Aos nove anos trocou os bancos da escola pelo trabalho no campo
A vida de Mário Oliveira “Café” é repleta de histórias que vão desde uma infância aventureira às experiências no trabalho agrícola e paixão pelos toiros.
Começou a trabalhar aos nove anos e aos 52 anos o campino já viveu uma vida repleta de desafios, superações e momentos marcantes. Agora vai ser homenageado pela Comissão da Picaria de Benavente durante a Festa da Amizade e da Sardinha Assada.
Desde cedo Mário Oliveira mostrou-se um espírito livre e destemido. Durante a juventude em Santarém escapava da escola para explorar a lezíria e desfrutar da companhia dos cavalos. Em aventuras solitárias ou compartilhadas com amigos frequentava já na altura a antiga Feira Nacional de Agricultura.
Nascido em Santarém, na freguesia de Marvila, Mário Oliveira, conhecido por “Café”, estudou até à quarta classe. Aos nove anos ele e um dos seis irmãos foram trabalhar para a casa agrícola na Quinta da Foz, em Benavente. Para trás deixaram uma mãe internada no hospital e um pai que trabalhava na Câmara de Almeirim. Sozinhos em casa tiveram de se fazer à vida. Mário Oliveira ajudou nas tarefas agrícolas, trabalhou com ceifeiras e depois com gado bravo e esqueceu temporariamente os pais. “Eles chegaram a pensar que estava morto. A minha mãe ficou dez anos acamada e acabou por falecer e o meu pai morreu mais tarde”, conta.
Em Vila Franca de Xira ajudou os maiorais dos toiros e vacas e abria valas para passarem cabos no antiga Expo 98, hoje Parque das Nações. Apesar de ganhar o dobro do salário era um trabalho que não gostava. Não se adaptou à cidade. Trabalhou durante sete anos com o criador de cavalos Arsénio Raposo Cordeiro, no Alentejo. Daí foi trabalhar para a casa Ribeiro Telles e assim foi durante 15 anos. Desde há ano e meio voltou a trabalhar para a casa Arsénio Raposo Cordeiro.
A viver na freguesia da Barrosa (Benavente) com a esposa e duas filhas, o campino sublinha que o segredo da profissão é gostar do que se faz. “Não sou homem de ir para cafés. Quem me tira o gado tira-me tudo”.
Não pregava olho antes das corridas
Aos nove anos Mário Oliveira ingressou na comissão da picaria de Benavente, logo no ano em que chegou à Quinta da Foz. Nos primeiros tempos participou nos preparativos para as provas da picaria, a cortar varas nos eucaliptais para compor o recinto. Actualmente as provas de condução de cabrestos já têm as tronqueiras montadas junto à Zona Ribeirinha de Benavente e por isso não é necessário ter o mesmo trabalho.
Um dos sustos que apanhou foi numa das provas na Festa da Sardinha Assada de Benavente. Acordou no hospital depois de ter andado debaixo dos animais. Já partiu um braço, a clavícula e foi operado ao braço depois de uma vaca lhe ter caído em cima.
No dia das corridas de toiros não conseguia dormir. Fazia tudo sozinho e sentia o peso da responsabilidade. Chegou a estar oito dias sem ir à cama por conta das nove corridas seguidas em que trabalhou. A vida de campino agora é diferente porque são cada vez menos. Antigamente todas as casas agrícolas tinham entre seis a sete campinos e agora algumas só têm um. Os mais antigos morreram e os filhos não têm interesse em seguir com as lides.
Tradição ainda é o que era
Dez anos separam o início oficial da Festa da Amizade e da Sardinha Assada de Benavente (1969), do início da Picaria de Benavente (1979). Um grupo de 17 amigos começou a organizar uma sardinhada no último sábado do mês de Junho, à porta do antigo Café Central, na Praça da República, em Benavente. O grupo de amigos cresceu até a festa se tornar pública.
A arte do maneio do gado junta-se à festa, em 1979, pela mão do campino Joaquim Isidro em conversa com Fernando Palha. Aqui a história diverge nos protagonistas mas o único vivo dessa altura é José Barroca, que está na picaria de Benavente desde essa geração. Também Mário Oliveira faz parte dos mais antigos a manter a tradição e por isso vai ser homenageado este ano. Em 2024 a picaria deverá homenagear o campino Paulo Jorge, que também está envolvido há largos anos na comissão da picaria.
A continuidade está garantida pelos elementos mais novos como é o caso de Pedro Lagareiro Santos. Como manda a tradição, no sábado da festa, de manhã, os campinos desfilam na vila com jogos de cabrestos das casas agrícolas em direcção ao calvário, tudo trajado a rigor. “Toda a gente pensa que é fechar a estrada nacional para os animais passarem mas não é assim. Trabalha-se um ano antes para tratar das autorizações com a Infraestruturas de Portugal e GNR. Antigamente era tudo mais simples”, relata Pedro Santos.
Sobre Mário Oliveira os seus pares classificam-no como o professor da campinagem e como tendo mais medo de uma caneta e papel do que de um toiro bravo. A homenagem ao campino está agendada para 24 de Junho, às 11h30, no recinto da picaria, em Benavente.