Refugiados ucranianos no Ribatejo refizeram a vida mas sonham com o regresso a casa
Olena Derkach e Vira Mala não se conhecem mas têm em comum o facto de viverem na região ribatejana depois de terem deixado a Ucrânia no início da guerra. Ambas trabalham, são mães de crianças e jovens que falam fluentemente português e partilham o sonho de voltar ao país que há um ano e quatro meses perdeu a paz. Nas últimas semanas dois mil ucranianos pediram o cancelamento dos pedidos de protecção temporária.
Olena e Ruslán Derkach fugiram de casa em Donetsk com o início das manifestações armadas pró-russas de 2014. Com alguns sacos e as duas filhas, Anna e Sofiia, na altura com cinco e três anos, pela mão mudaram-se para uma pacata aldeia perto de Kiev, longe de imaginar que essa não seria a última grande mudança nas suas vidas. Com a invasão das tropas russas à Ucrânia, em 24 de Fevereiro de 2022, o pesadelo aconteceu de novo, mas desta vez ficou para trás a casa, a aldeia e o país. “O desespero foi muito grande. Sempre que tinha que ir à rua era um sobressalto porque ouviam-se bombas, não sabíamos bem o que estava realmente a acontecer. Quisemos ir para bem longe do nosso país”, recorda a coreógrafa e professora de dança.
Um avião levou a família até Lisboa, mas ficar na capital tornou-se insustentável uma vez que grande parte dos refugiados ficavam por lá. Acabaram por se mudar para Santarém e refazer a vida pela segunda vez. Ruslán Derkach trabalha como electricista e Olena Derkach no serviço de apoio domiciliário de uma instituição. A vida vai correndo, mas não se esquecem dos que por lá ficaram, sobretudo da filha mais velha, Ilona Derkach, de 27 anos, que vive com o companheiro em Kiev, a capital do país que recentemente voltou a ser alvo de bombardeamentos russos. “No ano passado fomos visitá-los, mas foi uma viagem apressada. Sempre com medo das bombas. É um terror não conseguirmos estar em paz na nossa casa, no nosso país”, lamenta a coreógrafa, acrescentando que trouxe o seu cão que não veio na primeira viagem.
A assistir à conversa está a filha mais nova do casal, Sofiia Derkach, que aos 11 anos é uma das mais de 43 milhões de crianças refugiadas a nível mundial, representando um recorde e a duplicação na última década, de acordo com o relatório da UNICEF, publicado na terça-feira, 20 de Junho, data internacional do Dia do Refugiado. Embora goste da vida que leva em Santarém, de já falar português fluente e ter travado amizades, o desejo de regressar à casa-mãe é e será sempre, mais forte. “Tive muita pena de deixar o meu país, mas não havia outra solução. Não estávamos em segurança”, diz.
O desejo é partilhado pela mãe mas, sobretudo, pelo pai que todos os dias sonha com o momento em que voltará a pisar solo ucraniano. Tem sido a esposa a travá-lo, consciente de que ainda não estão reunidas condições de segurança para voltarem a viver em paz no seu país, algo que acreditam ser possível.
Com um olho na Ucrânia e outro nas grandes economias da Europa
A vontade de regressar à Ucrânia ou de procurar num outro país melhores condições de vida do que as que conseguiram em Portugal pode explicar a queda do número de protecções temporárias concedidas a pessoas que fugiram da guerra. Fonte do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) disse à Lusa que nas últimas semanas cerca de 2.000 ucranianos pediram para cancelar este título. Ainda não foi o caso de Olena e Ruslán ou de Vira Mala que ainda se está a adaptar à nova vida em Arcena, concelho de Vila Franca de Xira, sempre com a viagem de regresso à Ucrânia no pensamento.
Vira Mala não tem a vida facilitada em Portugal. Mora numa casa cedida por amigos, tem sentido dificuldade na adaptação à língua e em conseguir um contrato de trabalho apesar de já ter título de residência, ao contrário do marido. Desde 26 de Março, data em que se separou de parte da família, incluindo do filho de 26 anos, e fechou as portas das três lojas de roupa de que era proprietária, já passou por trabalhos desde as limpezas à restauração, mas até hoje sem qualquer contrato laboral. Já pensou em viajar até à Alemanha e por lá tentar a sua sorte, mas a ideia acaba por ficar metida na gaveta quando pensa nos dois filhos, de 14 e 15 anos. Ambos falam português, frequentam a Escola do Bom Sucesso, em Alverca, e, aos sábados, continuam a estudar na sua língua materna, numa escola ucraniana.
A família tem estatuto de refugiada e recebe 340 euros de abono pelos dois filhos menores. Através da Associação de Ucranianos em Portugal Sobor, que é parceira da Câmara de Vila Franca de Xira e juntas de freguesia do concelho, conseguiu apoio alimentar semanal que recebe em casa sob a forma de cabaz.
Mayya Trubyuk, conhecedora das dificuldades desta e de muitas outras famílias refugiadas, é uma das ucranianas que já residia em Portugal antes da invasão da Rússia e que quando a guerra começou decidiu que não iria ficar de braços cruzados. Em Portugal desde 2001 e membro da Sobor - Associação de Ucranianos em Portugal - a enfermeira que passou a caseira de um condomínio fechado, foi bater à porta de supermercados, cafés e cabeleireiros a pedir ajuda. Chorou muito e pensou que ia enlouquecer nas primeiras semanas. Um esforço recompensado quando a igreja na estrada do Adarse, em Alverca, ficou cheia de roupa, alimentos e outros bens que seguiram em camiões, embalados em caixas para a Ucrânia. Mas actualmente, lamenta, a mesma igreja está praticamente vazia. “Ninguém ajuda agora, só a Câmara de Vila Franca de Xira, as juntas de freguesia e algumas pessoas que ainda telefonam. Mas a guerra ainda não acabou”, salienta a voluntária de 49 anos.
Embora o conflito subsista conta que muitos dos que se refugiaram em Portugal já voltaram para a Ucrânia ou procuraram outros países onde acreditam ter melhores condições de vida. Dá o exemplo de duas amigas, uma delas com uma filha pequena, que ficaram a viver em casa de uma professora em Vila Franca de Xira, mas que já regressaram às origens. Ajudadas pela Sobor mantêm-se cerca de dez pessoas no concelho de Vila Franca de Xira.