Sociedade | 12-06-2023 10:00

Falta de mão-de-obra prejudica indústria da cortiça

Falta de mão-de-obra prejudica indústria da cortiça
Simão Fortio (à esquerda, com um primo e o irmão) aprendeu a tirar cortiça por tradição familiar e hoje emprega 30 pessoas na Branca

A falta de mão-de-obra afecta a tiragem da cortiça, uma actividade exigente física e mentalmente. Simão Fortio resistiu e manteve a tradição que já vem do bisavô e actualmente emprega 30 pessoas na Branca, Coruche. Assinalou-se a 1 de Junho o Dia Nacional do Sobreiro e da Cortiça.

A actividade da tiragem da cortiça atravessou gerações até chegar a Simão Fortio. Aos 49 anos tem uma empresa de extracção de cortiça, na freguesia da Branca (Coruche), com cerca de 30 funcionários, incluindo o irmão e o primo. O ofício já foi ensinado ao filho, que está a estudar Engenharia Florestal, e ao sobrinho. Simão Fortio tinha 14 anos quando aprendeu a tirar cortiça “por obrigação”. Os tempos mudaram e hoje conta que é muito difícil encontrar mão-de-obra.
O esforço mental e físico que é exigido nesta actividade sazonal afasta os jovens. O trabalho começa às 06h30, pausa às 10h30 para comer, e continua até às 14h00. Os horários têm em conta o calor, que dificulta mais o trabalho. Subir aos sobreiros e descer, tirar cortiça com a machada, limpar o suor da testa e passar para outra árvore. São pelo menos entre oito a dez semanas de trabalho com folga ao domingo. Coruche, Benavente, Grândola, Torrão e Alcácer do Sal são algumas das áreas de montado de sobro onde é necessário tirar este recurso endógeno.
Devido às alterações climáticas, com Verões quentes e falta de chuva, a cortiça é tirada a partir de Maio até meio de Julho. A seca tem prejudicado os sobreiros que para se protegerem deixam cair as folhas das copas e não produzem cortiça. Pouca coisa há a fazer senão recuar na tiragem para conservar a riqueza dos sobreiros e esperar que chova. A cortiça só pode ser extraída da mesma árvore de nove em nove anos, por isso são marcadas para os tiradores saberem a altura certa do corte.

“Temos que olhar para o sobreiro como se fosse um de nós”
A empresa de Simão Fortio, Raizaprendiz, paga 120 euros por dia aos tiradores, mais seguro e respectivos descontos para a Segurança Social. “Os tiradores de cortiça são sempre mal pagos para o esforço que fazem. Os donos das herdades não conseguem pagar mais para podermos também pagar mais aos tiradores. Temos noção de empresas que pagam mais e outras que pagam menos”, explica.
Antigamente a cortiça era tirada a preceito e não podia ficar curvada. Agora é tirada “à bruta” porque não precisa de ir certinha. Assim que é tirada é colocada em pilha nas camionetas para seguir para as fábricas de transformação.
Para o tirador, o futuro deste trabalho está ameaçado mesmo sendo uma actividade rentável. Os mais velhos vão deixar de laborar e os jovens não querem aprender. Todos os anos a empresa ensina entre três a quatro pessoas que acabam por seguir outros caminhos profissionais.
Luvas e machada é o equipamento do tirador. Todos os dias antes da jorna a machadinha é afiada e cada um reconhece a sua. Os fabricantes de machadas escasseiam. O preço actual de uma machada, das mais baratas, custa 160 euros.
O sobreiro tem estatuto legal de espécie protegida. É considerado desde 2011 “Árvore Nacional de Portugal”, devido à sua importante função na conservação do solo, na regularização do ciclo hidrológico e armazenamento de carbono. “Temos que olhar para o sobreiro como se fosse um de nós. Só assim os mantemos vivos”, alerta Simão Fortio.

Amorim Florestal fornece cortiça a partir de Coruche

A indústria da cortiça em Portugal gerou um volume de facturação de 2.010 milhões de euros em 2022, um crescimento de 8,6% em relação a 2021. A Corticeira Amorim lidera o mercado a nível mundial com um total de 1.021 milhões de euros.
Uma das unidades industriais da empresa situa-se na Zona Industrial do Monte da Barca, em Coruche. A Amorim Florestal foi criada no final de 2003 e resultou de uma reestruturação organizativa da Corticeira Amorim, tendo como missão intervir em todas as geografias onde exista produção de cortiça. Em Coruche faz-se a gestão de compras, armazenagem e preparação da matéria-prima cortiça, fornecendo as restantes unidades de negócio da Corticeira Amorim.

Soraia Ribeiro, Irma Justina e Paula Caetano apanham cortiça para empilhar e marcam os sobreiros

Mulheres a trabalhar na cortiça

As semanas de trabalho no montado não se fazem só com homens. Apesar de não existirem mulheres a tirar cortiça das árvores existem pelo menos três a trabalhar no montado na região. Paula Caetano, 29 anos, marca sobreiros e carrega cortiça pelo menos há cinco anos. Gosta do que faz apesar das exigências físicas e considera que uma mulher pode muito bem pegar na machada. Irma Justina, 42 anos, carrega a cortiça e Soraia Ribeiro, 28 anos, desinfecta os sobreiros com um pincel, quando são picados com a machada.
Nuno Pereira, 46 anos, é um dos tiradores com mais experiência. Não gostava de estudar e o pai ensinou-lhe o ofício aos 20 anos. Para tirar bem a cortiça diz que é preciso saber onde cortar e tentar não picar o sobreiro. Sendo um trabalho como outro qualquer, admite que gostava que os dois filhos, de 10 e 4 anos, seguissem outro caminho.

Nuno Pereira tira cortiça desde os 20 anos

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