doméstica é uma das muitas razões para a intervenção de uma Comissão de Protecção de Crianças e Jovens. O foco é proteger as crianças, vítimas de um flagelo que não escolhe classes sociais. A propósito do Dia Internacional das Crianças Vítimas de Agressão, que se assinala este domingo, 4 de Junho, O MIRANTE recupera a entrevista com a presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens do Entroncamento, Fernanda Alves.
Considerar que uma criança está em risco não se resume aos maus tratos físicos e psicológicos. Não lhe ser dada a serenidade necessária para crescer, privá-la de educação, de uma alimentação saudável ou de uma casa com condições para viver é também atingir os mais novos nos seus direitos. No entanto, a violência doméstica é o factor que mais vezes leva à sinalização de crianças, explica a presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) do Entroncamento, Fernanda Alves.
Privar as crianças dos seus direitos é um problema que não tem estrato social. Os motivos que levam a sinalizar uma criança ou jovem são diversos e não estão directamente ligados às questões económicas ou de instrução. Evitar que comportamentos se perpetuem e que crianças interiorizem a violência doméstica como algo normal é um dos objectivos da CPCJ que viu o seu trabalho dificultado com durante os períodos de confinamento na pandemia, que agravaram as situações de violência doméstica, não só na área de actuação da CPCJ do Entroncamento, como de forma geral.
O absentismo escolar é outro dos motivos que leva a bastantes sinalizações no concelho e que, segundo a presidente, também é transversal a todas as classes sociais. “Por vezes não é a falta de dinheiro que leva um pai a impedir o filho de ir à escola. É a questão cultural, o que vem de trás. E aqui temos muitas culturas e etnias diferentes, com maneiras de pensar diferentes”.
O objectivo de uma CPCJ, diz, não é retirar crianças. Nem o pode fazer. Em casos de perigo iminente ou quando as famílias não aceitam trabalhar em conjunto com a comissão a situação passa para o Ministério Público. O trabalho começa quando é recebida uma sinalização, que pode chegar por vários meios, seja através do comum cidadão ou de qualquer outra entidade. O processo é aberto e levado à comissão restrita, composta por elementos representantes da Saúde, Educação, Instituições Particulares de Solidariedade Social e Segurança Social. É esta comissão que analisa o caso e distribui pelos gestores que melhor se enquadram no caso.
Crianças retiradas de madrugada com grande aparato
O MIRANTE acompanhou o caso de Marília Batista, de Foros de Salvaterra, concelho de Salvaterra de Magos, a quem a CPCJ local, a 20 de Junho de 2008, retirou os três menores a meio da madrugada com o apoio da GNR e cães. Um aparato enorme com a justificação de que as crianças viviam numa casa sem condições de habitabilidade. Intervenção que nunca chegou a ser explicada pelos responsáveis da CPCJ.
A sociedade civil emocionou-se com essa história, indignou-se com a decisão da CPCJ e mobilizou-se para construir uma nova habitação de raiz para que as crianças, que, entretanto, tinham sido institucionalizadas a mais de 70 quilómetros de distância, pudessem voltar a casa. O que veio a acontecer em Março de 2010.
O caso chegou a ter contornos duvidosos quando, a certa altura, a assistente social responsável pelo caso deu parecer negativo para que a família ocupasse a casa nova, por esta ter demasiado pó. A mãe e os três filhos decidiram emigrar para Inglaterra à procura de uma vida melhor e também para se sentirem mais livres e menos controlados pela Segurança Social. No final de 2012 Marília Batista, incentivada pela filha mais velha, emigrou para Inglaterra com os filhos, onde vivem os seus pais e irmãos. Diz ter sido a melhor decisão que poderia ter tomado, a vida melhorou e não pensa regressar a não ser nas férias.