Sociedade | 20-06-2023 07:00

Juntar tabaco e álcool aumenta em 100 vezes probabilidade de ter cancro da cabeça e pescoço

Juntar tabaco e álcool aumenta em 100 vezes probabilidade de ter cancro da cabeça e pescoço
Tiago Porfírio Costa é otorrinolaringologista no Hospital CUF Santarém e Hospital CUF Descobertas

Tiago Porfírio Costa, otorrinolaringologista no Hospital CUF Santarém e no Hospital CUF Descobertas, fala sobre os cancros da cabeça e do pescoço que atingem entre 2500 a 3000 pessoas por ano em Portugal.

São cancros para os quais as pessoas não estão despertas por não serem tão falados, como os da mama, ou da próstata, mas que se não forem descobertos numa fase inicial podem ter consequências graves. Por isso é essencial que a pessoa faça um autoexame de observação da boca ou da palpação do pescoço. O tabaco e o álcool são os factores de risco e os dois juntos aumentam em 70 a 100 vezes a probabilidade de se ter cancro em relação a uma pessoa que tenha hábitos de vida saudáveis. Um tumor descoberto tardiamente reduz para uns 40% a sobrevida. Um factor que está também a influenciar este tipo de cancro é o vírus do papiloma humano e que está a levar aos hospitais pessoas mais jovens.

