Pedir ajuda é o primeiro passo para lutar contra o alcoolismo
O grupo de Alcoólicos Anónimos do Cartaxo (AAC) foi criado há cerca de 11 anos. Antes da pandemia eram entre sete a oito elementos, actualmente ficam-se pelos quatro ou cinco.
Retomaram as sessões presenciais, às quintas-feiras à noite, e esperam que mais pessoas apareçam porque, afirmam, há muita gente a precisar de ajuda. O anonimato é peça chave no grupo para que as pessoas se sintam à vontade e confiem no processo.
A primeira vez que João (nome fictício) experimentou uma bebida alcoólica ainda não tinha 11 anos. No Verão ia passar férias a Castelo Branco a casa dos avós, que tinham uma quinta com um alambique onde algumas pessoas pediam para fazer aguardente. Uma vez um senhor deu-lhe a provar aguardente; gostou tanto que, quando se viu sozinho, voltou a beber sem controlo. Não foi parar ao hospital, mas a avó teve de o ajudar a recuperar. Aos 15 anos já bebia sozinho de maneira “violenta”. Nessa altura começou a trabalhar num restaurante na zona de Lisboa. Depois de uns meses a trabalhar nas obras foi trabalhar para as oficinas da Carris, onde ficou 35 anos. Nos primeiros anos nunca sentiu que o que bebia fosse um problema. “Não tinha essa noção, mas bebia descontroladamente. Podia beber três litros de cerveja de repente, mas depois passava para outro tipo de bebida. Não era agressivo, mas bebia exageradamente”, confessa a O MIRANTE à margem de uma sessão com o grupo de Alcoólicos Anónimos do Cartaxo.
Nunca casou nem teve filhos e acha que isso se deveu ao alcoolismo. Teve apenas uma relação ligeira com uma pessoa que tinha os mesmos problemas. Aos 32 anos foi ao psiquiatra porque naquela altura já se queria reformar. Já não tinha tanta resistência, nem capacidade para trabalhar e não gostava que a família e os colegas o chamassem à atenção para não beber. “Houve uma altura que confessei ao médico que bebia, mas menti-lhe e não disse a quantidade”. Foram os seus patrões que o levaram a internar-se numa clínica de reabilitação. “Achei que ia passar um mês na clínica para descansar e quando saísse estava impecável para continuar a beber”, admite. No entanto, o internamento mudou-lhe a vida, sobretudo depois de ouvir a história de um senhor, com idade para ser seu pai, de uma classe social abastada.
Assim que saiu foi à procura de reuniões de alcoólicos anónimos. Durante dois anos todos os dias ia a uma reunião; nunca mais bebeu; já lá vão 27 anos. Foi difícil retomar a vida porque tudo o que fazia anteriormente era em função do álcool. Sempre que acordava, afirma, a primeira coisa que fazia era vomitar e jurar que nunca mais bebia. “O álcool destrói vidas e a família acaba sempre por ser afectada. Ainda há o estigma de ser um alcoólico em recuperação na altura de procurar emprego sobretudo nos meios mais pequenos”, lamenta. Aos 59 anos, confessa que agora tem mais prazer durante os convívios com os seus amigos e não vive angustiado. A sua vida tem mais brilho, sublinha, desde que encontrou a sua actual companheira em Santarém com quem vive desde 2019.
“Enquanto bebi destruí a minha vida”
Miguel (nome fictício) é da zona de Torres Vedras e gosta de fazer a viagem até ao Cartaxo para participar na reunião. Começou a beber álcool aos 19 anos quando era estudante universitário. Admite ter começado de maneira muito violenta, não sabia parar. “Não chegava ao coma, mas não era de todo uma forma saudável de beber”, afirma. Percebeu que beber se tornou um problema quando a família e a namorada da altura o chamaram a atenção. O primeiro namoro terminou por causa do álcool. O que mais lhe custava era acordar de ressaca e sentir a consciência pesada, ao mesmo tempo que também sentia que estava a desiludir a sua família. Aos 31 anos saiu de uma taberna para uma reunião de alcoólicos anónimos e nunca mais voltou a beber, conta. “Foi aí que me apercebi que andei a destruir a minha vida em vez de construir o meu futuro. Nos últimos anos beber já era sinónimo de sofrimento. Passou a ser uma tortura”, confessa. Teve ansiedade nos primeiros anos por não beber, mas conseguiu ultrapassar tudo. Mudou a maneira de ser e com isso veio a mudança externa. Aos 51 anos continua a participar em reuniões para ajudar quem está a passar pelo mesmo problema que viveu. Mantém a mesma companheira dos tempos em que era alcoólico e foi ela uma das principais impulsionadoras para deixar de beber. “Nós somos os únicos responsáveis e temos que saber lidar com isso. O alcoolismo é uma doença crónica e há que saber lidar com ela”, realça.
“Único propósito é manter-nos sóbrios e ajudar outros”
O grupo de Alcoólicos Anónimos do Cartaxo (AAC) foi criado há cerca de 11 anos depois do grupo de Santarém ter fechado portas. Antes da pandemia eram entre sete a oito elementos; agora são cerca de quatro ou cinco. Retomaram as sessões presenciais, às quintas-feiras à noite, no edifício da Cruz Vermelha, no Cartaxo, e continuam com as sessões online todas as segundas-feiras. João refere que gostavam de ter mais elementos porque sabem que existem muitas pessoas que precisam de ajuda. Na noite em que O MIRANTE esteve presente apareceu um jovem pela primeira vez. Tímido, deu o passo mais importante que foi pedir ajuda. Outro elemento, que não quis dar o seu testemunho, partilhou com O MIRANTE que nem sempre aparece em todas as reuniões, mas que se sente bem sempre que o faz.
Além das reuniões semanais têm um grupo no Whatsapp onde estão em contacto todos os dias e conseguem apoiar-se de forma mais próxima. João Pinheiro explica que os elementos mais antigos são apelidados de “servidores de confiança do grupo”. “O nosso único propósito é manter-nos sóbrios e ajudar outros a alcançar a sobriedade. E temos de transmitir a mensagem a quem precisa de ajuda”, vinca.