Desfiles nas festas do Ribatejo têm cada vez mais a presença das mulheres
Trajadas a preceito, no alto das suas montadas, desfilam com experientes campinos e cavaleiros por amor e respeito à tradição.
Da postura mais séria e firme de Madalena, ao sorriso doce e rasgado de Maria Leonor, a presença de meninas e mulheres é cada vez mais notória nos desfiles das festas ribatejanas, como aquele que passou por Samora Correia no passado fim-de-semana.
As mulheres não são a maioria nos desfiles a cavalo ou nas entradas de toiros nas festas ribatejanas, mas estão lá. São mais a cada ano que passa e começam cada vez mais cedo. Fazem-no por vontade própria, por vezes incentivadas pelos pais e avôs orgulhosos de as terem a cavalgar lado a lado, trajadas a rigor. E pouco ou nada se incomodam com o facto de ainda serem uma minoria. O que importa, explicam, é o amor à tradição ribatejana e a paixão que têm pelos cavalos. Esta é a visão de três amazonas que O MIRANTE abordou minutos antes de arrancar, numa tarde cálida de Agosto, o desfile etnográfico das Festas em Honra de Nossa Senhora da Oliveira e de Nossa Senhora de Guadalupe, em Samora Correia.
Com apenas 11 anos, Maria Leonor Salvador já perdeu a conta ao número de desfiles em que participou. Só este ano vai para o quinto desfile, desta vez na cidade de onde é natural, depois de ter passado por Alcochete, Vila Franca de Xira, Coruche e Porto Alto. De chapéu de abas com pompons, jaqueta listada em cima de uma blusa branca com folhos bordados e saia cortada a meio a esconder as calças que leva por baixo, faz-se acompanhar pelo Ourives, um Lusitano de 1.66 metros, com 500 quilos de peso. Montada no dorso do cavalo, que é da criação do seu avô, confessa sentir-se “importante” sempre que desfila sob o olhar do público nas festas. “Montar a cavalo é uma sensação incrível, faz-me sentir livre. Adoro estes animais”, afirma a jovem que partilha com o avô e o pai, Joaquim Salvador, a paixão pelo mundo equestre. “Já nasceu nisto, está-lhe no sangue”, atira Joaquim Salvador que acompanha um grupo de cinco alunos- dos quais três são do sexo feminino - da escola de equitação Passo a Passo que fazem questão de integrar a moldura do desfile etnográfico que percorre a Avenida o Século até ao largo do Calvário, antes de ter início a tradicional homenagem ao campino. “Cada vez se nota mais a presença das mulheres nos desfies ribatejanos onde o machismo ainda está muito presente”, refere o pai de Maria Leonor que participou pela primeira vez a cavalo num desfile aos seis anos.
A vontade das meninas e mulheres ribatejanas em se afirmarem em actividades equestres e participarem activamente nas tradições ribatejanas, que ainda são protagonizadas maioritariamente pelo sexo oposto, é, afiança, “cada vez maior”. Para justificar a afirmação faz saber que dos 60 alunos da sua escola de equitação apenas 10 são rapazes. “Eles entram mas desistem mais. Quando algo não corre bem têm tendência a culpar o cavalo. Elas não, são mais perfeccionistas, persistentes e perante uma dificuldade tentam interpretar o que correu mal, jogam menos com as emoções”, partilha.
Paixão pelas tradições
Ao lado de Maria Leonor e do Ourives posiciona-se a samorense de 17 anos, Madalena Pirralho, e o Cruzado Português de nome Janota, embelezado com uma trança que se estende ao longo do seu dorso castanho escuro. Também o cabelo da amazona não vai de qualquer jeito, mas apanhado num puxo como manda a tradição que também permite que vá entrançado e seja adornado com uma fita de seda preta. “Tinha nove ou 10 anos quando participei pela primeira vez num desfile, cá em Samora Correia. Participo porque gosto, para descontrair das provas- de equitação- e mostrar o trabalho que faço com o cavalo. Sinto-me muito à vontade nos desfiles”, diz a amazona que enverga um traje à portuguesa verde escuro feito à medida, quando questionada sobre como se sente a cavalgar lado a lado com experientes campinos e cavaleiros com uns quantos jogos de cabrestos pelo meio.
Chegada de Benavente, Ana Sofia Cipriano integra pela primeira vez, aos 13 anos, o desfile das festas de Samora Correia, embora a paixão pela tradição e pelos cavalos a acompanhe desde que se lembra, como se fizesse parte si. Tinha dois anos quando subiu pela primeira vez para o dorso dum cavalo. Era da Cavaleira Ana Batista e foi só para a fotografia, mas pode considerar-se, segundo diz, que é uma apaixonada por estes animais, tal como o seu pai, embora já tenha começado a montar tarde, aos 11 anos. Às 16h00 com um traje castanho a cobrir-lhe o corpo fica mais fácil lidar com o temperamento inconstante do Lidador, um Luso-árabe de olhos esbugalhados e azuis, do que com os 31ºC que marca o termómetro da farmácia mais próxima da zona de concentração dos participantes. “É mais difícil-desfilar assim- mas leva-se”, explica, com gotas de suor a brilhar rosto, a única amazona de um grupo de cinco. “Sinto-me bem aqui, adoro esta tradição”, remata Ana Sofia Cipriano antes de voltar a sentar-se na sela e se posicionar de ombros firmes puxados para trás e cabeça erguida, a pose de uma autêntica amazona que deixou de ter que colocar as pernas de lado para cavalgar. Uma regra quebrada pela primeira vez em 1766, quando a Rainha de Portugal, D. Maria Vitória, decidiu montar em estilo moderno, ou seja, escarranchada, em vez de montar de lado como era prática comum para as mulheres da época.