“Amamentar é natural, não podemos ter vergonha por se alimentar uma criança”
A amamentação é um processo biológico e faz-se em qualquer lugar, ou pelo menos devia ser assim.
Ainda há muitas mulheres que sentem vergonha de amamentar num local público, diz estudo. Na Semana Mundial da Amamentação, Rita Matos e Carolina Tavares falam das suas experiências com o aleitamento e alertam para temas como a sexualização do acto e a promoção do leite de fórmula.
Ao saber que estava grávida, Rita Matos escolheu amamentar o seu bebé. Leu artigos sobre amamentação e informou-se junto de profissionais de saúde durante a gestação, mas o desejo acabou por sair quebrado à nascença. Com Vicente a começar a vida no serviço de neonatologia do hospital devido a imaturidade respiratória, que não lhe permitia fazer uma sucção adequada, a solução indicada pelos profissionais de saúde foi a introdução de leite de fórmula. Já em casa, mãe e filho acabaram por não se adaptar, além de que a produção de leite já tinha sofrido uma grande quebra. “Fiz o melhor que sabia naquela altura. Se tivesse tido aconselhamento acho que teríamos tido um desfecho diferente”, declara esta mãe de 31 anos, residente na Póvoa de Santa Iria.
À chegada da segunda gravidez a expectativa foi outra: “quero amamentar, mas se não conseguir está tudo bem”. Também o desenlace acabou por ser diferente - embora uma médica lhe tenha sugerido a introdução de leite de fórmula, que descartou - e a prova dura até aos dias de hoje através de Vitória, de um ano, que continua a ser amamentada pela mãe. Não em exclusivo, claro. Mas uma vez de manhã, antes do pequeno-almoço, e “depois das 17h00 é bar aberto”, brinca Rita Mendes. “Enquanto estivermos confortáveis vamos continuar”, avisa em jeito de resposta aos comentários, desagradáveis, que vai ouvindo como: já não precisa de mamar, só quer mama, ou às questões retóricas em tom de espanto sobre se a bebé de um ano ainda mama. “Como se mamar durante um ano fosse muito tempo”, atira, considerando que ainda existem muitos mitos, estigmas e desinformação.
É recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) iniciar a amamentação nos primeiros 60 minutos de vida, assim como o aleitamento materno como forma exclusiva de alimentação até aos seis meses do bebé e, de forma complementar, até aos dois anos. Até porque, além de contribuir para criação de um vínculo afectivo mãe-filho, a amamentação traz inúmeras vantagens para ambos. Entre outras, o Sistema Nacional de Saúde destaca os anticorpos do leite materno que “ajudam a proteger a criança das doenças infantis como a diabetes, infecções respiratórias, otite, síndrome de morte súbita e refluxo gástrico.
Rita Mendes reparou num outro benefício, neste caso, para mãe e filha: a qualidade e tempo de sono. “Com o Vicente tinha obrigatoriamente de me levantar para ir fazer o leite, já com ela despertamos muito pouco. O leite está sempre pronto, ela mama e voltamos a dormir mais facilmente. Em saídas à rua também é muito mais fácil porque não tenho de andar com biberões, água e fórmula atrás”, nota.
Mais de metade das mães acha que amamentar em público ainda não é considerado normal
Sobre amamentar em público são vários os estudos a demonstrar que há muitas mães que se sentem desconfortáveis ao fazê-lo. A Phillips, autora de um desses estudos lançado a propósito da Semana Mundial da Amamentação, que se assinala de 1 a 7 de Agosto, conclui que cerca de dois terços (66%) das mães a nível mundial se sentiriam mais confiantes e confortáveis a amamentar em público, se fosse considerado “normal”.
A principal causa apontada pelas mais de seis mil mulheres inquiridas em 25 países para não considerarem viável a amamentação em público ou ficarem hesitantes é a vergonha ou desconforto em amamentar ao pé de pessoas desconhecidas (52%). Esta mãe de 31 anos encaixaria nesta percentagem, caso tivesse sido uma das interrogadas mas ainda durante a gravidez. “Achei que me fosse sentir assim, mas acabou por não acontecer. Amamentar foi algo natural, que fazia sempre que ela tinha fome”.
Quem também nunca teve problemas em amamentar em espaço público sob o olhar, por vezes demasiado atento, de desconhecidos foi Carolina Tavares, que amamentou o Henrique, de quatro anos, até aos três anos e meio. “Amamentei em público sem dificuldade nenhuma. Sou da equipa que defende que amamentar é natural; não se pode ter vergonha do corpo por se alimentar uma criança. Faz falta uma mudança de visão sobre a amamentação, até porque quando a mulher está a amamentar em público com a mama exposta, aquele momento, que é biológico, acaba por ser sexualizado por quem está de fora”, alerta, sublinhando que sentiu mais a pressão dos olhares, sobretudo de estranheza, quando Henrique passou de bebé a criança. “Mas nunca me deixei intimidar por isso. Parei de amamentar quando foi o momento certo para os dois”, explica.
É inegável que para a mulher a amamentação é uma experiência única e nem sempre um mar de rosas. Há complicações que podem surgir como a mastite, ansiedade e fissuras mamárias. Também o bebé pode atrapalhar o processo, por exemplo ao não abocanhar correctamente. No caso de Carolina Tavares, de 34 anos, e do filho Henrique o processo “foi muito fluido, bem intuitivo” e decorreu sem complicações. Para isso, conta esta mãe residente na Póvoa de Santa Iria, contribuiu a equipa de enfermagem do hospital que a ensinou a posição para o bebé pegar melhor na mama e como deveriam estar os seus lábios para conseguir ter uma sucção adequada. “Fez toda a diferença. A amamentação exclusiva durou até aos seis meses”, idade em que Henrique iniciou a introdução alimentar sem nunca ter ingerido leite de fórmula.
Publicidade ao leite em pó desincentiva a amamentação
No mundo, menos de metade dos bebés é alimentado exclusivamente por leite materno e os cientistas culpam, em parte, a indústria do leite artificial. Apesar de em Portugal ser proibida a promoção de leite para bebés até aos seis meses, não é difícil encontrar num hipermercado ou farmácia rótulos de leites de fórmula com mensagens atractivas como “melhora a digestão, fórmula anti-cólica, ou previne refluxo”.
Em Fevereiro de 2023, a revista científica Lancet publicou três artigos que concluem que os rótulos de leite artificial contêm informação científica pouco válida que promove o uso do produto. Por cá, em 2021, um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto concluiu que a indústria utiliza técnicas de marketing que contornam a lei ao fazer publicidade através de produtos dirigidos a outras faixas etárias.
“A publicidade de leite em pó para bebés acaba por romantizar e incentivar a que as pessoas deixem de amamentar porque aquele leite de facto nutre e há mulheres que não conseguem amamentar por questões várias, mas é inquestionável quanto o leite materno faz bem para a criança”, afirma Carolina Tavares.