Partiu o pé num buraco e o seguro não paga despesas porque não chamou a Polícia
Maria de Lurdes Venâncio fracturou o tornozelo direito num buraco do passeio em Santarém. O acidente ocorreu há um ano mas a vítima não o participou à polícia, pelo que o seguro da Câmara de Santarém descartou o pagamento de quaisquer despesas. A mulher não se conforma e o município avalia o enquadramento legal para conceder eventual apoio.
Faz agora um ano que um acidente mudou a vida de Maria de Lurdes Venâncio, 76 anos. A moradora no Vale de Santarém, deslocava-se para a sessão de fisioterapia que andava a fazer ao ombro, em Santarém, quando fracturou o tornozelo num buraco na calçada na Avenida 25 de Abril, perto da gare da Rodoviária do Tejo. O acidente aconteceu na manhã de 28 de Julho de 2022 e afectou a sua mobilidade e equilíbrio até hoje, pois não sente três dedos do pé. Para cúmulo da má sorte, a testemunha que a acompanhava na altura não chamou a polícia e o seguro da Câmara de Santarém, escudando-se nesse detalhe, negou-lhe o pagamento dos tratamentos, declarando o caso encerrado.
Na mesa da sala-de-estar de casa, Maria de Lurdes mostra-nos um acumulado de facturas, umas do táxi que teve de pagar por ter perdido o direito à ambulância que a levava três vezes por semana à fisioterapia em Santarém (gastos semanais de 60 euros), outras de injecções, medicamentos, sapatos ortopédicos por não conseguir calçar outros e que ascenderam aos 90 euros. No início de Junho, diz que sem saber porquê, foi-lhe interrompida a fisioterapia que durava desde Dezembro e era paga pela Caixa Geral de Aposentações: “O que me falta são as mãos da fisioterapeuta”, afirma Maria de Lurdes emocionada.
Depois da filha Luzia escrever uma carta ao presidente da Câmara de Santarém e enviar vários e-mails a explicar a situação da mãe e a necessidade de arranjo da calçada, entretanto efectuado, Maria de Lurdes dirigiu-se à câmara municipal onde expôs o caso. A 15 de Dezembro recebeu a visita de uma pessoa do seguro que a questionou sobre se tinha chamado a polícia aquando do acidente, o que não aconteceu por desconhecimento da própria e da testemunha. Em Abril deste ano recebeu uma resposta do seguro que desresponsabilizava a câmara pelas irregularidades no pavimento: “A queda sofrida resulta de um acidente pessoal e não da existência de qualquer vício no pavimento (…) Pelo exposto, embora lamentemos, somos forçados a encerrar o presente processo sem dar lugar a qualquer indemnização”, lê-se na carta enviada pela companhia de seguros, a que O MIRANTE teve acesso.
Fonte da Câmara de Santarém disse a O MIRANTE que o caso está a ser analisado internamente para avaliar se há enquadramento legal para poderem conceder algum apoio a Maria de Lurdes Venâncio. Para Agosto ficou marcada uma reunião com a munícipe.
Marcas do acidente ainda são visíveis
Maria de Lurdes foi transferida para o Hospital de Abrantes no dia do acidente e na mesma data para o Hospital Distrital de Santarém, onde viria a ser operada oito dias depois. Andou de cadeira de rodas durante alguns meses e usou gesso. Ainda usa canadiana para auxiliar a locomoção. Vive com 350 euros e a pensão de viuvez do ex-companheiro, funcionário da Câmara de Santarém. Maria de Lurdes e a filha Luzia querem alertar a população para a necessidade de chamar a polícia em situações similares.
Maria de Lurdes Venâncio está a tentar voltar a ter direito à fisioterapia e há a possibilidade de voltar a ser operada na esperança de recuperar a vida que tinha, em que cuidava da sua horta sem limitações físicas de maior.
À Margem / Opinião
É quase o conto do vigário, mas acontece aos melhores
Esta história das seguradoras se demitirem das suas responsabilidades em casos como este, que contamos nesta página, não acontece só aos cidadãos desprotegidos e desinformados. Um funcionário da empresa editora de O MIRANTE foi abalroado quando conduzia numa estrada nacional por um outro motorista que não parou ao sinal stop. Os bombeiros foram chamados ao local do acidente, mas depois de assistirem a vítima, esta seguiu para casa. Não houve intervenção das autoridades. Conclusão: a seguradora esteve mais de dois meses sem entregar carro de substituição à empresa e sem dar novas nem mandadas. Como fizemos várias notícias sobre o assunto, a companhia de Seguros Vitória, que era a seguradora do motorista que não parou no stop, seguiu com o caso para tribunal alegando difamação. Acabou por pagar o carro, mas muito tempo depois de um litígio em tribunal que ganharam, como é normal num país onde quem manda é quem domina o poder económico que, por sua vez, domina na Justiça, já que quem tem unhas é que toca viola.