Não é costume ouvir-se falar no cancro da cabeça e pescoço. É porque a sua incidência é menor? O facto de não se conhecer significa que não está suficientemente divulgado. É preciso alertar e contribuir para a literacia em saúde. É necessário ter conhecimento dos sinais e sintomas que devem motivar a ida ao médico. Quanto mais cedo for feito o correcto diagnóstico melhor é a sobrevida, com menos consequências, com menos complicações dos tratamentos.
Como é que se apresenta este tipo de cancro? O cancro da cabeça e pescoço toma esse nome e acaba por englobar uma série de cancros que têm algumas especificidades, mas que também têm aspectos em comum que é fazerem parte do termo técnico via aérea-digestiva superior. Também há factores de risco em comum. Dos mais frequentes para os menos frequentes temos cancro do lábio, boca, língua, cordas vocais (laringe), garganta (faringe), nariz, seios perinasais, ouvido e glândulas salivares.
Qual é a incidência deste cancro na sociedade? Varia de país para país. Em termos nacionais rodam entre os 2500 e 3000 casos por ano. Por isso é manifesta a importância do diagnóstico precoce.
E qual é a incidência em termos de idade e de género? A incidência é acima dos 50 anos e mais em homens que em mulheres. No entanto, os dados têm vindo a alterar-se reduzindo a distância dos números entre os dois géneros, porque também há cada vez mais senhoras a beber e a fumar. Cada vez mais se tem assistido, à conta do crescimento do vírus do papiloma humano, que o cancro da orofaringe está a atingir pessoas cada vez mais jovens. Estamos a falar de um pico de incidência inferior em 10 anos, ou seja pessoas com 40 ou até mesmo 30 anos.
O facto de serem mais jovens tem alguma influência em termos de tratamentos? Estes doentes tendem a apresentar-se com uma doença mais avançada, normalmente até têm metástases, caroços no pescoço. Mas tipicamente respondem muito melhor ao tratamento. O prognóstico destes doentes é muito melhor. Temos doentes com 70 anos, uns que parecem ter 50 anos e outros ter 90, e claramente percebemos qual é aquele em que o tratamento vai correr melhor.
Qual é taxa de sobrevivência neste tipo de cancros? Uma pessoa que vem à consulta porque tem uma alteração da voz, que indicia um tumor nas cordas vocais, a sobrevida neste tipo de tumor, ao fim de cinco anos, é de 85 a 90 por cento. Mas se uma pessoa não ligou muito a uma afta na boca, por exemplo, e vem ao médico porque aparece um caroço no pescoço, isso significa que o tumor evoluiu e neste caso apenas 40 a 45 por cento das pessoas consegue sobreviver.
O facto de não haver campanhas de sensibilização compromete a descoberta deste tipo de cancro aos primeiros sinais? No conjunto dos cancros da cabeça e do pescoço, o da orofaringe é o que mais tem aumentado, exponenciado pelo vírus do papiloma humano, que também afecta o pénis, a vulva e tem influência no cancro anal. Nos Estados Unidos já se validou a vacinação contra o vírus, que antes era indicado apenas para crianças, para pessoas até aos 45 anos.
Quais são os principais factores de risco? Os três principais são o álcool, o tabaco e o vírus do papiloma humano. Nos dois primeiros, a redução dos riscos está nas nossas mãos, bastando ter hábitos de vida saudáveis. Se a pessoa apenas fumar, ou se apenas beber, a possibilidade de ter cancro na boca é de seis a oito por cento. Mas se fumar e beber o risco dispara para 80, 100 vezes mais que uma pessoa que não fume e não beba.
Os cigarros electrónicos representam um risco menor em relação aos cigarros convencionais? O problema do tabaco não é só a nicotina e outros produtos usados nos cigarros aquecidos, mas também a combustão. O aquecimento também gera produtos carcinogénicos. Sejam quais forem os cigarros o que aconselhamos é não fumar. Não pretendemos levar toda a gente para um convento ou que sejam monges, mas as pessoas têm de estar conscientes dos riscos.
Há profissões em que o risco seja maior? Sim! Por exemplo pessoas que trabalham com madeiras, que respiram o pó da madeira, ou que trabalham com produtos com amianto. O que sugerimos é que nestes trabalhos se utilizem protecções para se evitar a inalação de partículas. A exposição à radiação também é um factor promotor de alguns cancros, como o da tiroide. E aqui afecta quem é exposto à radiação num acidente nuclear, mas o risco também é maior para quem fez radioterapia no passado e para profissionais de saúde.
Além destes há outros factores que podem contribuir e que podemos evitar? Por exemplo, a má higiene dentária, ter peças dentárias estragadas, apesar de não ser tão importante como os anteriores, mas também deve ser tido em conta.
Só quem está sujeito a factores de risco é que desenvolve este tipo de cancros? Acontece em pessoas mais idosas, que nunca fumaram, nunca beberam, que sempre tiveram uma vida isenta de factores de risco, aparecem com tumores na fase final de vida. Mas as maiores probabilidades estão em quem não tem hábitos de vida saudável. Tenho um doente, que é o que tem maior número de cancros, que anda na casa dos 55 ou 56 anos, e que já teve três tumores da cabeça e pescoço.
Muitas das vezes as pessoas tentam desvalorizar os factores de risco dizendo precisamente que conhecem alguém que não fumava nem bebia e que também teve cancro ou outros problemas de saúde. As pessoas não têm a real noção dos perigos? Só cerca de 20% dos cancros da boca e da faringe é que não são provocados pelo álcool e pelo tabaco. Se conseguisse-mos eliminá-los haveria uma redução destes cancros em 80%. Os fumadores passivos também têm mais riscos do que quem não está em ambientes de fumo. No entanto, também há pessoas que não estão sujeitas aos factores de risco e que desenvolvem cancro por alterações genéticas.
Como é que é feito o diagnóstico? A observação é essencial. Muitas vezes o segredo deste cancro é apanhar a lesão na fase inicial. Quando a lesão é muito pequena pode não aparecer nos exames, mas conseguimos identificá-la à observação, inspecção, palpação. É a melhor forma de actuarmos, apesar de os exames serem essenciais para percebermos a gravidade e extensão da doença.
O que é que a pessoa deve fazer para saber que deve procurar ajuda médica? O autoexame é fundamental. Por exemplo a pessoa observar a sua boca uma vez por semana. Basta um espelho e uma boa luminosidade para conseguirmos examinar os lábios, a parte de dentro da bochecha, a língua... ou também palpar o pescoço.
Que tipo de tratamentos estão disponíveis? Os tratamentos dependem do tipo de cancro e do seu estado. Mas na maioria das vezes a abordagem é cirúrgica. Se estivermos a falar da nasofaringe a abordagem já é radioterapia e quimioterapia, porque como é na parte de trás do nariz e que é detectável num estado mais avançado, pela zona em que se encontra, já não dá para operar. No entanto, em termos gerais, pode haver várias conjugações de tratamentos. Pode ser cirurgia e radioterapia, pode ser cirurgia em quimioterapia, pode ser a conjugação das três.
A avaliação dos doentes e a definição dos tratamentos é feita por qual profissional? A abordagem tem de ser multidisciplinar, em que terá o otorrino, cirurgião de cabeça e pescoço, o oncologista, o radio-oncologista e pode ter outras especialidades envolvidas na área da nutrição, fisioterapia, psicologia. A abordagem não pode ser feita só por um médico, não há Macgyver’s na medicina. O encaminhamento por outros profissionais é importante. Por exemplo, pelo dermatologista, pelo médico de família ou o dentista que é uma fonte de diagnóstico muito grande, porque estão alerta e conseguem identificar lesões numa fase muito inicial.
Como é que é preparada a recuperação dos doentes? A reabilitação começa na cirurgia ou antes dela. Preocupamo-nos com as técnicas de reconstrução, com técnicas cirúrgicas menos agressivas, com uma consulta de nutrição antes da cirurgia para ajudar a pessoa aestar em melhores condições para tratamentos como a radioterapia.

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