Cegada não tem apoios e anuncia fecho do teatro de Alverca em Agosto
Director artístico da companhia de teatro Cegada acusa o presidente da Câmara de Vila Franca de Xira de postura autoritária e antidemocrática e de há muito não querer apoiar financeiramente a estrutura. Teatro Estúdio Ildefonso Valério, em Alverca, fecha portas em Agosto.
A companhia de Teatro Cegada, de Alverca, estrutura residente do Teatro-Estúdio Ildefonso Valério (TEIV), que é propriedade municipal, queixa-se de ter sido abandonada pelo Ministério da Cultura e, sem dinheiro, anunciou agora que vai fechar portas em Agosto. Em cinco anos o Cegada recebeu 693 mil euros do Ministério da Cultura e 36 mil euros por ano da Câmara de Vila Franca de Xira. Após não ter sido contemplado nos recentes concursos da Direcção-Geral das Artes, o Cegada alimentou a esperança de que o município pudesse ajudar e contribuir com 120 mil euros necessários para a companhia continuar a produzir algum conteúdo de serviço público no TEIV, o que não aconteceu.
A situação deixou desgostoso o director artístico do Cegada, Rui Dionísio, que diz a O MIRANTE que não resta outra opção senão fechar o TEIV em Agosto. “A câmara não pode ter um teatro municipal a funcionar às custas de uma associação local sem fins lucrativos que apenas tem um apoio de 36 mil euros. Nenhum teatro funciona com esse valor por ano”, critica. No seu orçamento a associação tem apenas 11% de receitas próprias, vivendo quase exclusivamente dos apoios do ministério e da câmara. Só o dinheiro que chegava do Ministério da Cultura representava 75% das contas. Rui Dionísio diz que é um mito que a associação possa ir buscar apoios a mecenas, empresas ou associações para se financiar sem estar tão dependente dos apoios estatais.
“Vivemos num mercado global. Mais depressa uma grande indústria financia um Youtuber que tem impacto nacional do que um teatro que tem nove mil espectadores no seu território. Além disso não se imagina que um hospital, biblioteca ou museu dependa de patrocínios para poder funcionar. Porque haverá isso de acontecer num teatro municipal?”, nota, lembrando que usar o TEIV para promover, por exemplo, lançamentos de livros “não dá dinheiro”.
Rui Dionísio afasta quem acusa a companhia de estar sempre de mão estendida a pedir apoio ao Estado. “É uma falsidade, não somos subsídiodependentes. Quantas empresas de construção civil continuariam a funcionar se não fossem as obras públicas”, questiona, recusando paralelismos da actual situação com outros teatros da região de Lisboa, como o teatro da Cornucópia, que também fechou por falta de financiamento.
“Afinidades pessoais”
O responsável do teatro acusa o actual presidente da câmara, Fernando Paulo Ferreira, de ter “afinidades pessoais” que estarão a dificultar encontrar uma solução de financiamento. “Só quando Fernando Paulo Ferreira saiu, no último mandato de Alberto Mesquita, as relações institucionais se restabeleceram e foi elaborado um contrato programa. Agora que voltou como presidente, à primeira vicissitude mostra a mesma atitude, de minimização e desvalorização que é inaceitável”, condena.
O responsável lamenta que a vereadora Manuela Ralha, que sempre tratou da questão dos apoios municipais ao Cegada, tenha agora sido “encostada” do processo, numa postura que classifica de autoritária e antidemocrática.
“Se o executivo quiser que o TEIV fique ao abandono, como está hoje o Fórum Cultural da Chasa, o auditório do centro Scala ou o teatro Salvador Marques, assim acontecerá. O presidente da câmara prefere ter o teatro fechado a dar apoio seja ele qual for à Cegada. Não tem nem nunca teve afinidade com a Cegada. Aparentou ter enquanto houve dinheiro do Governo central a financiar, tirando partido disso e agora que o dinheiro acabou ele revela-se”, lamenta.
Para já o grupo diz que vai tentar sobreviver e encontrar trabalho noutras ocupações ligadas à cultura. Este ano mesmo só com os apoios da câmara o grupo já realizou 20 sessões públicas de 12 espectáculos que foram vistos por 909 espectadores.
Contactado por O MIRANTE, o presidente do município, Fernando Paulo Ferreira, recusou tecer comentários às considerações “de cariz pessoal” feitas por Rui Dionísio. O autarca diz, no entanto, que a câmara “continua a dar a mesma verba que dava” ao Cegada e que não houve, da parte do município, qualquer corte no financiamento dado à estrutura.
À Margem / Opinião
A vida é um teatro
O reconhecimento público atribuído diversas vezes ao trabalho do Cegada não foi suficiente para que os políticos e burocratas do Governo de António Costa, e das instituições do Estado, incluíssem a programação do Teatro-Estúdio Ildefonso Valério como merecedor do apoio dos dinheiros públicos indispensáveis para a continuidade do seu projecto cultural. Nada que não tenha já acontecido noutros anos, e nada que não aconteça por esse país fora a outros grupos culturais que trabalham no teatro, mas também no bailado, no folclore, na conservação do património, entre tantas e diversas actividades que, em alguns casos, não só deveriam ser apoiadas como elogiadas.
O caso do Cegada é só mais um. O grupo agora parece querer fazer de Fernando Paulo o mau da fita mas a acusação parece injusta. Se a autarquia tivesse que financiar o grupo acima do que já suporta, como é que ficava a sua credibilidade perante as outras associações do concelho? O Cegada é uma estrutura profissional independente, não é uma entidade municipal, por isso, aparentemente, não faz sentido culpar o município pela evidente injustiça dos apoios do Estado, que inviabilizam a continuidade do Grupo.