A história de Fausto Diabinho: prisioneiro de guerra do Entroncamento que foi salvo às portas da morte
Fausto Diabinho viu a morte à frente no Dia do Pai de 1962, no campo de concentração de Pondá, na Índia.
O ex-combatente do Entroncamento esteve cinco anos na Pérola do Oriente, Goa, e meio ano preso depois da rendição do contingente português. Quando regressaram a Portugal foram reencaminhados directamente para os quartéis sem poderem ver as famílias. Uma conversa de O MIRANTE com uma das figuras do Núcleo da Liga dos Combatentes do Entroncamento e Vila Nova da Barquinha.
Fausto Diabinho tem 91 anos, reside no Entroncamento e foi um dos três mil prisioneiros de guerra na então designada Índia Portuguesa, em resultado da ocupação dos territórios de Goa, Damão e Diu pelas tropas da União Indiana. A O MIRANTE recorda na primeira pessoa, com o nó na garganta, o dia em que quase foi fuzilado e a humilhação à chegada a Portugal. Em Portugal, tal como na Índia, lutou pelos direitos dos combatentes. É presidente e co-fundador da Associação Nacional de Prisioneiros de Guerra (ANPG) e ex-presidente do Núcleo da Liga dos Combatentes do Entroncamento e Vila Nova da Barquinha.
Fausto Diabinho foi surpreendido pela visita de um polícia na farmácia onde trabalhava com a informação de que estava convocado para prestar serviço na Índia, em 1956. Em Novembro desse ano, no dia de aniversário da mãe, partiu numa viagem de 33 dias pela rota de Vasco da Gama, devido à nacionalização do Canal de Suez. Fausto Diabinho garante que a viagem foi tranquila apesar dos enjoos; ser furriel dava-lhe a regalia de viajar num camarote.
Quando chegou à Índia desempenhou as mesmas funções da vida civil. O chefe conhecia-o das manobras no quartel de Santa Margarida e colocou-o como sargento de farmácia em Pangim, embora a sua especialidade fosse a enfermagem. Pouco tempo depois de chegar à Índia, integrou o Núcleo de Nossa Senhora de Fátima, foi nomeado presidente e ajudou a construir o Salão de Cristo Rei, onde os soldados conviviam fora das horas de serviço. “A maioria era analfabeta, bebiam para matar saudades da família”, descreve emocionado, acrescentando que regateava o preço do peixe na lota para proporcionar melhores refeições aos colegas.
A morte ali tão perto
Na madrugada de 18 de Dezembro de 1961, aviões indianos começaram a sobrevoar Goa. Em terra, 50 mil homens da União Indiana com material moderno contra três mil portugueses armados com pistolas, espingardas e munições deterioradas pela humidade. O posto de transmissões com ligação a Lisboa foi bombardeado, cada movimento passou a ser um tiro no escuro. Face-a-face com o povo indiano, Fausto Diabinho escondeu os anéis dentro da boca para não ser roubado, mas os quartos dos portugueses não escaparam à pilhagem.
O maior perigo sentido foi no campo de prisioneiros de Pondá, a 19 de Março de 1962, quando três portugueses tentaram fugir escondidos num camião de lixo e acabaram apanhados. Foi o furriel português que seguia com eles quem os denunciou. Esse acto de indisciplina mereceu resposta musculada dos indianos que ameaçaram fuzilar todos os prisioneiros portugueses. Fausto Diabinho chegou a pensar que os seus dias tinham chegado ao fim, mas o corajoso apelo do capelão Ferreira da Silva antes do veredicto final persuadiu os indianos e evitou o massacre.
Fausto Diabinho “fumava quatro maços por dia sem saber o dia de amanhã”. O pequeno-almoço era “uma água escura com pão duro” e pensou saltar o arame farpado com o desgaste psicológico das ameaças de serem mandados para território desconhecido. Notícias afixadas num placard sobre as negociações eram controversas; havia discórdia entre os portugueses, a comida começou a escassear. Após cinco anos e meio na Índia, meio ano preso, embarcou num dos três navios com destino a Portugal, o “Pátria”. À chegada foi dada a ordem para seguirem em comboios sem verem os familiares. Com os vidros pintados, o destino era os quartéis. Eram as represálias do Governo de Salazar por se terem rendido.
Viver com poucos apoios
Fausto Diabinho esteve décadas sem pensar no sucedido graças à fé e não largou a Santa Filomena, que a mãe lhe deu antes da ida para a guerra, que ainda hoje ilumina o seu quarto. As duas curtas viagens a Portugal, uma para entregar doentes e outra a convite do general, ajudaram a ultrapassar os traumas de guerra. “Custou-me mais ultrapassar a morte do meu irmão em Angola, ter de ir procurar o corpo e identificá-lo”, afirma.
Fausto Diabinho é um critico feroz dos apoios do Governo aos ex-combatentes. “O apoio começou por ser de 100 euros mensais e actualmente ronda os 120, sendo que com os descontos passa a cerca de 80”, refere. Ainda conduz e sente-se sortudo porque os três euros a que tem direito para se deslocar em autocarro, pelo estatuto de ex-combatente, “não dão para nada”. O ex-combatente, que não tem médico de família atribuído, estuda Geopolítica, Literatura Portuguesa, Direito e História na Universidade Sénior do Entroncamento, que passou a integrar depois de sair do Núcleo da Liga dos Combatentes do Entroncamento e Vila Nova da Barquinha, em 2018, onde foi eleito presidente de honra pelos sócios.