Liga dos Combatentes de Tomar é um apoio para os antigos combatentes esquecidos
O Núcleo da Liga dos Combatentes de Tomar ajuda diariamente antigos combatentes e familiares que se sentem esquecidos. A principal missão da associação é “servir os vivos e honrar os falecidos que colocaram a sua vida em risco pela pátria”, afirma Paulo Rêpas, presidente do núcleo.
O Núcleo da Liga dos Combatentes de Tomar foi fundado em Junho de 1926 e tem como propósito “servir os vivos e honrar os falecidos que colocaram a sua vida em risco pela pátria”, afirma a O MIRANTE Paulo Rêpas, presidente do núcleo. Com cerca de seis centenas de sócios activos e quase dois mil registados, todos eles residentes nos concelhos de Tomar, Ferreira do Zêzere e Ourém, o núcleo apresenta-se como um importante ponto de encontro para uma classe que habitualmente não tem muito suporte social nem económico.
Paulo Rêpas, 54 anos, nasceu em Cantanhede, no distrito de Coimbra, e veio morar para Tomar em 1996 quando entrou em missões de paz na Bósnia, Alemanha, Bélgica, Itália, Kosovo, Timor e Afeganistão. Foi também paraquedista em prontidão de 48 horas, um dos motivos para passar à reserva devido ao pouco tempo que passava com a família. Lembra-se de ver o seu pai regressar da guerra quando tinha quatro anos e por isso, aos 19 anos, decidiu entrar para a academia militar na Amadora. Em Outubro de 1993 foi colocado no batalhão de infantaria mecanizado em Santa Margarida, onde permaneceu durante seis anos. Foi comandante de pelotão e comandante de companhia nas missões de apoio à paz na Bósnia, em 1997 e em 1999, quando acontecia a guerra entre muçulmanos e sérvios.
Confessa a O MIRANTE que sentia uma grande responsabilidade em trazer de volta a Portugal todos os militares vivos e com saúde. Os militares que estiveram nas missões de 1996 dormiam em sacos-cama com temperaturas negativas, a higiene era feita com toalhetes e alimentavam-se de massa com queijo todos os dias. Em 1997, quando foi na sua primeira missão para a Bósnia, começaram a ter colchões, existiam duas casas-de-banho para 180 pessoas, os banhos eram tomados num atrelado na rua e já conseguiam arranjar contratos para que lhes fosse fornecida comida para confeccionarem.
O contacto com a família era através de cartas e existiam dois telefones para 180 homens falarem com a família durante um ou dois minutos. O actual presidente refere que estava preparado para as dificuldades que passou porque os treinos eram bastantes duros e até mais difíceis do que as missões no estrangeiro. Paulo Rêpas encara a vida de forma diferente e sente gratidão por viver num país com condições, paz e comida depois de ver e experienciar outras realidades. “Nunca vou reclamar se a comida não está quente porque passava 10 horas sem comer ou sem beber água”, revela.
As dificuldades dos ex-combatentes
O sócio mais antigo do núcleo registou-se em 1965, mas todos os meses chegam ao núcleo antigos combatentes. Actualmente a sócia com mais idade é uma senhora de 96 anos. A maioria dos associados combateram na guerra da Guiné, Angola e Moçambique. Paulo Rêpas foi vice-presidente em 2020, assumiu o cargo de presidente em Janeiro de 2021, mas diz que 2023 é o seu último ano no cargo, embora admita continuar a ajudar na integração do próximo responsável. Paulo Rêpas dirige o núcleo voluntariamente e, apesar de ser um trabalho exigente, admite ser muito gratificante ajudar as pessoas. “As pessoas são extremamente idosas e algumas delas precisam de ajuda, têm dificuldades, gostam de conversar e de ter alguém que as ouça”, refere.
A guerra na Ucrânia trouxe à tona alguns traumas aos ex-combatentes, realidade que tem sido ultrapassada com conversa, partilha de emoções e de histórias de guerra. “Na altura é difícil, duro e perigoso, mas regressamos e correu tudo bem e isso já é um motivo para estarmos felizes”, sublinha. O núcleo ajuda na acessibilidade à documentação do serviço militar, como o cartão do antigo combatente, também através de apoio médico, semanal, e psicológico, mensal e com descontos em produtos e serviços como farmácias, oficinas, seguros, entre outros. A principal dificuldade dos antigos combatentes é o valor reduzido do subsídio anual que recebem, que se situa entre os 75 e os 150 euros. O novo estatuto entrou em vigor há três anos e dá-lhes alguns benefícios com o cartão de antigo combatente, mas o dirigente refere que o Governo “apenas reconhece moralmente porque materialmente não veio alterar nada o que já tinha sido feito em 2002”.