Desfalque de 100 mil euros na Misericórdia de Alverca do Ribatejo
Instituição apresentou queixa à Polícia Judiciária depois de saber que tinha pouco mais de mil euros na conta e exige restituição do dinheiro e juros. Ministério Público diz que ex-funcionária da Misericórdia de Alverca terá agido sem consentimento da direcção.
Uma mulher natural de Alhos Vedros, concelho da Moita, ex-funcionária da Associação de Assistência e Beneficência Misericórdia de Alverca, é suspeita de ter desviado 95.934 euros da instituição durante dois anos e vai agora a julgamento. Está acusada pelo Ministério Público (MP) de um crime de abuso de confiança agravado, punível com pena de prisão até cinco anos, e um outro crime de infidelidade que pode dar até três anos de prisão.
O tribunal competente para julgar o caso deveria ser colectivo mas o procurador do MP considerou que, dado o tempo decorrido desde a prática dos factos e por a mulher não ter antecedentes criminais, a pena máxima de prisão eventualmente a aplicar pelo Tribunal de Vila Franca de Xira, de cinco anos, é suficiente para a natureza dos crimes praticados.
Segundo a acusação, a que O MIRANTE teve acesso, a mulher foi contratada a 12 de Abril de 1999 pela Misericórdia de Alverca como administrativa. A 5 de Abril de 2002 passou a exercer as funções de caixa da associação, ficando responsável pela área administrativa e financeira daquela instituição, que tem um centro de dia, dois lares e um serviço de apoio domiciliário na cidade.
Era a arguida que procedia às operações bancárias destinadas a pagar a funcionários, fornecedores e Estado, tendo-lhe sido confiados os cartões, acesso ao homebanking e o telemóvel para onde eram enviadas as mensagens de confirmação de operações. À revelia da direcção terá realizado transferências avultadas para 10 empresas de publicidade de todo o país que promoviam anúncios online para a instituição, tendo celebrado contratos com essas firmas assinando e usando o carimbo da instituição. Ao todo transferiu 31.229 euros em 2018 e 64.704 euros em 2019 para essas 10 empresas.
Diz o MP que, por causa da celebração desses contratos, a Misericórdia de Alverca ficou em Julho de 2019 sem capacidade de cumprir com as suas obrigações financeiras, nomeadamente o pagamento da renda do lar de Nossa Senhora da Graça, no valor de 2.500 euros, onde estavam 21 utentes idosos instalados. Foi nessa altura, com as contas da associação com pouco mais de mil euros disponíveis, que o desfalque foi descoberto. Diz a acusação que as operações com as empresas de publicidade nunca figuraram na lista de fornecedores nem no mapa de contas correntes da Misericórdia de Alverca.
A instituição fez uma participação à Polícia Judiciária que, após perícias, entendeu que havia matéria de facto relevante para submeter o caso ao Ministério Público. A funcionária foi alvo de um processo disciplinar interno e despedida a 4 de Outubro de 2019. O MP considera que a arguida agiu com o propósito de utilizar os montantes da conta da associação “como se dinheiro seu se tratasse”, imputando um prejuízo directo de 95.934 euros. Terá agido com violação grave das funções que lhe estavam confiadas e não obedecendo às instruções que lhe tinham sido dadas pelos superiores hierárquicos.
Arguida em silêncio
Na primeira vez que foi ouvida, pela PSP, a arguida não quis prestar declarações e não se opôs a uma eventual desistência da queixa por parte da associação. Também não quis informar sobre as suas condições sócio-económicas. Já o advogado da instituição, no pedido de indemnização civil, não mostra grandes dúvidas: os contratos com as firmas foram feitos sem enquadramento ou justificação, sendo que a arguida nunca explicou a razão para os ter feito.
“Arrogou-se de poderes que não tinha perante terceiros, usando a imagem da ofendida, para contratar publicidade quando a ofendida não carecia de qualquer tipo de publicidade”, lê-se no pedido cível, notando que a conduta da ex-trabalhadora provocou danos “muitíssimo elevados e graves” à Misericórdia de Alverca, colocando em causa a sua recuperação económica e sustentabilidade financeira, “com um desfalque de quase 100 mil euros”. A associação pede ao tribunal que obrigue a arguida a pagar os 95.934 euros a título de danos não patrimoniais acrescidos de juros vencidos e vincendos até ao pagamento.