Semana da Amamentação: “Não se pode ter vergonha por se alimentar uma criança”
A amamentação é um processo biológico e faz-se em qualquer lugar, ou pelo menos devia ser assim. Ainda há muitas mulheres que sentem vergonha de amamentar num local público, diz estudo. Na Semana Mundial da Amamentação, que arranca esta terça-feira, 1 de Agosto, Rita Matos e Carolina Tavares falam das suas experiências com o aleitamento e alertam para temas como a sexualização do acto e a promoção do leite de fórmula.
Ao saber que estava grávida, Rita Matos escolheu amamentar o seu bebé. Leu artigos sobre amamentação e informou-se junto de profissionais de saúde durante a gestação, mas o desejo acabou por sair quebrado à nascença. Com Vicente a começar a vida no serviço de neonatologia do hospital devido a imaturidade respiratória, que não lhe permitia fazer uma sucção adequada, a solução indicada pelos profissionais de saúde foi a introdução de leite de fórmula. Já em casa, mãe e filho acabaram por não se adaptar, além de que a produção de leite já tinha sofrido uma grande quebra. “Fiz o melhor que sabia naquela altura. Se tivesse tido aconselhamento acho que teríamos tido um desfecho diferente”, declara esta mãe de 31 anos, residente na Póvoa de Santa Iria.
À chegada da segunda gravidez a expectativa foi outra: “quero amamentar, mas se não conseguir está tudo bem”. Também o desenlace acabou por ser diferente - embora uma médica lhe tenha sugerido a introdução de leite de fórmula, que descartou - e a prova dura até aos dias de hoje através de Vitória, de um ano, que continua a ser amamentada pela mãe. Não em exclusivo, claro. Mas uma vez de manhã, antes do pequeno-almoço, e “depois das 17h00 é bar aberto”, brinca Rita Mendes. “Enquanto estivermos confortáveis vamos continuar”, avisa em jeito de resposta aos comentários, desagradáveis, que vai ouvindo como: já não precisa de mamar, só quer mama, ou às questões retóricas em tom de espanto sobre se a bebé de um ano ainda mama. “Como se mamar durante um ano fosse muito tempo”, atira, considerando que ainda existem muitos mitos, estigmas e desinformação.
É recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) iniciar a amamentação nos primeiros 60 minutos de vida, assim como o aleitamento materno como forma exclusiva de alimentação até aos seis meses do bebé e, de forma complementar, até aos dois anos. Até porque, além de contribuir para criação de um vínculo afectivo mãe-filho, a amamentação traz inúmeras vantagens para ambos. Entre outras, o Sistema Nacional de Saúde destaca os anticorpos do leite materno que “ajudam a proteger a criança das doenças infantis como a diabetes, infecções respiratórias, otite, síndrome de morte súbita e refluxo gástrico.
Mais de metade das mães acha que amamentar em público ainda não é considerado normal
Sobre amamentar em público são vários os estudos a demonstrar que há muitas mães que se sentem desconfortáveis ao fazê-lo. A Phillips, autora de um desses estudos lançado a propósito da Semana Mundial da Amamentação, que se assinala de 1 a 7 de Agosto, conclui que cerca de dois terços (66%) das mães a nível mundial se sentiriam mais confiantes e confortáveis a amamentar em público, se fosse considerado “normal”.
A principal causa apontada pelas mais de seis mil mulheres inquiridas em 25 países para não considerarem viável a amamentação em público ou ficarem hesitantes é a vergonha ou desconforto em amamentar ao pé de pessoas desconhecidas (52%). Esta mãe de 31 anos encaixaria nesta percentagem, caso tivesse sido uma das interrogadas mas ainda durante a gravidez. “Achei que me fosse sentir assim, mas acabou por não acontecer. Amamentar foi algo natural, que fazia sempre que ela tinha fome”.
Quem também nunca teve problemas em amamentar em espaço público sob o olhar, por vezes demasiado atento, de desconhecidos foi Carolina Tavares, que amamentou o Henrique, de quatro anos, até aos três anos e meio. “Amamentei em público sem dificuldade nenhuma. Sou da equipa que defende que amamentar é natural; não se pode ter vergonha do corpo por se alimentar uma criança. Faz falta uma mudança de visão sobre a amamentação, até porque quando a mulher está a amamentar em público com a mama exposta, aquele momento, que é biológico, acaba por ser sexualizado por quem está de fora”, alerta, sublinhando que sentiu mais a pressão dos olhares, sobretudo de estranheza, quando Henrique passou de bebé a criança. “Mas nunca me deixei intimidar por isso. Parei de amamentar quando foi o momento certo para os dois”, explica.
*Artigo completo na próxima edição impressa de O MIRANTE