Sociedade | 05-08-2023 18:00

Um ex-revisor da CP que chegou a arriscar a vida na linha do comboio para salvar uma pessoa

Um ex-revisor da CP que chegou a arriscar a vida na linha do comboio para salvar uma pessoa
Luciano Vieira foi revisor da Comboios de Portugal durante mais de três décadas e tem muitas histórias para contar

Luciano Vieira foi revisor da Comboios de Portugal durante mais de três décadas, dando seguimento à ligação da sua família ao sector ferroviário. Em conversa com O MIRANTE, recorda algumas histórias caricatas do seu tempo de serviço e deixa críticas à forma como o Entroncamento tem aproveitado mal os seus recursos.

A história de vida de Luciano Vieira não se pode dissociar da Comboios de Portugal (CP), empresa onde ingressou em 1989, por influência familiar, uma vez que o seu pai e irmãos já estavam ligados à vida ferroviária: o pai como chefe de estação e os irmãos como trabalhadores das oficinas. Natural de Rexaldia, aldeia no concelho de Torres Novas, realizou os testes psicotécnicos e, por gostar do contacto com pessoas, optou pela carreira de revisor. Realizou um curso de cinco meses, que descreve como tendo sido muito exigente, e fez o estágio final na linha de Sintra, uma das mais movimentadas do país. Por ser uma linha muito movimentada, com situações desfavoráveis, preparavam o revisor tanto para o melhor como para o pior.
Em 1996 foi colocado no Entroncamento, cidade onde trabalhou até 2022, ano em que se reformou. Actualmente reside no concelho de Constância, tendo deixado a cidade ferroviária há cerca de oito anos, devido a uma série de acontecimentos que diz terem sido desagradáveis e que colocaram a sua segurança em risco. “Como muitas vezes deixava o serviço à noite, comecei a ganhar receio de ser assaltado, como infelizmente soube que aconteceu a alguns colegas e até passageiros”, explica a O MIRANTE.
Sobre as suas funções, Luciano Vieira defende que ser revisor é “muito enriquecedor pela abrangência de tarefas que exige”. Explica que são necessárias características pessoais muito peculiares, uma vez que as tarefas exigem, para além do desgaste físico, muita disponibilidade mental. O ex-revisor falava com centenas ou milhares de pessoas por dia, e por isso trabalhou sempre as suas competências emocionais e capacidade de lidar com o stress, conta. Pontualidade, assiduidade, educação e boa imagem, são algumas das características indispensáveis num revisor, acrescenta. “Somos o rosto da empresa”, sublinha. A evolução tecnológica dos equipamentos é uma das grandes diferenças na profissão entre a actualidade e o tempo em que começou a exercer.

Uma profissão arriscada
Luciano Vieira recordou a O MIRANTE alguns episódios do tempo em que fez parte da brigada de fiscalização na linha de Sintra e Cascais. Chegou a ser ameaçado com armas brancas e agredido ao murro e pontapé, tendo ficado quatro meses de baixa. Entre as várias situações, destaca uma história com final feliz, que ocorreu na Damaia, quando uma senhora idosa, ao atravessar a linha, não se apercebeu da passagem de um comboio rápido. Luciano Vieira decidiu lançar-se sem medo e salvou a vida da senhora nos últimos instantes. Passado dois dias, a filha da senhora foi à estação agradecer-lhe pela coragem e por ter salvo a sua mãe. Nove anos mais tarde, numa pausa de serviço no concelho da Guarda, estava a jantar com um colega e foi surpreendido por alguém que se dirigiu à sua mesa. Era, novamente, a filha da senhora que, após todos aqueles anos, ainda se recordava do revisor e aproveitou para relembrar o episódio e voltar a agradecer.

Entroncamento está estagnado
Luciano Vieira viveu mais de duas décadas no Entroncamento, mas decidiu mudar-se para o concelho de Constância porque, para além da insegurança, já não se revia na forma como o concelho estava a ser gerido em termos políticos. “Deixou de haver desenvolvimento; o concelho do Entroncamento está estagnado. Não há nada que motive as pessoas a ficar, não há qualidade de vida”, lamenta, embora reconheça que guarda melhores momentos do que maus do tempo em que viveu na cidade ferroviária. O ex-revisor diz que a actividade ferroviária no Entroncamento está “mal explorada”, uma vez que poderia servir como potencial turístico e económico e contribuir para o desenvolvimento do concelho e dar mais qualidade de vida aos munícipes.

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