Sociedade | 28-08-2023 10:00

Médico que espera há sete meses pela reforma recebeu multa de carro que está parado há quatro anos

Médico que espera há sete meses pela reforma recebeu multa de carro que está parado há quatro anos
O médico José Teles e a esposa, Natércia Teles, acolheram três irmãs que estavam institucionalizadas

José Teles, 66 anos, entregou os papéis para se reformar em Novembro do ano passado e deveria estar reformado desde Janeiro deste ano, mas continua a aguardar que venha a confirmação da sua aposentação.

A história de vida deste médico de Coruche tem vários episódios caricatos, como aquele em que recebeu, recentemente, uma multa de um carro que está parado há mais de quatro anos (ver caixa).

José Teles é médico nas Unidades de Saúde Familiar do Couço e de Coruche e já deveria estar reformado desde Janeiro deste ano, mas os papéis para a sua aposentação teimam em não chegar. Diz estar cansado de enviar emails para as entidades responsáveis e descobriu que ninguém tem mexido no processo. Após ter sofrido um enfarte em 2019 e ter sido diagnosticado com um tumor no intestino em 2021, do qual está recuperado, José Teles decidiu, no início de Agosto, colocar um atestado médico e garante que não volta a trabalhar enquanto não vierem os papéis para a reforma. “Tenho 66 anos, estou muito mais cansado. A minha cardiologista aconselhou-me a ficar de baixa porque a minha saúde já não é o que era. Não quero morrer agarrado a um estetoscópio”, afirma em conversa com O MIRANTE.
Há cerca de quatro meses que a previsão da sua reforma é de oito dias. Ao dia 20 de cada mês José Teles aguarda a confirmação da sua reforma, mas até agora “nem novas nem mandadas”. O clínico, que trabalha há 36 anos no Couço, concelho de Coruche, lamenta que a profissão de médico tenha perdido o ‘status’ que tinha há décadas, acrescentando já não existir o respeito que existia, o que, afirma, acaba por prejudicar o atendimento aos utentes. O médico recorda o dia em que uma utente entrou no seu gabinete, sem bater à porta, quando estava a atender outra pessoa, aos gritos a pedir que lhe passasse uma receita. Pela atitude desrespeitosa da senhora José Teles decidiu não passar a receita. Umas semanas depois recebeu uma carta da Ordem dos Médicos com uma queixa dessa senhora. “Respondi à Ordem a perguntar onde fica a impunidade dos doentes e o seu respeito pelos médicos”, conta. O mais curioso da história é que, mais tarde, a mesma senhora foi bater à porta de sua casa, em Salvaterra de Magos, para ir buscar a filha, que era colega do seu filho. “A senhora pediu-me desculpa e a menina continuou a frequentar a nossa casa”, refere.
José Teles é da opinião que Coruche é o único concelho do sul do distrito de Santarém que funciona bem em termos de saúde e que não tem falta de médicos. “Porque é que isso acontece? Porque as USF modelo B ganham mais, embora tenham muitos objectivos a cumprir sobretudo avaliações técnicas e formações”, vinca.

Médicos são mal remunerados
O médico explica porque há mais falta de médicos no sul do país. “A zona norte tem critérios de avaliação diferentes da zona sul. Facilitam muito mais no norte do que no sul nos exames de saída da especialidade, ou seja, as notas no norte são sempre melhores do que no sul. O que faz com que, quando abrem vagas, os médicos do norte ocupem parte da zona sul até onde lhes interessa, mas assim que podem regressam ao norte. Os ordenados são miseráveis e os médicos não têm interesse em ficar longe de casa”, sublinha. José Teles considera existir mais qualidade na medicina em Portugal, mais modernidade e médicos melhor qualificados. O problema, frisa, “é que se um médico ganha, por exemplo, 1.500 euros por mês e tem que se deslocalizar para longe de casa, se tiver filhos, não é muito dinheiro, não chega para todas as despesas”.
O médico destaca que nos meios rurais só se justifica existir medicina privada quando os centros de saúde ou USF funcionam mal, o que não é o caso do concelho de Coruche. Nos meios mais pequenos como o Couço, José Teles tem três tipos de doentes: os que o viram crescer, os que andaram consigo na escola e os que viu nascer. Muitas foram as vezes, nos anos 80 e 90, que ia a casa dos doentes e, caso percebesse que tinham dificuldades económicas, não cobrava a consulta. Muitas foram as oferendas que os doentes fizeram questão de lhe dar, sobretudo no Natal, o que ainda continua a acontecer, revela.

Acolheu três irmãs que estavam institucionalizadas

José e Natércia Teles são casados há várias décadas e quando o filho mais novo foi para a universidade decidiram acolher três irmãs que estavam institucionalizadas na Fundação Madre Andaluz. Natércia Teles, de 62 anos, é professora, e sempre gostou de ajudar. Durante uma das visitas da escola à Fundação Madre Luiza Andaluz teve conhecimento de três irmãs que foram retiradas aos pais por falta de condições. O tribunal decidiu que José e Natércia seriam família de acolhimento de Joana, de 11 anos, Tatiana, de nove anos, e Soraia, de sete anos. Soraia, por ter uma doença do foro mental, só ia a casa aos fins-de-semana. Joana é a única que continua a fazer parte da família e os padrinhos, como são designados, contam com orgulho que a jovem fez o curso de Educação Social sem chumbar um ano nem deixar disciplinas em atraso, e ainda concluiu o mestrado. “A Joana tem 33 anos, vive em Lisboa e os nossos filhos apresentam-na sempre como irmã. Os sobrinhos adoram-na”, confessa José Teles, acrescentando que voltaria a fazer tudo igual.

Multado com carro que está parado há anos

José Teles teve uma surpresa quando a 13 de Julho recebeu uma carta a informar que o seu carro, um Volkswagen com mais de 60 anos, que está parado desde 2019, foi apanhado pelo radar a circular em excesso de velocidade em Coimbra. O mais curioso é que na multa, que refere poder ir de 60 a 300 euros, refere que o veículo pertence à categoria de pesados e circulava a 80km/hora. “É um carro muito antigo que comprei há cerca de dez anos. Como não tenho espaço em casa para o guardar, está parado na oficina de um amigo”, explica a O MIRANTE. José Teles enviou carta de reclamação e colocou a hipótese de algum veículo pesado estar a circular com matrícula falsa. “Disseram-me que não e que houve um engano. É sempre uma chatice que me obrigou a perder tempo”, lamenta.

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