Violadas regras na alteração de estatutos da Associação da Casa-Memória de Camões em Constância
O Ministério Público deu um prazo até meio de Setembro para a associação expurgar artigos dos estatutos que conferem posição dominante à Câmara de Constância na entidade que gere a Casa-Memória de Camões e o Jardim-Horto Camoniano.
O Ministério Público considera que a alteração dos estatutos da Associação da Casa-Memória de Camões em Constância, ocorrida em 2021 contém erros que violam regras legais imperativas e convidou essa entidade, em que o município de Constância passou a assumir posição dominante, a proceder a nova alteração dos estatutos, até 15 de Setembro, para corrigir as situações anómalas. A direcção da associação, liderada por Máximo Ferreira desde final de Fevereiro de 2022, já recebeu a notificação do Ministério Público e o despacho está a ser objecto de análise jurídica. “Logo que haja matéria para tomarmos uma decisão, tomá-la-emos e ficaremos disponíveis para comentários”, respondeu-nos o dirigente.
A alteração de estatutos da Associação da Casa-Memória de Camões (ACMC) foi registada em Novembro de 2021 e, entre outras mudanças, concedeu ao município a possibilidade de escolher dois dos três elementos para o conselho fiscal e a ter direito de veto sobre documentos fundamentais para a gestão da associação, como os orçamentos e relatórios e contas. Refira-se que antes da aprovação da alteração de estatutos em assembleia-geral da associação, essa proposta já tinha sido validada também em reuniões do executivo camarário e da Assembleia Municipal de Constância. A decisão visava contornar ilegalidades detectadas pela Inspecção-Geral de Finanças (IGF) na atribuição de subsídios municipais essenciais para a sobrevivência da associação, que gere a Casa Memória de Camões e o Jardim-Horto Camoniano.
A alteração dos estatutos suscitou alguma polémica na vila, com o presidente do conselho fiscal da associação à época, José Luz, a contestar o que considerou ser a municipalização da ACMC, expondo o caso ao Ministério Público que, agora, deu razão a parte da sua argumentação. A Procuradora da República em Abrantes foi taxativa no despacho, referindo que atribuem-se nos novos estatutos, ao município de Constância, “direitos superiores aos dos restantes associados, seja na integração do conselho fiscal, seja quanto às deliberações em si (em violação do princípio da igualdade, uma das vertentes da liberdade de associação)”.
A magistrada deixa ainda “uma última observação para o disposto no artigo 30º nº2 dos estatutos que determina, em caso de dissolução da associação, a atribuição à associada Câmara Municipal de Constância de todo o activo líquido e do património da associação, em violação mais uma vez do princípio da liberdade de associação enquanto dimensão do princípio da igualdade”. O MP considera que “não é admissível que na liquidação da associação, o património seja atribuído a um associado em exclusivo”.
Durante o processo de revisão dos estatutos, que se iniciou em 2020 e levou cerca de ano e meio a ficar concluído, o presidente da Câmara de Constância alegou que essa era a única opção possível para permitir que a autarquia continuasse a financiar a associação em cerca de 16 mil euros anuais e assim garantir a sua viabilidade sem incorrer em possíveis ilegalidades apontadas pela IGF. Sérgio Oliveira refutou que houvesse uma tentativa de intromissão do município na vida da associação e sublinhou que essa solução foi acordada com a direcção da associação, então liderada por António Matias Coelho.
Relação umbilical entre associação e município
A ligação umbilical entre o município e a associação vem desde a génese desta, no final da década de 70. Na altura, um dos fundadores foi Fernando Manuel Alves Morgado da Silva, em representação da Câmara Municipal de Constância na qualidade de seu presidente. As instalações onde a ACMC tem sede e desenvolve actividades foram construídas por iniciativa do município e a presença de autarcas ou ex-autarcas nos órgãos sociais é habitual. O actual presidente da direcção, Máximo Ferreira, eleito em Fevereiro de 2022, foi presidente da Câmara de Constância pela CDU, entre 2009 e 2013, mas está retirado da política activa.