“Estuários devem ser diamantes; qualquer intervenção pode ser catastrófica”
“Estuários devem ser diamantes; qualquer intervenção pode ser catastrófica”. Para Anabela Cruces, geóloga, o rio é um bem comum. Nesta entrevista fala da importância da educação ambiental e da constituição de equipas multidisciplinares em grandes obras como a de um aeroporto ou de novas barragens.
Anabela Cruces esteve envolvida no projecto de educação ambiental do Paul de Manique do Intendente, em Azambuja, que permitiu a valorização dos seus 18 hectares e das 180 espécies ali existentes e promoveu a sua aproximação à comunidade. A geóloga natural de Lisboa, que reside em Azambuja há 15 anos, é doutorada em Geologia do Ambiente pela Universidade de Lisboa, professora e directora da licenciatura em Engenharia do Ambiente da Universidade Lusófona. Quando lhe pedimos para escolher o local da entrevista elegeu a Vala de Azambuja por ser “emblemática do ponto de vista histórico”, na medida em que marca um período do rio Tejo numa altura em que as estradas eram as suas águas, e por “estar mal conhecida sob o ponto de vista científico”.
Começou cedo a interessar-se pela Geologia, mais concretamente pela actividade vulcânica, paixão que se alimentava dos programas que via com o seu pai, embora a entrada na Universidade já se desse tardiamente, aos 24 anos. Foi mãe a meio do doutoramento, mas a “persistência”, uma das característica que a define a par da “curiosidade”, fizeram-na concluir esse ciclo de estudos ao mesmo tempo que leccionava. Em Azambuja, terra que sente como sua, fundou um projecto, entretanto extinto, que permitia a todos os curiosos conhecer actividades ligadas a sectores tão variados como a apicultura, cestaria e criação de cavalos. “Sempre disponível para trabalhar pelas causas” integrou, como independente, o CDS-PP de Azambuja e arrependeu-se. “Entrar na política foi uma estupidez, o maior disparate que já fiz”, diz. Percebendo a importância da comunicação com o público fez-se monitora do projecto Ciência Viva. “Passar o que conhecemos de um determinado território é importante para aumentar a literacia científica. O conhecimento quando fica entre pares - em artigos de revistas científicas - não é suficiente, muda muito pouco. É preciso que o conhecimento passe cá para fora”, vinca a entrevistada que encontra “alguma dificuldade em encaixar [neste mundo] uma entidade divina”. Aqui fica uma conversa junto à foz do canal que liga Azambuja ao rio Tejo.
Pediu para adiantar a hora desta entrevista por causa do calor. As temperaturas deste Verão são a prova de que vivemos as alterações climáticas em tempo real? Nós, geólogos, trabalhamos na escala dos milhões de anos e aprendemos que o planeta já passou por oscilações climáticas, como os períodos em que os níveis de CO2 na atmosfera eram muito superiores aos que existem, portanto o que acontece hoje não assusta o planeta. Quando vemos cartazes a dizer ‘salvem o planeta’, importa esclarecer que não é o planeta que precisa de ser salvo, o que queremos salvaguardar são as condições favoráveis de que beneficiamos nos últimos milhares de anos, esta estranha estabilidade que nos permite, como espécie, sobreviver. Somos egoístas ao querermos que o planeta permaneça da forma que permite o sucesso da nossa espécie quando são as actividades humanas que estão a provocar alterações climáticas - diferentes das oscilações climáticas que sempre existiram e davam tempo para as espécies se adaptarem. Agora, a mudança está a ser tão rápida que as espécies não vão ter tempo para criar estratégias de adaptação a estas novas condições drásticas.
As pessoas tendem a ser optimistas ao acreditar que nenhuma catástrofe vai chegar no tempo em que cá andarem? Temos facilidade em recordar aquilo que acontece na escala da vida humana, mas temos dificuldade em perceber o que são eventos extremos que podem ter ciclicidade de 500 anos. Perspectivando que o cidadão observa a dinâmica do planeta à escala de 100 anos talvez se pense, de forma ingénua, que não vai mudar assim tanto e que se mudar não importa porque já não será no nosso tempo. Mais uma vez somos egoístas.
Estabelecer metas pessoais na poupança de água faz sentido ou traduzem-se numa gota no oceano que não vai fazer diferença? O oceano é formado por muitas gotas. Quando pedimos às famílias para poupar água faz todo o sentido, mas não podemos esquecer que os maiores utilizadores de água são as actividades económicas como a agricultura ou a agropecuária. Temos que adicionar ao esforço individual um avanço tecnológico nestas áreas que ajudem a reduzir drasticamente o consumo de água.