Esclerose múltipla: “não podemos viver a pensar no que já não conseguimos fazer”
Silenciosa, incapacitante e sem cura, a esclerose múltipla afecta cerca de 60 em cada 100 mil pessoas em Portugal. No Dia Mundial da Esclerose Múltipla, Vital Bernardo partilha a sua visão optimista de como é viver com a doença há mais de 20 anos. Olga Patrício, diagnosticada com esclerose lateral amiotrófica, conseguiu com a ajuda da comunidade uma cadeira-de-rodas eléctrica cuja prescrição médica para a comparticipação tarda em chegar.
Ser optimista, evitar cair em depressão, manter o foco no futuro e procurar apoio é o mais importante para se conseguir viver melhor com a esclerose múltipla, doença crónica e incapacitante que afecta cerca de 60 em cada 100 mil pessoas e cujo dia mundial se assinala a 30 de Maio. Quem o diz é Vital Bernardo, 52 anos, morador em Alverca do Ribatejo que não encara a doença incurável como uma sentença de morte. “Não podemos viver a pensar no passado, no que já não conseguimos fazer. Aí entramos em depressão. Temos de nos focar no positivo e agradecer o facto da doença não causar dor”, vinca.
Funcionário da Câmara de Vila Franca de Xira há três décadas, actualmente em teletrabalho, sentiu há 25 anos o primeiro sintoma da doença: uma inexplicável neblina na visão que desapareceu ao fim de alguns dias. Depois, veio a fadiga muscular nas pernas e dificuldades na marcha. Casado e pai de uma filha, Vital Bernardo era, nessa altura, federado em BTT. “Fiquei preocupado mas nunca pensei que fosse ficar numa cadeira de rodas. Tudo aconteceu progressivamente”. Procurou uma neurologista para perceber o que estava a acontecer com o seu corpo e uma ressonância magnética deu-lhe o diagnóstico de esclerose múltipla.
“Grande parte das situações são benignas e é possível tomar medicação para controlar a doença, mas de vez em quando há surtos e vamos ao tapete. Ficamos no hospital dois ou três dias a fazer injecções de cortisona. Já me aconteceu várias vezes”, conta Vital Bernardo. Durante 15 anos esteve medicado e caminhou com a ajuda de uma bengala até ao dia em que, há seis anos, o corpo não reagiu mais à medicação e deixou de conseguir andar. Continua a ser acompanhado pelo serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e participa em testes de novos medicamentos. “Sou optimista. Temos de ter mente aberta, manter a esperança, a actividade, a rotina e a ligação às pessoas. Fazer coisas que nos tragam felicidade, como ir ao cinema, ouvir boa música ou ler um bom livro”.
A evolução da doença em Vital Bernardo continua a ser um mistério. Pode piorar ou melhorar. “Muitas vezes passa-se uma mensagem positiva nestes dias comemorativos para que as pessoas não entrem em pânico, mas há quem esteja numa situação grave e se sinta incompreendido e revoltado. Não devemos dourar a pílula mas também não devemos ser pessimistas”, defende Vital Bernardo que sente as pernas mas não consegue ter força para caminhar.
Olga Patrício consegue dinheiro para cadeira de rodas com ajuda da comunidade
Diagnosticada com esclerose lateral amiotrófica, Olga Patrícia, natural da Várzea Fresca, concelho de Salvaterra de Magos, está há quase 9 meses à espera da prescrição médica para ter acesso a uma cadeira de rodas eléctrica que seja comparticipada pela Segurança Social. “Em Alcoitão disseram-me que prescreveriam e também que seria necessário um cadeirão eléctrico. Até hoje ainda estou à espera que me contactem”.
Neste impasse valeu à mulher, de 45 anos, o apoio do seu grupo de amigos e família que conseguiu angariar mais de 19.300 euros, dinheiro que vai permitir comprar uma cadeira de rodas eléctrica com encosto de cabeça e um pedaleiro de fisioterapia, que tem valor aproximado de 3.300 euros. O restante dinheiro vai ser utilizado para financiar terapias e adquirir, no futuro, outros equipamentos que possam ser necessários.
A falta de força na perna direita e uma queda inesperada no quintal de casa foram os sinais de alerta para a doença diagnosticada um ano depois de ter sentido os primeiros sintomas. “Foi como um soco no estômago porque não é fácil perceber que vou começar a perder faculdades e ficar dependente de terceiros sendo tão nova. Não é fácil gerir tantas emoções”, disse em entrevista a O MIRANTE em Abril deste ano. Nos últimos tempos Olga Patrício deixou de ter força nas pernas para conduzir e conseguir sair de casa, o que levou o seu grupo de amigos a mobilizar-se para a compra da cadeira de rodas eléctrica.
Olga Patrício trabalhou numa fábrica de componentes para automóveis no Porto Alto, concelho de Benavente, que encerrou durante a pandemia, meses antes de apresentar os primeiros sintomas da doença. Com dois filhos, de 14 e seis anos, vive com os pais que a ajudam. O seu avô sofreu da mesma doença.
Doença é mais comum nas mulheres
A esclerose múltipla é mais comum nos jovens adultos, diagnosticada entre os 20 e os 50 anos, e tem o dobro da frequência em mulheres. Afecta o sistema nervoso central, em particular a bainha que cobre as fibras nervosas das células do sistema nervoso, chamada mielina, elemento essencial para que os estímulos nervosos sejam correctamente propagados. Segundo a Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla pode manifestar-se de quatro formas: surto-remissão, secundária progressiva, primária progressiva e benigna. Todas, à excepção da primária progressiva, se caracterizam pela ocorrência de surtos que provocam diminuição de capacidades como a fala, memória, uso das pernas, braços ou visão.